Nos últimos anos, as exportações agrícolas aumentaram de forma significativa, o etanol colocou o agronegócio na vanguarda dos biocombustíveis e a descoberta de uma imensa reserva de petróleo no pré-sal abriu caminho para que o País ingressasse no clube dos grandes produtores mundiais. Ao se destacar no cenário internacional, o Brasil despertou o interesse – e a cobiça – de outras nações, à frente o governo dos Estados Unidos. As empresas brasileiras, agora se sabe, também entraram no radar da maior potência mundial. Documentos vazados por Edward Snowden, ex-técnico de uma empresa que prestava serviço à Agência de Segurança Nacional (NSA) americana, publicados pelo jornal britânico The Guardian, mostram que dados que circulam pela internet foram bisbilhotados pelo órgão de espionagem. 

 

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O governo quer criar leis que obriguem a manter os dados

de todos os brasileiros no país

 

Na semana passada, o jornal O Globo revelou, a partir de informações de Snowden, que o Brasil foi o maior alvo na América Latina, como parte de um esquema de monitoramento de mensagens e telefonemas que atingiu o setor corporativo, instalado numa estação da NSA em Brasília. O governo brasileiro protestou, pediu explicações, e ouviu do embaixador americano, Thomas Shannon, que os Estados Unidos não monitoram informações individuais, mas os chamados metadados, que registram, por exemplo, números de telefone e tempo de chamada de quem é alvo da vigilância, sem revelar o seu conteúdo. Segundo Snowden, no entanto, o programa de vigilância, batizado de Prism, permitia ler e-mails de qualquer pessoa, até mesmo do presidente Barack Obama, se ele tivesse uma conta pessoal.

 

Para o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, não há dúvidas de que boa parte desse monitoramento do governo americano tem interesse econômico. “Uma parte dessa bisbilhotagem é a espionagem comercial, industrial”, afirmou na quinta- feira 11 o ministro, em audiência na Comissão de Relações Exteriores do Senado, lembrando que a estrutura da internet é vulnerável, por natureza, ao vazamento de dados. “No caso do pré-sal, se colocarem uma informação na rede, há uma possibilidade quase total de alguém interceptar”, disse. Por isso, segundo ele, informações estratégicas para o governo brasileiro, como detalhes de campos de petróleo, não são tratados por e-mail nem por rede pública.

 

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Força-tarefa: Amorim, da Defesa (segundo à esq.), participa com integrantes do governo,

em Brasília, de reunião para debater a espionagem 

 

Especialistas em proteção de dados avaliam que os alvos preferenciais da curiosidade dos arapongas estrangeiros são justamente as empresas dos setores nos quais o Brasil detém tecnologias mais avançadas. “Empresas brasileiras bilionárias tornam-se um alvo, tanto da concorrência externa quanto da inteligência militar”, diz Jeferson D’Addario, sócio da Daryus Consultoria. “Há interesse por companhias das áreas química, farmacêutica, financeira, de telecomunicações e agronegócio.” Dessa forma, Petrobras, Embraer e Braskem e bancos nacionais de grande porte estariam na mira dos americanos. Procuradas pela DINHEIRO, as companhias preferiram não se pronunciar, assim como entidades empresariais, como o Sindusfarma e a Federação Brasileira dos Bancos. 

 

A coleta de informações pode acontecer em duas frentes: redes de telefonia ou internet. Por isso, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) iniciou na segunda-feira 8 uma investigação para apurar se as teles sediadas no Brasil têm contratos com operadoras americanas que deem brecha à violação de dados. As operadoras TIM, Claro, Oi e Vivo, procuradas pela DINHEIRO, preferiram não se pronunciar individualmente sobre o assunto. Em seu lugar , o Sinditelebrasil, que representa as empresas do setor, negou qualquer colaboração com a NSA. “As empresas adotam uma política rigorosa para proteger a privacidade de seus usuários”, diz Alexandre Castro, diretor de regulação do Sinditelebrasil.

 

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Olho gordo: empresas bilionárias, como a Petrobras (na foto ao lado, a Plataforma P-34,),

tornam-se alvo de espionagem

 

O presidente da Anatel, João Rezende, admite, em todo caso, que há uma zona cinzenta no País, uma vez que provedores estrangeiros ignoram as leis nacionais, alegando que cumprem as regras de seu país de origem. Dessa forma, não há condições de assegurar o sigilo de informações e os registros telefônicos dos clientes brasileiros – nem mesmo de integrantes do governo. Na mesma direção, o ministro Paulo Bernardo chegou a dizer aos senadores que nem os telefonemas da presidenta Dilma estão a salvo, uma vez que ela liga para o celular de seus auxiliares, cuja comunicação não é criptografada. Bernardo também lembrou que a estrutura da internet tem grande concentração nas mãos de poucas empresas. 


“Quase todas sediadas nos Estados Unidos, que concentram o tráfego e as receitas do setor”, disse. As operadoras do País, por sua vez, avaliam que ainda é preciso investigar em qual parte da rede a vigilância denunciada por Snowden ocorreu. De acordo com um advogado da área, as empresas estão tranquilas e, se houve monitoramento, não foi feito via operadoras. Apesar disso, Castro, do Sinditelebrasil, admite que a partir do momento em que as informações saem da rede privada das teles brasileiras não há como garantir que não sejam interceptadas em outro país. Para reduzir vulnerabilidades, uma das medidas em estudo pelo governo é a obrigação de instalar datacenters no Brasil, sujeitos à legislação local. 

 

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Protesto em Paris condena a xeretagem internacional dos Estados Unidos

 

“Queremos prever a obrigatoriedade de armazenagem de dados de brasileiros no País”, disse a presidenta Dilma, no início da semana passada. No caso da internet, entretanto, a acusação de Snowden sobre a colaboração das empresas do setor é mais direta. Documentos fornecidos ao The Guardian mostram representantes da NSA afirmando que tinham acesso direto aos sistemas de gigantes da internet, como Microsoft, Apple, Google e Facebook. Procuradas pela DINHEIRO, as empresas disseram que fornecem informações às autoridades mediante determinação judicial. Na quinta feira, nova acusação do jornal britânico implica a Microsoft explicitamente, afirmando que a empresa ajudou o serviço americano a quebrar códigos de criptografia, incluindo o portal do Outlook.com e o Skype, comprado em maio de 2011. A empresa negou.

 

Embora a extensão dos fatos esteja longe de ser totalmente esclarecida, o governo brasileiro tenta tomar providências. Além de pedir uma investigação da Polícia Federal, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, quer levar o caso às Nações Unidas e à União Internacional de Telecomunicações, em Genebra, órgão que regula o setor em todo o mundo. O governo brasileiro também se mexeu para tirar do papel o marco civil da internet, uma legislação que promete aumentar as garantias de privacidade dos brasileiros. Na semana passada, a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, tentou recolocar o assunto em pauta, sem sucesso.

 

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Os projetos que preveem a construção de uma infraestrutura própria de telecomunicações também devem ganhar força. Entre eles está o programa de construção do satélite geoestacionário brasileiro, ao custo estimado de R$ 1 bilhão, atualmente em fase de seleção das empresas que fornecerão a tecnologia ao consórcio formado pela Embraer e Telebrás. Outra proposta em estudo é a instalação de um cabo submarino ligando o Brasil à Europa, com orçamento de R$ 700 milhões, com um ponto de troca de tráfego (PTT) em Fortaleza. Assim o País reduziria a dependência da estrutura americana. Em audiência no Senado na quarta-feira 10, o ministro da Defesa, Celso Amorim, lamentou que os sistemas usados no País estejam baseados no Exterior. 

 

“Essa é uma área que merece investimento redobrado”, afirmou Amorim. A verdade é que não é de hoje que os Estados Unidos monitoram as comunicações brasileiras. O embaixador Rubens Barbosa lembra que quando chefiou a representação do Brasil em Washington, e preparava uma visita do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 2001, percebeu sinais de perda de qualidade no telefone da embaixada. “Uma empresa de segurança constatou que um cabo que saía do escritório brasileiro passava pelo Departamento de Estado, por onde provavelmente era feita a interceptação”, diz Barbosa. De lá para cá a tecnologia só fez evoluir, abrindo ainda mais brecha para espionagem. Os controles, no entanto, não avançaram na mesma velocidade. 

 

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