A campanha eleitoral de 2010, com candidatos a presidente da República, governadores, senadores, deputados federais e estaduais, custou R$ 3,66 bilhões. Desse total, R$ 2,3 bilhões, quase 60%, foram doados por empresas privadas aos candidatos e partidos. Esse quadro pode mudar logo, possivelmente neste ano. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar uma ação direta de inconstitucionalidade, proíbe qualquer doação de empresas a partidos ou candidatos. As únicas opções de financiamento serão as transferências do governo para o fundo partidário e as doações de pessoas físicas.

O julgamento no STF está parado desde o início de abril, por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Dos sete que já votaram, seis confirmaram a proibição, o que significa que é apenas uma questão de tempo até que a decisão seja colocada em prática. “O financiamento fere profundamente o equilíbrio dos pleitos, que nas democracias deve se reger pelo princípio do ‘one man, one vote’ (um homem, um voto)”, afirmou o ministro Ricardo Lewandowski, avaliando que as doações milionárias das empresas ferem esse princípio. É justamente este o argumento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que ingressou com a ação em 2011.

No único voto contrário, o ministro Teori Zavascki diz que “é ilusão” imaginar que a medida acabaria com “a eliminação da indevida interferência do poder econômico nos pleitos eleitorais”. Além da ação no STF, uma medida semelhante tramita no Congresso Nacional. Esse tema voltou a entrar na pauta após as manifestações populares do ano passado, que reivindicaram, entre outras coisas, a reforma política e regras para o financiamento privado em campanhas. O projeto de lei sobre o tema foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), no dia 17 de abril, e seguiu para votação na Câmara dos Deputados.

A rapidez da tramitação no Senado surpreendeu o diretor-executivo da Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo, que faz campanha pela redução do custo do voto. Mas ele não acredita que a proibição terá o apoio dos deputados. “Assim que sair a decisão do STF declarando a doação inconstitucional, acredito que os parlamentares irão se mobilizar para aprovar uma mudança na Constituição para voltar a permitir as doações”, diz Abramo. Se a mudança for realmente aprovada, deve provocar uma revolução nas campanhas políticas. Se dependerem apenas das contribuições dos cidadãos, elas ficarão bem mais pobres. Em 2010, as pessoas físicas contribuíram com apenas 10,9% do total, ou R$ 427 milhões, segundo estudo da Transparência Brasil – o restante vem de outras fontes, como fundo partidário.

Os que se opõem à mudança dizem que a proibição vai estimular o uso de recursos não declarados, o caixa 2. O presidente da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, diz que esse argumento perde a validade com a nova lei anticorrupção, que pune empresas que pagam propina. “Temos de construir um sistema que diminua o custo das campanhas”, afirma. De fato, o custo das campanhas vem subindo. Entre 2006 e 2010, o custo por voto dobrou, de R$ 1,22 para R$ 2,40. Para Jorge Abrahão, diretor-presidente do Instituto Ethos, a limitação dos valores que podem ser doados pode ser uma maneira de baratear a campanha.

“Poucos doadores contribuem com a maior parte dos recursos, e a criação de um limite igual para todos pode equilibrar o peso do financiamento privado em relação ao público”, diz Abrahão. Essa concentração é bem clara na campanha presidencial de 2010. As doações de 712 empresas a todos os candidatos somaram R$ 647 milhões, sendo que as 36 maiores responderam por 61,9% desse total. A maior doadora, a construtora Camargo Corrêa, contribuiu com R$ 63 milhões somente aos candidatos eleitos. Além da presidenta Dilma Rousseff, a empreiteira ajudou a eleger 18 governadores, 13 deputados federais, 12 senadores e cinco deputados estaduais. Se a mudança vingar, pode ser o primeiro passo para uma necessária reforma política.