23/02/2011 - 21:00
O produtor musical José Renato Mello, de São Paulo, estava pronto para comprar uma tevê de 42 polegadas este mês quando o governo anunciou medidas de ajuste fiscal de olho no crescimento da inflação. Desconfiado, ele achou por bem adiar a compra e ficar com os televisores velhos.
“Vou esperar porque os preços podem ficar melhores daqui a alguns meses”, diz Mello. Filho de um economista, o produtor aprendeu cedo a controlar impulsos de compras. Por ora, vai investir na mudança de escola dos dois filhos, o que já vai pesar no orçamento familiar.
Alguns indicadores econômicos mostram que consumidores mais atentos, como Mello, já estão elegendo prioridades. O índice de Intenção de Consumo das Famílias da Fecomercio de São Paulo, por exemplo, recuou de 147,2 pontos (número recorde), em dezembro, para 141,6 pontos, em janeiro, uma queda de 3,8%.
Alexandre Tombini: o presidente do BC deixou claro que os juros serão instrumento para estancar a alta de preços
Guido Mantega: o ajuste fiscal, a ser detalhado esta semana, é a contribuição do governo no ajuste da inflação
“É a leitura do mercado de que o ano será diferente”, diz Antonio Carlos Borges, diretor-executivo da Federação do Comércio de Bens e Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio). A entidade espera um crescimento de 4% nas vendas do varejo da região metropolitana, menos que a expansão de 6% em 2010.
A percepção de que se inicia uma fase diferente não se deve apenas ao anúncio do corte de gastos do governo. O pacote de restrição ao crédito, anunciado em dezembro, que tirou R$ 60 bilhões de circulação, e o ciclo de alta de juros previsto pelo Banco Central, capitaneado agora por Alexandre Tombini, também dão o tom de 2011 depois de um crescimento do PIB de 7,8% em 2010, segundo relatório do BC divulgado na quarta-feira 16.
“É o governo em busca do chamado ‘pouso suave’ para derrubar a inflação”, diz o professor de economia da Fundação Getulio Vargas, Ernesto Lozardo. A expressão “soft landing” (aterrissagem suave, em inglês) sintetiza o esforço das autoridades econômicas para diminuir o ritmo dos negócios e moderar oferta e demanda na economia, quando o dragão inflacionário dá sinais de querer sair da sua caverna.
José Renato Mello: filho de economista, o produtor musical aprendeu a controlar impulsos consumistas.
A compra da tevê de 42 polegadas foi adiada
Nesse contexto, a indústria também refaz contas. A Confederação Nacional da Indústria (CNI), que teve um crescimento de 10,9% da atividade, espera uma expansão de “apenas” 4,5% este ano.
“Se vínhamos em um ritmo de 120 quilômetros por hora, agora estaremos a 60 ou 80 por hora”, diz o economista da CNI, Flávio Castello Branco. Essa mudança de marcha também deve se traduzir com a seleção de prioridades na hora de investir.
“É a busca pela sintonia fina dos investimentos”, afirma. A expansão da economia este ano, prevê ele, se dará mais por investimentos do setor privado do que pelo consumo no mercado interno. “A inflação mata o horizonte das famílias.”
Ao ministrar o coquetel amargo de remédios no final do governo Lula e nos primeiros meses de Dilma Rousseff, a expectativa do mercado é de que os resultados apareçam no segundo semestre.
O professor Ernesto Lozardo avalia inclusive que o desemprego pode crescer na segunda metade do ano em alguns segmentos, por conta do ritmo mais lento da economia. Mas a indústria descarta esse cenário.
“Segmentos como o de petróleo e gás e o da construção civil vão continuar muito bem em 2011”, diz Flávio Castello Branco, da CNI. De fato, o setor de construção civil faz previsões bastante otimistas.
Dos recursos da poupança destinados à habitação, o setor espera passar dos R$ 56,2 bilhões no ano passado para R$ 85 bilhões este ano – esse valor inclui financiamento do mutuário para aquisições de imóveis e crédito para as construtoras tocarem as obras.
Segundo o presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Luiz Antonio França, a construção civil está descolada do resto da economia porque os juros do financiamento são atrelados ao rendimento da poupança e não são contaminados pela alta da taxa de juros básica. “O volume de solicitações de crédito imobiliário continua o mesmo”, diz.
Para a equipe econômica, as medidas de controle da inflação já devem surtir efeito no curto prazo. “A inflação vai recuar em março e abril, podem anotar”, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, durante evento em São Paulo, na quarta-feira 16.
Por outro lado, o economista Paulo Francine, da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), entende que é difícil adivinhar o tempo certo em que as medidas anunciadas trarão o efeito desejado.
“Tudo é fruto de ‘calibragem’ e não se conhece uma dose exata para acertar o alvo”, diz. A Fiesp espera um crescimento de 3,5% para a indústria de transformação em São Paulo, bem mais modesto que a expansão de 10,5% em 2010.
“São dois anos que não podemos comparar pois parte do crescimento de 2010 foi recuperação do ano anterior”, diz Francine. Ao modular o crescimento este ano, o Brasil inverterá o paradoxo do ano passado, quando cresceu mais que a economia mundial, explica o professor Ernesto Lozardo.
“O País cresceu mais de 7,5% enquanto o mundo crescia 4,2%. Agora, vamos crescer menos de 4% (3,8%)e o comércio global vai repetir o número do ano passado”, diz ele, citando as projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI). O Ministério da Fazenda é mais otimista e projeta uma expansão de 5%.
Vale lembrar que no início de 2010 as primeiras projeções do governo eram de um crescimento do PIB de 5,2% para o ano, número este que foi revisto diversas vezes até chegar aos 7,8% projetados pelo BC. O número final será conhecido no próximo dia 3 de março, quando será divulgado o PIB oficial pelo IBGE.