Mercado interno estagnado caminhando para a recessão, ajuste fiscal e contenção orçamentária no governo, queda no preço das commodities e crise em importantes parceiros comerciais. Diante do sombrio cenário presente neste início de 2015, o governo procura notícias que animem a indústria e o agronegócio. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), Armando Monteiro, viu espaço e necessidade de trabalhar uma agenda positiva e está apresentando propostas para impulsionar as exportações. No ano passado, elas caíram 7%, totalizando US$ 225 bilhões.

Para este ano, se nada for feito, o volume pode ser ainda menor, com a queda nas commodities e a desaceleração dos principais mercados. O Plano Nacional das Exportações, que será lançado em março, traz medidas há muito pedidas pelo setor produtivo e marca a retomada do diálogo do governo com os empresários, abandonado no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Nas últimas semanas, Monteiro dedicou boa parte de seu tempo a conversas com exportadores, associações e consultorias para pedir sugestões e ouvir críticas ao plano inicialmente desenhado.

Um trabalho semelhante foi desenvolvido por diretores e técnicos da Agência Brasileira de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), órgão de promoção comercial ligado ao Mdic. Monteiro ouviu mais de 50 setores e agora seleciona as propostas que considera viáveis e se dedica a convencer o Ministério da Fazenda a autorizar redução de tributos, manter e ampliar linhas de financiamento de exportações e tirar da gaveta um programa de renovação do parque fabril. “Ninguém cogita, agora, propor ou ampliar desonerações, porque não há espaço fiscal.

Não seria realista”, afirmou o ministro após uma reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), no início de fevereiro, órgão que ficou paralisado nos últimos quatro anos e que agora está sendo retomado pelo governo. Apesar do restrito cenário fiscal, o que anima os empresários é que a própria presidente Dilma citou o plano de exportações como um importante instrumento para estimular a economia brasileira. “O foco de nossa política industrial, baseada na ampliação da nossa competitividade, será o aumento da pauta e dos destinos de nossas exportações”, disse a presidente, no fim de janeiro, em sua primeira reunião ministerial.

A versão preliminar do plano, ao qual a DINHEIRO teve acesso, tem como objetivo estabelecer ações comerciais de acordo com a necessidade de cada setor, incentivar a entrada de bancos privados no financiamento às exportações e simplificar e desburocratizar os procedimentos de comércio exterior (leia nota ao final da reportagem). Mas ainda há pontos que não são consensuais, nem mesmo no governo. Um deles é o limite do Reintegra, programa que devolve parte dos créditos tributários acumulados pelos exportadores. Como a lei fala numa devolução entre 0,1% e 3%, o Ministério do Desenvolvimento pleiteia o teto e a Fazenda quer liberar o mínimo.

Monteiro também defende a manutenção do Programa de Financiamento às Exportações (Proex), que oferece recursos com juros subsidiados. “Hoje, o mais importante é manter os escassos incentivos que já existem, mas que estão em risco devido ao ajuste fiscal”, diz um dos empresários que participaram das discussões com o governo. “É muito positivo que o governo queira dialogar com o setor privado”, diz Fernando Figueiredo, presidente da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). Embora não apresente novas desonerações nem prometa uma maior desvalorização do real, como pedem alguns empresários, o plano do governo atende a uma antiga reivindicação dos exportadores: o compromisso de abrir novos mercados para os produtos brasileiros.

A retomada das negociações de acordos comerciais com a União Europeia e a busca por novos parceiros foram defendidas por Monteiro em seu discurso de posse. Um primeiro passo foi dado na viagem que o titular do Mdic fez a Washington, no início de fevereiro, onde anunciou uma agenda de convergência regulatória e de simplificação de processo, que pode ser concluída no curto prazo. “Com Argentina e Venezuela em crise e a forte queda no preço das commodities, os Estados Unidos serão o único grande mercado que vai crescer e todos os olhos estarão voltados para eles”, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).

Em 2014, com um aumento de 10% nas compras provenientes do Brasil, os Estados Unidos ultrapassaram os argentinos como o principal destino das manufaturas nacionais, com 17% do total. Essa participação deve crescer neste ano, pela convergência entre a recuperação da maior economia do mundo e a recessão no vizinho do Prata. Os chineses continuam comprando, mas, nos últimos 12 meses, o preço da soja caiu 29% e o do minério de ferro, 49%. Além da abertura de novos mercados, os empresários gostam da simplificação dos procedimentos para exportar, previstos no plano do governo.

Um primeiro passo já foi dado com a criação do Portal Único de Comércio Exterior, que centraliza e digitaliza os processos em um site, que estará totalmente pronto em 2017. “Conversamos com cerca de 50 empresários e eles concluíram que o plano atende às necessidades dos exportadores”, diz Gabriel Rico, CEO da Câmara Americana de Comércio (Amcham). Ele ressalva, no entanto, que as empresas estão preocupadas com o futuro do Mercosul e com o fato de o bloco complicar acordos bilaterais com Estados Unidos e União Europeia.

Ao mesmo tempo que impôs inúmeros obstáculos à negociação de um acordo de livre comércio entre a União Europeia e o bloco sul-americano, a Argentina concedeu amplas vantagens para investimentos chineses no país. Em alguns casos, até maiores do que oferece aos sócios do Mercosul, como a dispensa de licitação para obras realizadas por empreiteiras chinesas. “Os outros membros do Mercosul deveriam ter sido ouvidos sobre esse acordo com a China, porque, na prática, a Argentina implodiu o bloco”, afirma Castro, da AEB.

Em 2014, os hermanos responderam por 16% das exportações da indústria nacional, mas esse percentual já foi bem maior. A crise e as restrições impostas pelo país levaram a uma redução de 27% nos embarques brasileiros. Enquanto o governo da presidente Dilma insiste em manter os argentinos a tiracolo, a presidente Cristina Kirchner não hesita em deixar o bloco de lado para perseguir seus interesses individuais. Agora, finalmente, Dilma parece ter acordado e decidido dar uma resposta à ego trip de sua colega: manter-se unida ao Mercosul, mas não ficar mais limitada a ele.

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Enquanto isso no México…

Brasil tenta evitar retorno ao livre comércio de carros com parceiro latino. Sistema de cotas vence em março

Por Gabriel Baldocchi

Um dos primeiros desafios do governo na área de comércio exterior será convencer o México a prorrogar o sistema de cotas do acordo automotivo. O mecanismo, que foi adotado em 2012 numa tentativa de estancar o déficit na balança comercial bilateral do setor, vence em meados de março. Pelas regras atuais do acordo, os dois países voltariam para a condição de livre comércio, podendo exportar ou importar carros sem pagar imposto de importação ou tarifas adicionais, como o IPI extra para veículos estrangeiros. Atualmente, o volume beneficiado pela preferência tarifária é limitado pelas cotas.

O governo brasileiro, porém, sabe que os custos de produção do México são mais baixos e que o livre comércio poderia gerar uma nova enxurrada de importação, além de ameaçar investimentos previstos para o Brasil. “Com demissões em São Bernardo do Campo, o livre comércio não faz sentido agora”, diz uma fonte próxima às negociações, em referência à crise no mercado doméstico. Os mexicanos tampouco estão dispostos a ceder. “O que está pactuado no protocolo é um acordo assinado. É um compromisso”, afirmou à DINHEIRO o subsecretário de Comércio Exterior do México, Francisco Rosenzweig.

“Todos os esforços que o México tiver ao seu alcance, usará para retomar o livre comércio.” A rodada de negociações bilaterais foi inaugurada com uma reunião em Brasília, na sexta-feira 20. O Brasil pretende, ainda, aproveitar o momento para buscar uma ampliação da cobertura dos acordos com o parceiro mexicano, de forma a acrescentar mais produtos às listas de preferência tarifárias. Assim, estaria disposto a aceitar um incremento no volume de cotas de carros importados do México com imposto zero, segundo apurou DINHEIRO.

O secretário mexicano cita oportunidades de ampliações em autopeças e admite a possibilidade de trabalhar um outro acordo bilateral, de 2003, que abrange itens além do automotivo. “O México sempre buscará aumentar a cobertura”, afirma Rosenzweig. Em um plano secundário das negociações, parte das montadoras tem interesse em mudar a forma de apuração das cotas de importação, caso sejam prorrogadas, para que seja levada em conta também a posição de mercado brasileiro. O volume total, hoje, é repartido de acordo com a participação de mercado no México.

Desde que as restrições foram introduzidas, em 2012, tornaram-se comuns episódios de falta de modelos trazidos do México nas concessionárias brasileiras e a formação de listas de espera de clientes interessados. Em 2012, a japonesa Nissan, que ainda não tinha inaugurado a fábrica de Resende (RJ), teve as vendas do March reduzidas à metade, um mês após o vencimento das cotas. Honda e Volkswagen também enfrentaram problemas. Além dessas, outra montadora de olho em um comércio bilateral mais abrangente é a Kia. A empresa coreana, que enfrenta restrições tarifárias para trazer os carros da Ásia ao Brasil, constrói uma fábrica no México, prevista para ser inaugurada em 2016.