11/07/2012 - 21:00
Reeleita no ano passado para mais quatro anos de mandato, a presidente Cristina Kirchner vive um momento difícil na Argentina. O crescimento da economia caiu drasticamente e não deve superar os 2% em 2012, ante 9% no ano passado. A inflação extraoficial é superior a 20% e a indústria perde cada vez mais competitividade. Com dificuldade para fechar as contas externas, a Argentina se dedicou, nos últimos meses, a erguer barreiras para tentar proteger seu mercado, à custa do Brasil. A estratégia protecionista ajudou a reduzir em 10,9% as exportações brasileiras para lá nos primeiros cinco meses do ano. Ao mesmo tempo em que fecha suas fronteiras, Cristina trabalha para atrair novos parceiros comerciais.
Hugo Chávez: presidente da Venezuela tem propensão a brigar com vizinhos, como a Colômbia /
Cristina Kirchner: articulação com o chinês Wen Jibao pode prejudicar a indústria brasileira.
Na última semana de junho, “la señora”, como é mais conhecida em seu país, sentou-se ao lado do primeiro-ministro chinês Wen Jibao, em Buenos Aires, enquanto ele propunha, numa videoconferência com os demais presidentes do bloco, um acordo de livre comércio. Dias depois, a mandatária argentina comandou, junto com a presidenta Dilma Rousseff, a reunião para decidir a entrada da Venezuela no Mercosul, aproveitando a suspensão do Paraguai do bloco, em retaliação ao impeachment do presidente Fernando Lugo. A ausência do Paraguai facilitou a retomada de um acordo, assinado ainda em 2006, entre o Mercosul e a Venezuela, um país de 28 milhões de habitantes e PIB per capita de US$ 13,6 mil, superior ao brasileiro.
Embora represente um mercado consumidor atraente, o bloco, que já enfrenta problemas na integração de tarifas aduaneiras, teria de receber o barulhento presidente Hugo Chávez e sua propensão a brigar com os vizinhos, como a Colômbia, com quem rompeu relações diplomáticas em 2010. Por ora, Chávez tenta ressaltar as vantagens de ser aceito. “A entrada da Venezuela consolida a maior reserva de petróleo do mundo, assim como a de gás natural e de água”, disse, em dia 29 de junho. Em tese, a ampliação do Mercosul pode ser uma oportunidade para as empresas brasileiras, com o aumento da exportação de industrializados, por exemplo.
“Podemos, ainda, importar da Venezuela produtos de baixo valor agregado, como alimentos, para as regiões Norte e Nordeste, a um custo menor do que seria comprar de São Paulo”, afirma o presidente da Federação das Câmaras de Comércio Brasil-Venezuela, José Francisco Marcondes. Para ele, o comércio atual, de US$ 5,8 bilhões anuais, pode dobrar em quatro anos. Uma nova reunião para avaliar o ingresso da Venezuela está marcada para o próximo dia 31. Já um possível acordo com a China, como foi aventado pelo primeiro-ministro chinês e apoiado por Cristina, é visto com ceticismo.
“Não podemos abrir o mercado com tarifa zero para a China, sobretudo na área industrial”, diz Rubens Barbosa, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O consultor Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento no governo Lula, entende que Cristina usou a proposta para uma aproximação política com a China, destino importante para suas commodities. “Daí a virar um acordo tem uma distância muito grande”, diz. O protagonismo da presidente argentina não agrada ao Brasil, mas o Palácio do Planalto tem sido tolerante com o argumento de que não é vantajoso brigar com o vizinho, terceiro mercado para as exportações brasileiras.
“A Argentina não é um assunto, é um ‘karma’”, diz um ex-integrante do governo que já teve que negociar com os argentinos. De tempos em tempos, o governo brasileiro tem sido obrigado a apagar incêndios e oferecer compensações comerciais. Segue essa lógica o aceno brasileiro, na semana passada, de reduzir o déficit comercial dos argentinos, de US$ 1,2 bilhão entre janeiro e maio deste ano. Faz sentido? “Para o Brasil, é interessante que a Argentina vá bem”, diz o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel. Pode ser, mas não se justifica sacrificar o superávit do Brasil em plena crise externa.