Quando tucanos se encontram para um debate, é possível imaginar qual será o roteiro: trajes e falas formais, pouca ou nenhuma presença popular e um mar de críticas polidas aos governos petistas. Na quarta-feira 12, um seminário sobre os 20 anos do Real, promovido pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso, seguiu exatamente esse script. Cerca de 500 economistas, acadêmicos, políticos e empresários – a maioria engravatada – se reuniram, em São Paulo, para discutir os rumos do Brasil. A novidade foi a presença, no palco, de nove formuladores e executores do plano econômico que fulminou a hiperinflação. 

 

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Olhar atento: a reunião era para celebrar o Plano Real, mas o que prevaleceu foi o tom crítico à atual política econômica

 

Um grupo de notória competência, mas que jamais se aglutinou em torno das últimas campanhas de José Serra e Geraldo Alckmin, candidatos derrotados nas últimas três eleições presidenciais. Reunidos, os “pais” do Real se mostraram insatisfeitos com o desenvolvimento do “filho”, que passou de criança a adulto nas mãos de quem sempre foi oposição. Avaliam que a política econômica perdeu o rumo a partir do segundo mandato do ex-presidente Lula e, até hoje, não se conformam com a falta de reconhecimento dos petistas sobre o legado tucano. 

 

“Espero o mínimo de boa-fé e honestidade intelectual no debate eleitoral, sem rotulagem”, afirmou Pedro Malan, que serviu durante os oitos anos do governo Fernando Henrique Cardoso e está prestes a perder, para Guido Mantega, o recorde de ministro da Fazenda mais longevo. Os elogios aos adversários ficam restritos ao ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, que promoveu reformas e sempre defendeu a austeridade fiscal. O alvo principal das críticas foi a leniência com a inflação. Há quatro anos, o Banco Central, desde 2011 comandado por Alexandre Tombini, não atinge o centro da meta de inflação, estipulado em 4,5%. 

 

No ano passado, ficou em 6,5%, no teto da margem de tolerância, de dois pontos percentuais. Para os formuladores do Real, é um risco flertar com patamares mais elevados para o IPCA, o índice oficial calculado pelo IBGE. Na avaliação do ex-presidente do BC Gustavo Franco, o sistema de metas de inflação fica um pouco distorcido quando se busca o teto, o que pode ser um risco. “A inflação é que nem alcoolismo: não tem cura, só controle”, disse Franco, que não mostra entusiasmo com o atual cenário econômico. Nas mãos de Tombini, o sistema de metas de inflação está bêbado. “A racionalidade está ameaçada. É uma dificuldade situar onde estamos.” 

 

Quem engrossa o coro dos descontentes é Armínio Fraga, que assumiu o comando da autoridade monetária em março de 1999, no turbulento período após a maxidesvalorização do real, e hoje vê a condução da economia como “esquizofrênica”. No curto prazo, diz ele, o ideal seria fazer a inflação voltar para o centro da meta e, depois, trabalhar para a sua redução a níveis internacionais. “É um momento de grande frustração e grave perigo”, afirmou Fraga, sócio da Gávea Investimentos. Sua maior preocupação é o desarranjo nas contas públicas. Para controlar essa equação, ele sugere a adoção de metas para a estabilização da relação entre a dívida bruta e o PIB, sem utilizar a chamada contabilidade criativa. 

 

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“As despesas primárias têm de ser definidas sem artifícios, consolidando todos os benefícios”, afirmou o economista. Uma das saídas sugeridas seria fazer com que as despesas públicas crescessem a um ritmo inferior ao avanço do PIB, proposta que de tempos em tempos vem à tona, mas nunca sai do papel. “Antes de reduzir a carga tributária, é preciso ter metas para os gastos públicos”, disse Malan. Na lista de críticas tucanas, foram incluídos o intervencionismo na economia, as medidas protecionistas e o baixo nível de investimento. “A matriz econômica é dogmática e populista”, criticou Franco. 

 

Já a desastrosa atuação do BC de Tombini não foi suficiente para sepultar a proposta de autonomia da autoridade monetária, defendida por Fraga. “O fato é que os riscos são elevados e o cobertor está curto em muitas áreas”, disse. “Temo pelo nosso futuro.” Um suposto artificialismo na taxa de câmbio e nas taxas de juros foi o tema central da fala de Gustavo Loyola, que também presidiu o BC. A partir de 2008, segundo ele, foi adotada uma série de medidas heterodoxas para se atingir, “a qualquer custo”, uma redução dos juros e uma depreciação cambial. “Diante da crise, o mundo inteiro teve reações heterodoxas que serviram de pretexto para o governo demolir a política econômica brasileira.” 

 

Além disso, salienta Loyola, houve um mau uso dos bancos públicos, com a aceleração desenfreada da concessão de empréstimos por essas instituições estatais. “Tudo isso deu errado e resultou em baixo crescimento econômico, perda de credibilidade e risco de rebaixamento do rating”, disse o economista, que é sócio da Tendências Consultoria. As críticas também abarcaram o atraso no programa de concessões de infraestrutura do governo Dilma Rousseff. “Perdemos um tempo precioso em termos de crescimento”, afirmou Loyola. Além de apontar os erros do presente, os “pais do Real” traçaram os caminhos que podem ser tomados para o País retomar o rumo do crescimento. 

 

Para o ex-presidente do BNDES André Lara Resende, é necessário buscá-lo de forma sustentável. “É preciso voltar à boa prática macroeconômica para que o País escape da armadilha da renda média”, disse Rezende. Esse é um caminho apontado por José Roberto Mendonça de Barros, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “O Brasil foi levado à armadilha do baixo crescimento.” A solução para destravar a economia passa por reformas estruturais. Pérsio Arida, que esteve à frente do BC em 1995, defende “reformas liberais”, que completariam a estabilidade financeira. Nesse quesito, o ex-presidente do BNDES Edmar Bacha sugere foco na reformulação do sistema de impostos. 

 

“O mais importante no primeiro ano do novo governo é dedicar-se à reforma tributária”, disse Bacha. Para os tucanos, a eleição presidencial deste ano é a chance de retomar o poder e resgatar as raízes do Plano Real. Anfitrião da festa, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defende que o momento é propício para uma alteração mais profunda no País, nos moldes do que foi feito no início do seu mandato. Deixou claro, no entanto, que não queria tirar proveito de um mau momento para criticar o governo Dilma. “Vinte anos depois, necessitamos de um salto”, disse FHC. Ou como definiu Fraga, há uma “deterioração gradual da economia” que pode explodir lá na frente. “Não é tanto a foto atual, mas um filme de frustração que em geral não termina bem.”

 

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