02/07/2015 - 17:45
Alguns chamam de privatização e outros preferem dizer que é concessão. Pouco importa. O fato é que a infraestrutura regional do País está à venda. Em Minas Gerais, investidores privados podem adquirir o direito de explorar 28 mil quilômetros de estradas regionais e um aeroporto. Em Goiás, poderão, em breve, negociar com o governo local trechos rodoviários e um terminal aeroportuário. No Rio Grande do Sul e no Ceará, devem encontrar ofertas de portos, hidrovias e de um metrô. Por todo País, há oportunidades para a iniciativa privada apostar em ativos que hoje são administrados por governos estaduais.
Os planos de concessões regionais se espalham como resposta de Estados à escassez de recursos, a exemplo do que fez a União, ao anunciar a segunda fase do Plano de Investimento em Logística, neste mês. Com as iniciativas, os chefes dos executivos estaduais buscam uma alternativa à queda nos investimentos públicos e uma redução nos custos de manutenção dos trechos licitados, além de obter operações mais eficientes com os parceiros privados. A deterioração das contas estaduais se acentuou nos últimos anos com as desonerações tributárias promovidas pelo governo federal.
Em 2014, mais de 15 Estados encerraram o ano com déficit fiscal, contribuindo para que o País tivesse o seu primeiro resultado negativo desde 1997. Para complicar a situação, neste ano, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, mandou fechar as torneiras do crédito aos governadores, ao contrário do ocorrido no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, quando foram permitidas a contratação de novos financiamentos e a ampliação do endividamento. Levy espera ainda que os governos regionais (incluindo os municípios) contribuam com uma economia de R$ 11 bilhões em 2015.
O problema é que o País passa por uma recessão e a receita de tributos está bem abaixo do esperado. Boa parte dos governadores – muitos deles em primeiro mandato – se viu obrigada a adotar medidas de ajustes. No Rio Grande do Sul, por exemplo, José Ivo Sartori (PMDB) teve de adiar pagamentos à União para conseguir honrar o salário de servidores. O Estado cortou secretarias e pretende revisar incentivos fiscais concedidos a empresas no passado. O quadro de prostração continuada de recursos obrigou o governo gaúcho a considerar alternativas para garantir os avanços necessários na infraestrutura estadual, e a saída foi considerar um plano de concessões.
“O Rio Grande do Sul não tem nenhuma condição de fazer melhorias. Não há dinheiro”, afirma Pedro Westphalen, secretário estadual de Transportes. “Estamos conseguindo fazer só o mínimo para conservar.” Foram iniciados os estudos que definirão quais trechos de rodovias e de hidrovias devem ir a leilão. Em Minas Gerais, que enfrenta uma crise aguda nas contas públicas, a expectativa é de que o plano de concesssões reduza em 15% os custos com a manutenção das estradas. Toda a malha rodoviária estadual foi colocada à disposição da iniciativa privada, que poderá escolher os trechos de maior interesse.
Ao todo, 80 empresas se habilitaram para realizar os estudos de viabilidade, desde grandes empreiteiras – inclusive, as envolvidas na Operação Lava Jato, como a Odebrecht e a Andrade Gutierrez – até as menores e de atuação regional. O secretário da Fazenda mineiro, José Afonso Bicalho, acredita que o cenário de retração ajudará a garantir o interesse para todos os trechos. “Estamos em recessão e muitas obras públicas estão paradas”, diz Bicalho. “Com a economia aquecida talvez tivéssemos dificuldades para atrair mais interessados”. O Estado também vai leiloar o aeroporto da Usiminas, em Santana do Paraíso.
No Paraná, além da possibilidade dos leilões, em estudo, o Estado buscou um outro caminho para reduzir os custos de manutenção: a negociação para federalizar rodovias estaduais próximas aos trechos administradas pela União. A intenção de conceder estradas em Goiás teve de ser acelerada neste ano com o anúncio do plano federal. O temor é de que os caminhões passem a desviar dos novos pedágios dos trechos federais por estradas estaduais, que não comportariam o excedente de tráfego de 30%, segundo estimativas da Agência Goiana de Transportes e Obras (Agetop).
O plano de concessão do governador Marconi Perillo (PSDB) está sendo concluído, e a expectativa é oferecer até 2.600 quilômetros. “Por mais que o Estado tente cuidar das rodovias, temos parâmetros de que o privado faz um trabalho melhor”, diz Jayme Rincón, presidente da Agetop. “O debate em relação à cobrança de pedágio está superado.” O governo pretende apresentar uma inovação nas concessões: uma contrapartida do ganhador para recuperar um trecho fora da área leiloada. Rincón minimiza a concorrência com os leilões federais e de outros Estados e espera contar com o interesse de empresas médias. “Talvez o que possa acontecer é a gente não ter o resultado esperado na contrapartida.”
Os investidores não costumam fazer distinção sobre a administração responsável pelos leilões – se estadual, federal ou municipal. O nível de interesse está ligado a fatores como histórico de respeito aos contratos, disponibilidade de crédito e qualidade do projeto licitado. “Há vários modelos que podem ou não ser adotados dependendo de variáveis como fluxo da rodovia, investimentos que devem ser realizados, tempo de concessão”, afirma Raul Viana, diretor da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR). O conceito de flexibilidade vale para todas as regiões e tipos de projetos, uma lição que São Paulo parece ter entendido.
O Estado mais rico do País tem conseguido tirar do papel projetos de infraestrutura no modelo de Parceria Público-Privado (PPP), tradicionalmente mais complexo. Os 11 contratos assinados nos últimos anos somam cerca de R$ 25 bilhões, e há outros projetos na fila. Ainda é cedo para dizer se os Estados que estão elaborando novos planos, como o Ceará, terão êxito semelhante nas concessões – o governador Camilo Santana (PT) indicou recentemente a intenção de repassar o porto de Pecém, aeroportos regionais e o metrô de Fortaleza para a iniciativa privada. Se tudo der certo, os esforços estaduais se somarão aos leilões previstos no plano federal, cujos investimentos estimados totalizam R$ 200 bilhões – são 11 aeroportos (regionais e federais), 15 trechos de rodovias, seis de ferrovias e mais de 40 terminais portuários. Não faltarão opções aos investidores.