12/09/2012 - 21:00
O executivo pernambucano Eduardo Gouveia, presidente da empresa de fidelidade Multiplus, gerencia uma pequena frota de veículos em casa. Casado e pai de duas filhas, de 18 e 20 anos, ele precisa arrumar espaço para quatro carros em sua garagem. Todos os motoristas da família abasteciam seus automóveis em um posto de serviço ao lado da residência. “Nós éramos fidelíssimos”, afirma Gouveia. “Abastecia e lavava meu carro quase toda semana ali.” Mas, mesmo sem ter nenhuma reclamação contra o estabelecimento, a família Gouveia trocou de fornecedor. “Infelizmente, o posto de que eu gostava não era Ipiranga”, diz Gouveia.
Múltiplos clientes: Gouveia, da Multiplus, pretende reduzir a dependência da companhia aérea TAM
Acontece que a rede Ipiranga, do grupo Ultrapar, é parceira da Multiplus e oferece pontos para quem enche o tanque do carro em suas unidades. O executivo passou a acumular mais de 800 pontos por mês, o suficiente para receber um desconto de 15% no combustível. Casos como esse estão transformando a fidelidade do consumidor em um mercado bilionário, que deve movimentar cerca de R$ 2 bilhões neste ano, e acirrando a briga entre as duas principais empresas do setor no Brasil: a Multiplus, que surgiu a partir da cisão do programa de milhagem da TAM, e a Dotz, dos empresários paulistas Roberto e Alexandre Chade. As duas companhias, no entanto, vivem uma situação paradoxal.
A Multiplus, que abriu o capital em 2010 e vale R$ 6,8 bilhões, quer reduzir sua dependência da companhia aérea. Para isso, mira parcerias no varejo, como as redes de supermercados. A Dotz, por sua vez, busca superar a falta de uma empresa de aviação ao seu lado. Nesse caso, quer diluir sua dependência do Banco do Brasil e do varejo, seus principais parceiros, e atrair mais associados ao seu programa. A situação da Multiplus, com receita líquida de R$ 1,2 bilhão e lucro de R$ 274 milhões em 2011, é a mais dramática. Apesar de contar com 43 parceiros para trocar os pontos por produtos, seus 9,4 milhões de clientes preferem resgatá-los com passagens áreas da TAM.
Comerciantes: Alexandre (esq.) e Roberto Chade (dir), da Dotz,
com o sócio Bryan Pearson, da LoyaltyOne
Essa prática representa 98% de seus custos. A companhia aérea, no entanto, foi responsável pela emissão de apenas 20 bilhões de pontos, ou 22% do montante. É uma conta que, no longo prazo, pode não fechar. “Nossos clientes precisam enxergar as vantagens de trocar seus pontos por outros produtos”, diz Gouveia. Para resolver esse problema, Gouveia negocia a entrada de um supermercado entre seus parceiros de coalizão, os chamados “âncoras”. São eles que permitem aos consumidores não apenas acumular, mas também resgatar pontos. Atualmente, são 24 parcerias desse tipo, incluindo nome como a rede de postos Ipiranga e o Pontofrio.com, braço de comércio eletrônico do grupo Pão de Açúcar.
Uma das estratégias para angariar novos parceiros é oferecer serviços de consultoria na área de fidelidade. Com isso, a Multiplus quer ajudar empresas de menor porte a estruturar seus programas de pontos. Uma joint venture criada com a canadense Aimia, que surgiu a partir do programa de milhagem da Air Canada, ficará a cargo dessa área do negócio. A Dotz, que tem entre seus sócios minoritários a também canadense LoyaltyOne, do empresário Bryan Pearson, cujo programa de fidelidade conquistou cerca de 70% da população economicamente ativa do Canadá, possui forte presença no varejo.
“Nosso foco sempre esteve nessa área”, afirma Roberto Chade, presidente da Dotz. “As companhias aéreas foram pioneiras nos planos de fidelização, mas não possuem uma solução adequada para o comércio.” Basta conferir seus parceiros para entender do que Chade está falando. Entre eles estão o Walmart, terceira maior rede de supermercados do País. Há também parcerias locais com a rede Paulistão, no interior de São Paulo, Apoio, em Belo Horizonte, e Atacadão, em Brasília. Apesar do discurso de Chade, a Dotz sabe que a troca de pontos por passagens aéreas é um grande atrativo para conquistar mais participantes para o seu programa de fidelidade.
Tanto que possui um acordo com uma agência de viagens. Hoje, a empresa tem 3,8 milhões de associados, boa parte deles em razão do acordo que tem com o Banco do Brasil. No mercado, há rumores de que a Gol, dona do programa Smiles, estaria interessada em ter um parceiro estratégico para gerenciar seu plano de milhagem. A companhia aérea já confirmou que, a exemplo da TAM, vai criar uma nova empresa para repassar os créditos de seus clientes. A Dotz seria uma candidata natural a se associar com a Smiles. Chade não confirma uma associação com a Gol. As duas empresas, no entanto, têm acordo de transferência de pontos. Quem é cliente Dotz pode passá-los para o Smiles – e vice-versa.