O “titio” chegou ao banco pontualmente às 19:15, pouco depois de saber que Teori Zavascki, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), havia revogado sua prisão domiciliar e a proibição de trabalhar no BTG Pactual. “Titio” é como o banqueiro André Esteves é chamado pelos funcionários mais juniores do banco – quando não está perto o bastante para ouvir, é claro. Esteves dedicou pouco tempo a distribuir tapinhas nas costas aos cerca de 200 funcionários que testemunharam seu retorno.

Ele partiu logo para a tarefa de analisar a situação do banco. E o que encontrou é um BTG Pactual bem diferente do que havia deixado ao voltar para casa no Jardim Europa, em São Paulo, na noite de 24 de novembro passado, véspera de sua prisão pela Operação Lava Jato. Rememorando: Esteves foi acusado pelo senador Delcídio Amaral (PT-MS) de estar envolvido em um pouco plausível – e, até agora, sem provas – esquema para retirar o ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, do Brasil. Essa suposta participação em um plano mirabolante custou caro a Esteves.

Na conta pessoal, ele ficou encarcerado por três semanas. A matemática Lilian, sua mulher, teve de enfrentar a fila dos familiares de enjaulados no presídio carioca de segurança máxima Bangu 8 para visitar o marido, impedido de tomar banhos de sol devido a uma ameaça de rebelião. Na conta empresarial, a fatura também saiu cara para Esteves. A crise forçou os demais sócios do BTG Pactual a agirem rápido para impedir o naufrágio de um banco muito ligado à pessoa de seu fundador.

Esteves foi destituído do cargo de presidente. Suas ações ordinárias foram convertidas em papéis sem direito a voto. Foram vendidas, a toque de caixa, R$ 9,4 bilhões em participações, entre elas o private bank suíço BSI, por R$ 5,4 bilhões, e uma fatia de 11,3% na rede hospitalar D’Or, por R$ 2,2 bilhões. Além disso, os sócios aportaram recursos próprios para lastrear um empréstimo de R$ 6 bilhões junto ao Fundo Garantidor de Crédito (FGC). A atuação dos sócios foi capaz de impedir a quebra do banco, mas não seu encolhimento.

Como o BTG Pactual ainda não divulgou os resultados do primeiro trimestre, não é possível saber com precisão o quanto as declarações de Amaral (PT-MS) afetaram os negócios. Em uma das principais atividades, a gestão de recursos de terceiros, o dano foi imenso. Em setembro de 2015, as demonstrações trimestrais ostentavam R$ 230,5 bilhões em ativos sob gestão e administração. Em março de 2016, segundo a Anbima, a associação que representa o setor, essa cifra estava em R$ 107 bilhões.

Uma conta aproximada, porém, permite supor que o pior já passou. O valor de mercado do BTG Pactual, estimado em R$ 30 bilhões antes da prisão, recuou para menos de R$ 12 bilhões em dezembro, no pior momento da crise. Atualmente, o banco está valendo ao redor de R$ 20 bilhões. Portanto, R$ 10 bilhões pereceram no veneno das palavras de Amaral. A questão, agora, é o futuro. Qual será o destino do BTG Pactual e o papel de Esteves no banco que fundou? Na quarta-feira 27, um comunicado deixava claro que o banqueiro será apenas um conselheiro sem função executiva.

O economista Pérsio Arida permanece à frente do Conselho de Administração e os executivos Marcelo Kalim e Roberto Sallouti continuam como co-CEOs. A ênfase em declarar que Esteves está longe do comando deve-se ao fato de que ele ainda pode ameaçar a imagem do banco. Seu nome ainda foi citado nas investigações da Lava Jato envolvendo o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. O Banco Central, por dever de ofício, não permitiria a volta de Esteves a uma função executiva enquanto pairarem dúvidas sobre sua reputação ilibada – um dos pré-requisitos para os banqueiros.

Apesar de tudo o que foi dito, a dúvida sobre o verdadeiro papel de Esteves nessa nova fase do banco continua existindo. Explica-se: com uma personalidade forte, perfil centralizador e um apetite insaciável pelos negócios, segundo quem o conhece bem, o banqueiro não cabe no figurino de um simples coadjuvante. Enquanto isso, a vida no BTG Pactual prossegue com várias mudanças. Uma é a perda de analistas. Só no banco de investimentos, 30 vagas foram ceifadas, reduzindo o pessoal à metade. A área de mercado de capitais foi extinta, e cinco pessoas foram demitidas.

Outro grande impacto occoreu na política de bônus anuais por desempenho, parte essencial desse negócio. A maioria dos funcionários entra no banco como analista júnior. O perfil é uniforme: jovens até 25 anos de ambos os sexos, oriundos de famílias de classe média, e graduados em escolas de primeiríssima linha. Os “carregadores de piano”, como são chamados, varam a noite para entregar relatórios e apresentações. Enfrentam pressão, mau humor e alguns abusos de poder dos chefes, e recebem espartanos R$ 3 mil por mês. Para compensar tanta dedicação, eles contam com o bônus anual.

Um agrado que, dependendo da área e do cumprimento das metas, varia entre R$ 150 mil e R$ 300 mil. Para os que trabalham no meio da pirâmide, os salários partem de R$ 8 mil. Na média, os bônus são de R$ 550 mil. No caso dos sócios, o topo da cadeia alimentar, o bônus costuma ultrapassar a barreira dos milhões. Mas eles não o recebem integralmente. Ao receber o convite para juntar-se ao clube, o novo sócio tem de comprar ações do banco. Se não tiver o dinheiro, o BTG Pactual gentilmente empresta a quantia – cobrando juros calculados pelo CDI.

Um percentual de até 50% dos bônus anuais seguintes é usado para quitar a dívida. Neste ano, a vida ficou mais dura. Segundo a DINHEIRO apurou, o bônus encolheu 30%. O teto de R$ 300 mil para os analistas caiu para R$ 230 mil. Uma parcela de 30% foi paga em fevereiro e os 70% restantes ficaram para o quarto trimestre do ano, em data ainda não definida. “Se o cidadão não for demitido antes disso, claro”, comenta um ex-funcionário do BTG Pactual. Para os sócios, é pior ainda: não há sequer uma previsão de pagamento. O anúncio, feito em 20 de dezembro, não chegou a estragar a festa de Natal – ela já havia sido cancelada –, mas mudou uma praxe de mercado.

Em geral, o primeiro trimestre é puxado para os headhunters do setor financeiro. A época dos bônus é um período de muitas tentativas de mudar de emprego. “Insatisfação com o bônus é uma característica do setor, devido ao perfil ambicioso de quem escolhe essa indústria”, diz Vinicius Bolotnicki, sócio da consultoria Options Group. No entanto, isso está mais difícil. Economia em crise reduz o apetite das empresas. As fusões e aquisições encolheram muito. Como cada operação pode render até R$ 5 milhões ao banco envolvido, a retração fez minguar uma importante fonte de receita do mercado.

“Em dezembro vimos um descontentamento geral. Este é o quarto ano seguido sem correção nos valores”, diz Ana Carolina Guimarães, da empresa de recrutamento Robert Half. “Os descontentes ficaram onde estavam, pois o medo de perder o emprego aumentou a tolerância.” 
O BTG não é o único em crise. O Barclays está fechando seu escritório no Brasil. No Itaú BBA, um executivo conta que o bônus foi pago, em fevereiro, mas o envelope veio magrinho. “Se em anos anteriores o bônus permitia comprar um apartamento de classe média, em 2016 ele não dará para quitar o carro novo”, resmunga.

Outros bancos enxugaram seus quadros. “O nível de absorção dos profissionais demitidos é menor. A cada dez demitidos, dois são contratados”, avalia Bolotnicki. Aos que estão em busca de trabalho, os especialistas consultados pela DINHEIRO informam que os bancos médios europeus e asiáticos estão contratando. É, ao que tudo indica a leva de brasileiros será bem menor em Courchevel, reduto chique de esqui na França, esse ano. Mas ao menos resta o Valle Nevado, no Chile. Procurados pela DINHEIRO, os sócios do BTG Pactual não concederam entrevista.