O argentino Cristian Nacht, radicado no Brasil desde os anos 1950, sobe ao palco para iniciar a sua palestra e apresenta um vídeo que, em dois minutos, deve ajudar a explicar o perfil da Mills, empresa de equipamentos e máquinas, fundada por seu pai e da qual é presidente do conselho de administração desde 1998. Mas a apresentação é honesta além do usual na etiqueta do mundo corporativo. “Quando fizemos este vídeo, estávamos no auge. Há uma certa arrogância nas minhas declarações”, diz, com humor, para uma plateia de empresários durante encontro da Family Business Network, uma rede de empresas familiares, no fim de agosto, em São Paulo. “Hoje é curioso e até incômodo ver isso.”

O que levou Nacht a mudar seu ponto de vista foi a operação Lava Jato, que colocou na cadeia os presidente das maiores empreiteiras do País – quase todas clientes da Mills – e paralisou grandes obras de infraestrutura. Nem mesmo o mercado imobiliário pôde ajudar. Segundo a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias, as vendas de unidades novas caíram 13,9% no País, no primeiro semestre. Dessa forma, o faturamento da companhia que chegou a R$ 832 milhões, em 2013, caiu para R$ 576 milhões, no ano passado. O preço das ações, que havia batido nos R$ 35,78, mergulhou para R$ 2,20, em dezembro de 2015.

Mas, para entender as dificuldades da Mills, é preciso conhecer a ascensão da empresa, que atua na preparação e em serviços para a construção pesada e para o mercado imobiliário, fornecendo andaimes e máquinas até para refinarias de petróleo e plataformas offshore. A empresa esteve presente em momentos históricos do País. Participou da construção de Brasília; da cúpula da Catedral da Sé, em São Paulo; da hidrelétrica de Itaipu, no Paraná; do ginásio Maracanãzinho e da Ponte Rio-Niterói, no Rio de Janeiro. Mais recentemente, suas máquinas estiveram em dez dos 12 estádios da Copa do Mundo.

Foi nesse período, na virada para a década de 2010, que a Mills viveu o seu maior sucesso. “Levamos meio século para chegar a um valor de mercado de R$ 150 milhões, e apenas oito anos para subir para R$ 3,5 bilhões”, diz Cristian Nacht. “Era uma montanha-russa que só subia e subia. Até que chegou a hora da queda.” Se a disparada foi como um foguete, incluindo até uma abertura de capital que tornou a empresa uma das queridinhas da Bovespa entre 2010 e 2013, a derrocada foi muito mais fulminante. A partir de 2015, os equipamentos alugados pela Mills, começaram a ser devolvidos. Muitos voltavam de surpresa, devido a cancelamentos de obras.

Hoje, mais de metade desses ativos está nos estoques, aumentando os custos logísticos. Suas 6 mil máquinas para locação, como plataformas aéreas, e deixaram de ser fonte de receita e passaram a trazer despesas. “Fazíamos análises com cenários bom, realista, ruim, péssimo e terrível. O resultado vinha pior que a previsão terrível”, diz Tomas Nacht, filho de Cristian. Momentos extremos exigem medidas extremas. Para conter a sangria, a Mills precisou tomar decisões difíceis, que só puderam se tornar consenso porque, a partir de 2011, os Nacht decidiram formar dois conselhos, um familiar e outro de acionistas da família.

Essas duas instâncias ajudam a definir as prioridades dos controladores. Os Nacht possuem 34% das ações e dois assentos no conselho de administração. “Esses comitês definem a visão da família e acabam sendo até mais importantes que os conselhos de administração, que possuem mais visibilidade”, diz Wagner Teixeira, sócio da consultoria Höft, especializada em empresas familiares, e que chama esses mecanismos de governança invisível. “Ainda bem que a crise chegou quando já estávamos estruturados”, diz Antonia Nacht, a filha de Cristian que foi bailarina e hoje preside o conselho da família.

“Passamos pelo momento de aprendizado, agora nos conhecemos melhor e sabemos que temos personalidades fortes e perfis distintos, mas travamos a guerra pela sobrevivência da empresa de dentro da família para fora. Não entramos em guerra entre nós.” A estratégia de salvação da Mills foi apelidada de “Guerra de 2015 a 2016”, que já precisou ser rebatizada de “Guerra de 2015 a 2017”, devido ao prolongamento da crise. Desde o ano passado, a empresa demitiu mais de 800 pessoas e trocou quase todo o corpo executivo, em busca de gestores com perfil de recuperar empresas.

O time de 10 diretores foi reduzido para 5 pessoas. A Mills ainda vendeu a unidade de serviços industriais, para um fundo gerido pela Leblon Equities Gestão de Recursos, por R$ 102 milhões. “Precisamos encaixar o esqueleto no armário”, afirma Cristian. “Mas o armário, que é o setor, não parava de diminuir de tamanho. Cortamos as gorduras, depois a carne e agora chegamos no osso.” Com os prejuízos dos últimos dois anos, os familiares ficarão sem dividendos por, pelo menos, três anos. “Depois do IPO, pela primeira vez, a família teve liquidez, e isso mudou o nosso padrão de vida.

Optamos, por exemplo, por colocar os filhos em escolas melhores”, diz Antonia. “Agora, precisamos voltar a um padrão de cinco anos atrás.” Por sorte, em 2013, um amigo sugeriu a Cristian que vendesse parte das ações, e ele negociou 3% do controle, quando elas valiam R$ 26. Isso garantiu fôlego à família. Em fevereiro deste ano, os Nacht decidiram fazer um aumento de capital de R$ 125 milhões para dar segurança aos negócios. A família entrou com R$ 40 milhões. As ações subiram, desde então, e valem R$ 5. “Em retrospecto, tomamos a decisão certa”, diz Tomas.

A Mills podia sofrer um processo de liquidação, já que ela precisava honrar debêntures emitidas, e o dinheiro secava. Também, com o baixo valor das ações, estava exposta a uma aquisição hostil de controle. O caixa atual, de R$ 350 milhões, tranquiliza. “Eu não preciso me preocupar em tomar decisões por problemas de caixa, e vender negócios que serão rentáveis no futuro”, afirma Sergio Kariya, CEO desde janeiro de 2015. Cristian Nacht diz que uma das lições do seu pai era ter sempre um cofre forte. “Quando éramos jovens, a família chegou a dar para o meu pai uma camiseta escrita ‘felicidade é um fluxo de caixa positivo”, diz, rindo da ironia. “A crise serviu, pelo menos, para ser menos arrogante, e não achar que nasci para ser bem sucedido.”