23/09/2016 - 20:00
Aos 57 anos, o executivo Wilson Ferreira Jr. aceitou o maior desafio de sua carreira: recuperar a principal empresa de energia elétrica da América Latina. O engenheiro elétrico, que presidiu a distribuidora paulista CPFL de 2002 a junho deste ano, explica quais são os desafios que ele se deparou desde que assumiu a presidência da Eletrobras, em 26 de julho. Confira, abaixo, a íntegra da entrevista à DINHEIRO:
Qual é o risco de faltar energia se a economia voltar a crescer a partir de 2017?
Mesmo se o Brasil crescer muito em 2017 e 2018, o risco de apagão é nenhum. Por que não tem risco? A Eletrobras vai contribuir com uma parcela importante do que ela tem em investimentos, que são os principais empreendimentos de geração: Santo Antonio, Jirau, Teles Pires, Sinop, São Manoel e Belo Monte. Todos estão no cronograma e Santo Antonio e Jirau serão concluídos neste ano. A partir de agora, vamos fazer um esforço grande, que não é impossível, nas nossas linhas de transmissão. No que depender da Eletrobras, o tema do risco de desabastecimento de energia será mitigado com obra. Neste caso, a sorte é poder concluí-las. Estamos gerenciando os atrasos e tentando dar prioridade à conclusão do conjunto de linhas que podem trazer mais energia.
Como está o processo de indenização de R$ 17 bilhões que a Eletrobras está para receber, pela mudança nos contratos de concessão? Esse recurso vai ajudar na redução da dívida líquida de R$ 18,3 bilhões?
A companhia perdeu 40% do patrimônio líquido nos últimos três anos e meio, com os prejuízos dela. Essa indenização repõe metade dessas perdas. A outra metade nós vamos ter de fazer exatamente com aumento de eficiência e desmobilização de ativos. Sem dúvida nenhuma, a indenização vai ser muito importante. Já reconheci no balanço do 2º trimestre, que anunciamos no dia 15 de agosto. Ela vai ocorrer a partir de julho do ano que vem, em oito anos. Tenho tratado disso internamente, como ele ingressa pela tarifa, não pode ser confundido com mais uma receita da companhia. É uma receita importante para fazer frente à diminuição da dívida, até porque parte dela foi constituída pela não-indenização ou pelo atraso da indenização. Mas, certamente, a prioridade é pagamento de dívida, investimento e expansão da companhia em condições competitivas.
Como conseguir esse equilíbrio?
Esse é outro desafio que temos. A companhia, no passado, se envolveu com investimentos cuja perspectiva de remuneração era muito baixa ou questionada pelo mercado. Ao longo do tempo, com a realidade dos investimentos acontecendo, tivemos atrasos de obras que, no caso de energia, são muito custosos. Uma orientação também foi no sentido de eliminar as inadimplências. Há cerca de 10 dias, tivemos uma capitalização próxima de R$ 1 bilhão na companhia, exatamente para colocar as contas em dia, com os parceiros de investimento ou com alguns fornecedores. O objetivo é que a companhia zere esses processos e possa caminhar sem esse tipo de ônus. Boa parte do prêmio que se dá para companhias de boa governança se deve à percepção de boa gestão. E isso certamente não permite espaço para processos de inadimplência.
Como está o processo interno de investigação para que as ações possam voltar a ser negociadas na bolsa de Nova York?
Os relatórios estão sendo entregues para nós e estamos interagindo diretamente com o nosso auditor, desde o começo de setembro, para fazer o reconhecimento nos balanços de 2014 e 2015. Aqui, o ponto importante é que a empresa foi muito prudente no sentido dos reconhecimentos dos impairments (prejuízos), pois os principais lançamentos já foram feitos. Óbvio que não posso adiantar, até porque não tenho todos os resultados das investigações aqui. Mas se trata de aprofundar em cima do impairment pois não há necessariamente, neste momento, valores extraordinários. O caso de Angra, por exemplo, praticamente todo o ativo já foi baixado. Estamos trabalhando com os auditores para que o conjunto dos achados seja reconhecido em balanço e para que a gente apresente isso até o dia 11 de outubro. Estou bastante otimista que vamos conseguir.
O que aconteceu com a usina de Angra III foi a coisa mais esdrúxula que o senhor encontrou na Eletrobras?
Veja, é uma pena o negócio de Angra. Estamos falando da maior empresa de geração nuclear da América Latina, um investimento de grande porte e com uma importância relevante para o Brasil. Ter parado pelo motivo que parou, e pela forma que parou, é acima de tudo uma tristeza. Além das providências que foram tomadas em relação aos responsáveis e aos fornecedores, e todas elas foram tomadas, com a paralisação dos contratos e a demissão dos envolvidos, obviamente que temos de trabalhar no sentido de avaliar as condições para possamos, em algum momento, retomar essas obras. Então, contratamos consultores, que estão nos apoiando, para levar uma proposta ao Conselho Nacional de Política Energética até o final deste ano. Isso está em curso.
O mercado especula sobre a venda parcial ou total de Furnas, o principal ativo da companhia. Não faz mais sentido se desfazer dos negócios em que a empresa tem participação minoritária?
Certamente isso vale muito mais a pena, porque se eu vender a minha operação, fico sem receita. Mas olhando os ativos que temos uma participação minoritária e o sócio tenha mais interesse, podemos vender. Vários já manifestaram esse interesse. Esse tipo de situação está acontecendo e, agora, vamos levá-las de forma estruturada ao conselho de administração para estabelecer a estratégia de desmobilização.
Somente a venda de ativos interessa, neste momento?
Não, o processo de eficiência tem de envolver todas as linhas do balanço. Temos mais facilidade de mexer nos nossos ativos imobiliários. Em Brasília, por exemplo, temos prédio alugado para a Eletrobras, para Furnas, para a Eletronorte e mais algumas salas para a Eletronuclear. Determinamos que, até dezembro, todos vão ser unificados no prédio da Eletronorte, para eliminar uma quantidade enorme de aluguéis. A mesma coisa acontecerá no Rio de Janeiro. Em novembro vou compartilhar o prazo que isso vai ocorrer e os resultados esperados. Há um conjunto de ineficiência da forma como operamos descentralizados, que vamos remover muito rapidamente.
Nesses dois meses, quais os desafios e dificuldades?
Entrei no dia 26 de julho. Acho que dificuldade é o que mais tem aqui. Tem um tema ligado à geração de caixa, para fazer frente ao plano de investimento muito ousado, com um conjunto de inadimplências que foram deixadas, especialmente neste ano. Esse é um problema importante. O segundo é a necessidade de concluir as obras, para dar um alívio quando, de fato, elas terminarem. Isso significará menos investimento para fazer e cessará a necessidade de caixa, dando início à produção de resultado para a companhia. Um terceiro importante é o registro dos balanços de 2014 e 2015 na bolsa de Nova York. Além disso tudo, dar consciência às pessoas da companhia que temos uma chance de virar esse jogo. Mas não vamos virar sem aumentar a eficiência da Eletrobras para ser um player melhor. Nós já somos o maior e temos a obrigação de ser o melhor.
O que é preciso fazer nesse sentido?
Tem um conjunto de ações para, de fato, aumentar essa eficiência da empresa. Um tema importante é a relação dívida x ebtida (geração de caixa). A companhia, no passado, tomou um conjunto de financiamentos para fazer frente às obras e agora está chegando num momento complicado. O presidente da Petrobras, Pedro Parente, reclama que está com quase 5 vezes. Eu estou com mais de 8x. Evidentemente que a nossa situação, para que a gente faça frente a isso, é seguir para além da eficiência. É desmobilizar ativos, também. O objetivo é criar uma empresa estável e sustentável até 2018. A Eletrobras tem um papel importante a desempenhar, pois é a maior de geração e transmissão da América Latina. Não existe nenhuma outra igual a ela. É, também, a maior empresa latino americana de geração de energia nuclear. Já temos um papel importante a desempenhar por todo o tamanho que temos. Agora, vamos ter esse papel de forma estável, até para continuar crescendo.
Como está a arbitragem dos sócios de Belo Monte contra a Eletrobras?
Acho que tivemos uma relação com os sócios que, a partir do momento em que as inadimplências se verificaram, elas se agravam. Daí a importância de a gente ter estabelecido, em todas as nossas parcerias, uma relação não só de adimplência, mas de confiança. Conversa com os franceses da Sinop e veja lá a contribuição que demos. Estamos absolutamente adimplentes com eles e isso foi importante para o cumprimento do financiamento do BNDES, que já está liberado e resolvido. Na terça-feira 21, concluíamos o pagamento da inadimplência que a Chesf tinha em Belo Monte. O grupo Eletrobras, ou seja, a holding, a Chesf e a Eletronorte, está adimplente. Eu diria que a melhor coisa que podemos fazer é reestabelecer uma relação de confiança com os nossos sócios, para concluir o empreendimento. Não tenho dúvida que a solução disso é negociada entre os sócios. A arbitragem é um instrumento que acaba diagnosticando uma relação não adequada entre os sócios de um projeto muito grande e que deveria ser tratada em negociação, com razoabilidade. Não quero culpar o passado, mas não tenho dúvida que a solução disso é negociada entre os sócios. E estamos implantando uma postura de respeito para reestabelecer relações de confiança em todos os níveis. Os parceiros têm melhor condição de estabelecer o que é melhor para eles, ao invés de ficar administrando e pagando advogados.
Isso encerra a arbitragem?
Não encerra a arbitragem nesse momento, porque a decisão é recente. Mas já estamos conversando sobre como encaminhar esse tema, também. Tenho a vantagem de ser do setor e conhecer boa parte das pessoas, o que facilita nessa percepção de mudança da Eletrobras, que não pode ser só pelo resultado financeiro. É pela capacidade de relacionamento saudável e razoável.
A Eletrobras já redescobriu sua identidade?
Sim, a empresa sabe exatamente o que quer fazer, que é geração e transmissão de energia. Já sabe, também, o desafio dela, que é aumentar a eficiência. E sabe que, até conseguir isso, terá de reduzir o seu endividamento, que para o momento brasileiro é uma dívida cara, via desmobilização de alguns ativos.
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