27/11/2015 - 20:00
De um lado, a dona do Viagra, a pílula azul que revolucionou o sexo e chega a render US$ 457 milhões por ano aos cofres da empresa. Do outro, a fabricante do Botox, marca que se tornou referência em rejuvenescimento facial, superando a marca de US$ 2 bilhões em vendas no ano passado. Na segunda-feira 23, a americana Pfizer e a irlandesa Allergan anunciaram oficialmente que não serão mais concorrentes, mas sim uma única companhia, a maior farmacêutica do mundo, com um faturamento combinado de US$ 63,5 bilhões.
A Pfizer, que já vinha demonstrando interesse em expandir-se para novas áreas, encontrou na Allergan a companheira ideal. Enquanto a Pfizer se destaca no segmento de vacinas e de medicamentos cardiovasculares e oncológicos, a Allergan é forte em dermatologia e tratamentos oftalmológicos. “São duas grandes empresas que se complementam em áreas terapêuticas”, disse o CEO da Pfizer, Ian Read, em conferência com analistas. A previsão do executivo, que irá liderar a nova companhia, é de que o casamento seja consumado até o final de 2016.
O curioso é que os planos já preveem uma separação: até 2018, a nova empresa, que se chamará Pfizer PLC, deverá ser dividida em duas companhias, uma voltada para medicamentos já estabelecidos e a outra dedicada à inovação. O caminho até lá não será fácil. Apesar de fazer sentido do ponto de vista estratégico, a união envolveu uma manobra fiscal que está na mira do governo há tempos. Conhecida como “inversão”, a tática permite que uma empresa americana migre sua sede para outro país, com impostos menores.
A fusão das duas farmacêuticas foi desenhada nesse sentido. Todos sabem que a Pfizer está comprando a Allergan por US$ 160 bilhões, mas oficialmente é a pequena Allergan quem está adquirindo a Pfizer, apenas para garantir que o endereço da nova companhia seja registrado em Dublin (a prática é tão comum que até mesmo a Allergan, que tem sede na Irlanda, na prática é administrada de New Jersey). Enquanto nos Estados Unidos as companhias são obrigadas a pagar um imposto corporativo de 25%, na Irlanda esse valor é de 18%, o que deve gerar uma economia de US$ 20 bilhões à Pfizer em um período de dez anos.
Ganho para o laboratório e perda para o Tesouro americano. A Pfizer não é a primeira a se beneficiar da manobra, mas o tamanho da operação (a terceira maior fusão da história americana, atrás apenas de Time Warner/AOL e Manesmann/Vodafone), fez acender o sinal vermelho, não apenas no governo, mas também no Congresso – a ponto de Democratas e Republicanos assinarem juntos uma mensagem condenando a fusão. A intenção dos parlamentares é acelerar a discussão de um projeto de lei, de 2012, que dificulta a inversão fiscal e, quem sabe, conseguir minar a operação.
“Estamos entrando em ano eleitoral e esse assunto está no centro dos debates. Eu diria que o negócio para as empresas é ótimo, mas o timing é péssimo”, diz à DINHEIRO David Amsellen, analista da Piper Jaffray & Co. “O risco de o negócio ser cancelado é baixo, mas o simples fato de o risco existir é o suficiente para afugentar alguns investidores”. Caso o obstáculo fiscal seja ultrapassado, a operação terá ainda de passar pelo crivo de autoridades antitruste, não apenas nos Estados Unidos, como em outros mercados onde as empresas atuam, entre eles o Brasil.
Em comunicado, o Cade informou que não comenta operações até que o edital referente ao ato seja publicado no Diário Oficial da União, mas especialistas consultados pela reportagem não veem risco de concentração, já que Pfizer e Allergan atuam majoritariamente em segmentos diferentes. Os concorrentes, no entanto, estão atentos. “A fusão de dois gigantes pode desencadear um processo de consolidação pelo mundo”, diz Paulo Nigro, presidente do laboratório brasileiro Aché – uma das empresas mais cortejadas do setor. Quem sabe agora ela considera um pedido de casamento.