Uma lousa branca posicionada próxima a duas pinturas do mestre russo Marc Chagall, no apartamento do médico-cirurgião Edson de Godoy Bueno, em São Paulo, apresenta algumas palavras e setas soltas. Escritas e desenhadas pelo maior empresário do setor de saúde do Brasil, fundador da operadora de planos médicos Amil e maior acionista da rede de laboratórios de diagnósticos Dasa, as inscrições começam com “treinamento – USA”. O interlocutor que perguntar o significado delas saberá o que tem passado pela cabeça de Bueno nos últimos tempos: sua preparação para exercer uma posição no conselho de administração da americana UnitedHealth Group, que comprou o controle da Amil em uma transação avaliada em R$ 10 bilhões, em outubro deste ano. 

 

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“A minha motivação nunca foi dinheiro, mas entendo do assunto e gosto de empreender”

 

Para a sua nova empreitada, o empresário planeja leituras e aulas reforçadas de inglês. “Já melhorei, mas ainda não falo bem”, diz Bueno. Em fevereiro, ele participará de sua primeira reunião do conselho de administração da UnitedHealth, um colosso que fatura US$ 102 bilhões anualmente e uma das 70 maiores companhias do mundo. Até lá, Bueno pretende ter avançado bastante, mas sabe que ruma a um projeto de longo prazo. “Não dá para comer um elefante em um dia, mas cortado em bifes você chega lá”, diz, demonstrando a capacidade reconhecida por seus pares de falar de forma simples, sem cair no simplismo, sobre temas de gestão e de negócios. “Vou estudar à beça.” 

 

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Novo dono: Stephen Hemsley, CEO da UnitedHealth, concordou em pagar R$ 10 bilhões pela Amil

e pretende aproveitar o potencial de expansão do setor de saúde no Brasil 

 

Conferindo os detalhes da transação que resultou na venda da Amil para a UnitedHealth, porém, tem-se a impressão de que Bueno engoliu um elefante de uma vez só. Ao vender a empresa que fundou em 1978, o empreendedor realizou a maior transação do setor privado brasileiro neste ano. A UnitedHealth aceitou pagar R$ 6,5 bilhões por 60% das ações da holding Amilpar que pertenciam a Bueno e a sua ex-esposa, Dulce Pugliese, além de fazer uma oferta pública para comprar os 30% que estão nas mãos de acionistas minoritários. Há ainda o compromisso de Bueno e de Dulce de manter 10% dos papéis pelos próximos cinco anos. Por esse período, o empresário brasileiro permanecerá na presidência da Amil e começará a preparar sua sucessão. Mas não é só. 

 

Pelo acordo, Bueno assumiu 0,9% das ações da UnitedHealth, o que garantiu a ele a posição de maior acionista individual e o assento no conselho da companhia americana. Por essas razões, Bueno foi escolhido o EMPREENDE­DOR DO ANO EM SERVIÇOS pela revista DINHEIRO. Não foi fácil, no entanto, para a UnitedHealth convencer o hábil negociador a vender a Amil. Por três anos, seus executivos tentaram abordar o brasileiro. “Não queria nem conversar com eles”, afirma Bueno. Em agosto deste ano, ele começou a mudar de ideia, estimulado por um aumento no valor da proposta feita por Stephen Hemsley, CEO da companhia americana. 

 

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“Quando assinei a venda da Amil, era o cara mais feliz do mundo”

 

“Seria mais prático ficar do jeito que estava, podendo decidir tudo na minha empresa, mas a sociedade com a UnitedHealth tornaria a Amil global e me permitiria trazer as melhores tecnologias do setor para o Brasil”, afirma. “Seria muito egoísmo rejeitar isso: tenho 69 anos e quero fazer uma empresa para durar e que seja útil para a sociedade.” Quando percebeu estar convencido de que deveria fechar o negócio, Bueno deixou o trabalho chorando. “No dia seguinte estava melhor”, relembra o empresário. “Quando assinei a venda, era o cara mais feliz do mundo.” Com a sua figura de 1,88 metro, gestos expansivos e fala alta que revela o sotaque caipira cultivado na pequena Guarantã, próxima a Bauru (SP), o médico é querido no meio empresarial. 

 

“Ele é uma unanimidade, por saber se relacionar com todos e conversar muito bem”, diz Laércio Cosentino, presidente da empresa de software Totvs, e que mora no mesmo prédio de Bueno, um dos mais luxuosos da região dos Jardins, em São Paulo. O sócio-fundador da construtora Even e da Têxtil Matec, Luis Terepins, conheceu Bueno dos dois lados da mesa de negociações. Primeiramente, como ex-presidente do conselho de administração da Dasa, foi o principal incentivador da fusão da maior empresa de diagnósticos brasileira com a MD1, de Bueno, em 2010. Com o negócio, Bueno e sua ex-mulher ficaram com uma fatia de 26% da Dasa. Depois, Terepins contou com Bueno ao seu lado para definir estratégias do laboratório. 

 

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Bom de negócio: Bueno, no dia 8 de outubro, quando anunciou a venda da Amil, que garantiu

a ele e a sua ex-esposa a quantia de R$ 6,5 bilhões 

 

“Ele é um negociador duro, mas faz tudo de forma clara e competente”, afirma Terepins. Bueno também é conhecido por cumprimentar as pessoas com abraços e beijos efusivos. “Edson é o rei das histórias”, diz Marco Stefanini, fundador da consultoria de tecnologia Stefanini. “Não só porque tem muitas, mas também por saber contá-las muito bem.” E não faltam boas histórias da trajetória de Bueno: do menino pobre que fazia bicos de engraxate e que perdeu o pai aos cinco anos de idade ao empreendedor de sucesso. Quando resolveu ser médico, ninguém acreditava nele. Afinal, ele havia sido reprovado por quatro vezes na escola. “Até a minha mãe, que sempre me motivou, falou que eu não conseguiria”, lembra. 

 

Ele não só conseguiu se formar médico, como acabou estudando na Harvard Business School, dos EUA – a despeito de sua pouca fluência no inglês. Com o passar do tempo, transformou-se em um leitor voraz de livros de gestão, a ponto de fazer amizades com gurus da área. Quando esteve no Brasil em novembro, para uma palestra, o escritor americano Michael Porter, um dos mais renomados pesquisadores em gestão e competição, aproveitou para passar um fim de semana em sua mansão em Búzios, no litoral do Rio de Janeiro. É lá onde o médico costuma receber empresários amigos, e com quem negocia. Mas o sucesso de Bueno diz mais sobre a sua capacidade de realização do que sobre seus dotes como estudante. 

 

A empresa criada a partir de uma clínica falida agora é parte do maior grupo global de saúde, com o empresário brasileiro como o seu maior acionista individual.

 

A carreira de empresário começou quando assumiu, na década de 1970, uma clínica endividada, à beira da falência, em Duque de Caxias, uma das regiões mais pobres da Baixada Fluminense, e a transformou num negócio rentável. Em sete anos, o negócio se transformaria na Amil. Três décadas depois, levou a empresa à Bovespa, convencido por José Isaac Peres, dono da empresa de shopping centers Multiplan. Captou R$ 1,2 bilhão e saiu às compras, adquirindo as rivais Blue Life e Medial Saúde. Com isso, transformou-se no principal consolidador do setor de saúde brasileira, uma área ainda cheia de potencial. 

 

Mesmo com a expansão do trabalho formal e da classe média emergente nos últimos anos, apenas 25% da população brasileira conta com planos de saúde. Nos Estados Unidos, são 78%. Adequar as operações a um mercado cada vez mais pressionado pela Agência Nacional de Saúde, que tem bloqueado as vendas de planos de empresas com problemas, será só um dos desafios de Bueno. Ele dá a entender que ainda tem fôlego por muitos anos antes de preparar a sua aposentadoria. “A minha principal motivação nunca foi dinheiro”, afirma Bueno. “Mas eu entendo de dinheiro e gosto de realizar, então faço coisas que dão caixa, porque o lucro está para a sobrevivência da empresa como a seiva para a das árvores.”