Em praticamente todo discurso o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva diz que 2023 será um ano difícil. Ele sabe o que o espera. Mas pior que uma tempestade já prevista é uma chuva que te pega antes de se comprar o guarda-chuva. E é esse o cenário do Brasil atual. Se em um primeiro momento esperava-se uma desaceleração em 2023, agora ficou mais claro que a economia já entrou no quarto trimestre patinando.

E ainda que alguns setores tenham conseguido mostrar resiliência e ajudem a amortecer o tombo de outros, o fato é que enquanto Lula governa de modo virtual posando de chefe de Estado pelo mundo e Bolsonaro segue acantonado no Palácio da Alvorada, a economia desanda, e mais cedo do que se esperava. É o risco de termos um presidente eleito, mas sem caneta, e um presidente em exercício, mas sem papel.

“Há um ponto cego no comando do Brasil”, afirmou Gustavo di Macedo, que foi auditor fiscal do Tesouro Nacional até 2016 e hoje é consultor de finanças e Orçamento do Senado Federal. “Temos um presidente eleito por pouco mais da metade da população e um presidente em exercício que deixa o cargo amedrontado e encolhido, mas apoiado por pessoas que, más perdedoras, não conseguem aceitar o curso democrático.”

FLUXO MELHOR Ainda que o varejo sinta uma retomada das vendas, ela não deve se sustentar no início de 2023. (Crédito:Istock)

E isso resultou em uma experiência inédita. Em anos anteriores, o período que sucede o pleito é marcado por uma sensação de confiança que estimula a economia, mas não desta vez. O meio empresarial segue tão dividido quanto à sociedade civil e, na incerteza, a decisão é sentar no caixa e não ampliar operação. Isso significa que, nos próximos meses, companhias de todos os portes e áreas se manterão conservadoras em seus planos de investimentos, o que desacelera a economia de agora e arranha a do amanhã. Dois empresários consultados pela reportagem, um empreiteiro e um varejista, confirmaram o pé no freio. “Vamos focar em comprar terrenos, mas não lançaremos nada até o fim do primeiro trimestre”, disse o construtor, em condição de anonimato.

O varejista, por sua vez, já reduziu em agosto as encomendas da indústria. “Teremos Copa e Natal colados. Duas datas boas para vendas se tornaram uma, por isso compramos metade do tradicional”, disse ele. A aquisição de produtos chineses, que em outros anos somava 65% das vendas de itens de decoração para os dois eventos, foi reduzida em 40%. “O dólar, as incertezas mundiais e os atrasos nos fizeram tomar essa decisão”, disse.

NA PRÁTICA A sensação do empresariado é ratificada por números. O Itaú, por exemplo, reportou que o pico da atividade econômica em 2022 se deu em maio. Em outubro a movimentação já havia caído 7,35%. O indicador tem como base os gastos dos clientes do banco com cartões, para captar o nível de atividade diária no País. Segundo Natália Cotarelli, economista do Itaú, o tombo maior foi no setor de bens (-8%) e depois no de serviços (-7,3%).

Em recortes nacionais o momento também não é dos melhores. O IBGE, por exemplo, apontou queda de 0,7% na produção em setembro. Os outros indicadores (comércio +1% e serviços +1,1%) tendem a entrar em desaceleração depois da indústria. Gustavo di Macedo explica: “Esperávamos que o primeiro sinal de enfraquecimento viesse da indústria em dezembro, um mês de tradicional enfraquecimento”, disse. Depois, o efeito cascata iria para as vendas no varejo e, por último, em serviços. “Com essa antecipação é possível que o comércio entre desacelerado em janeiro.” Para os serviços, os impactos também começam no primeiro trimestre.

8% foi a queda na indústria de bens duráveis entre maio e outubro deste ano

7,35% queda no índice de atividade econômica em outubro medido pelo itaú a partir das transações de toda a base de clientes

3,3 pontos foi a queda no indicador de confiança dos empresário

Indicadores antecedentes também revelam um cenário de deterioração para os próximos meses no Brasil. A confiança dos empresários dos setores de serviços, comércio, indústria e construção retrocedeu 3,3 pontos em outubro, de acordo com a Fundação Getulio Vargas (FGV). Por segmento, o recuo foi maior no comércio e na indústria.

A boa notícia vem do agronegócio. O setor já exportou, até outubro de 2022, 12% a mais que em todo o ano de 2021, e com o câmbio bom para exportar há um incremento importante na atividade. Em cifras, as vendas já renderam US$ 140 bilhões. O resultado deverá ajudar a previsão de crescimento do PIB entre 0,4% e 0,6% no quarto trimestre como estimam corretoras e o governo federal. De pedra no sapato, só alguns fatores externos, como o lockdown na China.

Para o restante dos empresários a expectativa é que haja retomada no segundo semestre de 2023, quando o Banco Central pode voltar a reduzir os juros. Natália Cotarelli, do Itaú, diz trabalhar com a ideia de um PIB fraco ano que vem. “Não falaria em recessão, mas a economia estará quase parada.” A diferença para o próximo ano, talvez, resida na existência de um presidente que realmente ocupe seus espaços e suas funções.