Política das Campeãs Nacionais? Erro crasso. Milhões de reais em perdão e renegociação de dívidas com o Estado para grandes empresas? Um incentivo aos maus pagadores. Crédito do BNDES com juros próximos de zero? Uma mão amiga para poucos. Essa é a realidade do Brasil e sua íntima relação com megaempresários desde os tempos da monarquia. E mesmo depois do fim do Império os amigos da realeza continuaram a circular os donos do poder (sejam civis ou militares). Empreiteiras, empresas agrícolas, de transporte, mineradoras e indústrias levaram vantagens em todos os governos. Sem exceção. Para o enorme contingente de brasileiros que arriscava empreender (mas sem ser amigo do presidente) o tratamento do governo sempre foi o mesmo que em abril de 2021 o então ministro da Economia Paulo Guedes externou durante reunião que teve seu conteúdo divulgado pelo STF. “Nós vamos ganhar dinheiro usando recursos públicos pra salvar grandes companhias. Agora, nós vamos perder dinheiro salvando empresas pequenininhas”.

E é possível que jogar luz a esse comportamento crônico dos governos tenha sido a maior contribuição de Guedes em quatro anos. Ela reflete como o empreendedor se sente quando tenta se encaixar às mais de 4,6 mil normas, exigências, leis e decretos em vigência. E se esse empresário (contrariando as estatísticas da taxa de mortalidade corporativa, da desaceleração econômica, do isolamento social e da falta de suporte de governos municipais, estaduais e federal) ainda está de pé, ele deveria ser enaltecido. Ao término de 2022 o Brasil tinha 20,6 milhões de empresários de menor porte, o equivalente à população de Portugal, Suíça e Irlanda somada. Isso significa que 99% das empresas brasileiras são de pequeno porte. Elas respondem por 30% do PIB e somam 72% dos empregos. Delas também dependem os cofres públicos. Em escala estadual a fatia de impostos pagos por esse perfil de empresário pode chegar a 70% do total arrecadado.

Mas se eles já vão bem sem incentivo, por que os governos deveriam ajudá-los? Há no mundo contemporâneo dois movimentos econômicos relevantes em curso: o incentivo ao pequeno negócio (aquele de bairro) e a simplificação da burocracia empresarial para estimular novos negócios. Os motivos passam pela qualidade de vida (proximidade com o trabalho, por exemplo) e a busca por um crescimento mais pulverizado da economia. As empresas pequenas também são capazes de dar mais dinamismo na economia com variação de preço, já estão em regiões mais afastadas, além de buscar fornecedores diferentes para dinamizar a cadeia. Mas para isso ela precisa ter incentivos, e aí entra o governo. Capacitação, crédito facilitação tributária, e melhores condições para entrar em leilões são imperativas. E se há um novo rei no Palácio do Planalto é hora de cobrar. Segundo o Sebrae, em 2022, 61% dos empresários de menor porte só conseguiram crédito por meio de sua pessoa física. E para contonar isso Lula precisa usar mais o Banco do Brasil e a Caixa, além de bancos estaduais para liberar recursos. Ao BNDES tem que caber a responsabilidade de investir em empresas de todos os portes desde que possua um caráter disruptivo, de pesquisa ou inovação. As iniciativas que lidem com biodiversidade ou energia limpa, independentemente do tamanho, devem alcançadas pelo banco.

Outro gargalo que Lula precisa resolver é por meio da simplificação tributária com a criação de um imposto único. Para reduzir a burocracia (abrir ou fechar empresa, mudar o capital social, ou o enquadramento da atividade) novos decretos já deveriam estar no forno. Se Lula for esperto, ele pode ter em seu terceiro reinado milhões de colegas no empresariado, em vez de poucos magnatas de profunda estimação. É o melhor jeito de ativar a economia e se manter longe dos holofotes da Justiça.

Paula Cristina é editora de Economia da DINHEIRO