17/06/2016 - 20:00
O executivo Fernando Fernandez comanda as operações brasileiras da Unilever, uma das maiores empresas de bens de consumo do mundo, dona de marcas como Omo, Dove, Hellmann’s, e de um faturamento global de € 53,2 bilhões no ano passado. Apesar da imensa responsabilidade inerente a uma posição como essa, Fernandez se considera “um cara normal”.
“Tenho meu time de futebol, faço esportes, tenho mulher e filha, meus pais morando na Argentina e tem muita coisa na minha vida que vai além da Unilever”, diz o executivo. Para ele, é preciso mudar a imagem de que, para ter sucesso profissional, deve-se sacrificar sua vida pessoal. “Tendo uma vida balanceada e sendo relativamente capaz, você pode crescer em uma companhia como esta, com 14 mil funcionários no Brasil”, afirma. A mudança de visão se deve a um posicionamento estratégico da empresa, que busca reduzir as diferenças entre homens e mulheres no ambiente corporativo. A proporção entre os dois sexos em cargos de liderança na Unilever, por exemplo, já é de meio a meio. As mães também recebem seis meses de licença maternidade, medida considerada econômica por Fernandez. “Se eu não forneço a infraestrutura necessária para que as mulheres se desenvolvam, não tenho o retorno desse talento”, diz o presidente. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
DINHEIRO – Há uma pressão maior, em cima das empresas, por uma atuação mais responsável em relação a questões como a diversidade e os direitos das mulheres. Como isso impacta o negócio da Unilever?
Fernando Fernandez – Estamos em uma época de maior transparência. O mundo digital transformou totalmente a forma como as pessoas se relacionam e veem as coisas. Para qualquer companhia, é fundamental mostrar à sociedade o que ela faz. Especificamente, a questão da igualdade de gênero é muito importante para a formação das nossas marcas. Não só do ponto de vista ético e moral, mas também do lado econômico. As mulheres representam 50% dos nossos funcionários. Se eu não forneço a infraestrutura necessária para que se desenvolvam, não tenho o retorno desse talento. É meu papel, como líder, garantir que essa infraestrutura exista dentro da empresa.
DINHEIRO – A Unilever atua em muitas áreas que falam com o universo feminino, como beleza e maternidade. Como essas questões se refletem no desenvolvimento desses produtos?
Fernandez – São refletidas não só no desenvolvimento das linhas, mas também na forma como as marcas se comunicam com os consumidores. Pegue a Dove, por exemplo, que está totalmente ancorada no conceito de autoestima feminina. A Brilhante (de sabão em pó) é a que mais cresce na companhia e está baseada na ideia de que as mulheres devem progredir e brilhar. Acredito que as marcas que terão sucesso no futuro são as que possuem uma missão social clara e mostram isso ao consumidor. O mesmo vale para as marcas masculinas. A Axe, nós admitimos, era uma marca que olhava a mulher de um ponto de vista que não gostamos atualmente. As campanhas atuais, definitivamente, enxergam homens e mulheres de uma posição completamente diferente. Estamos fazendo isso com todas as nossas unidades de negócios.
DINHEIRO – Adicionar tecnologia aos produtos também é uma forma de gerar mais poder às mulheres?
Fernandez – Absolutamente. Hoje, existe um percentual importantíssimo de mulheres no mercado de trabalho, o que impacta diretamente uma companhia como a Unilever, cujos consumidores são quase 80% do público feminino. Não só a mulher passa menos tempo dentro de casa, como a demanda por produtos para uso fora, como os de beleza, é muito mais alta. Itens que facilitem a vida doméstica e façam as mulheres se sentirem emocionalmente melhores e mais confiantes têm um valor muito importante. Investimos muito para garantir que essa expectativa seja, de fato, entregue.
DINHEIRO – A Unilever oferece seis meses de licença maternidade para as mulheres. O sr. alega que, na ponta do lápis, sai mais barato conceder o benefício do que, eventualmente, perder a funcionária. Por que as empresas não fazem essa conta?
Fernandez – Eu acho que o ‘curtoprazismo’ domina sobre o que é correto fazer, no longo prazo. Muitas vezes, empresas acabam fazendo o que é incorreto, porém fácil, e não o que é correto, porém difícil. Considerando uma mulher que tem dois filhos, por exemplo, numa carreira de 10, 15 anos em uma empresa, tirar 12 meses de licença, não é um prejuízo tão grave. É muito mais grave perder esse talento porque não se consegue compatibilizar algo tão importante como ser mãe com o dia a dia do trabalho. Isso também está relacionado aos sistemas de incentivo das companhias, que estão baseados em resultados de curto prazo. Nossa companhia nos incentiva a tomar as decisões difíceis e certas.
DINHEIRO – O sr. afirmou, em um evento recente, que é preciso desmistificar a ideia do executivo que trabalha 24 horas por dia. Por quê?
Fernandez – Na minha opinão, um bom executivo é aquele que consegue balancear sua vida pessoal e profissional. É preciso desmistificar essa ideia do executivo super-homem. Não é necessário ser um herói para dirigir uma empresa – a sociedade precisa de heróis para coisas muito mais importantes do que isso. Tendo uma vida balanceada e sendo relativamente capaz, você pode crescer em uma companhia como a Unilever, com 14 mil funcionários no Brasil. Essa mudança de pensamento se faz necessária especialmente por causa das mulheres. As pessoas pensam que é preciso sacrificar muitas coisas na vida familiar para chegar a uma posição de gerência. Isso não é verdade. É mais uma questão de escolher o que é mais ou menos importante para cada pessoa.
DINHEIRO – Como é a sua rotina de presidente?
Fernandez – Eu sou um cara normal. Tenho meu time de futebol, faço esportes, tenho mulher e filha, meus pais morando na Argentina e tem muita coisa na minha vida que vai além da Unilever. A companhia é uma parte muito importante na minha vida, sem dúvida. Conheci minha esposa no trabalho. Ela era minha chefe. Mas eu não estaria aqui há 28 anos se não pudesse ser quem eu sou. Você se torna um executivo melhor quando passa a ser uma pessoa melhor.
DINHEIRO – Isso também não exige uma forma diferente de avaliar o trabalho por parte das empresas, mais focada na eficiência e menos na assiduidade?
Fernandez – Nós avaliamos outputs, não inputs. Não me interessa quantas horas o funcionário passa no escritório. Me interessa o desempenho dele. Dessa forma, não há ganho em passar 24 horas no escritório.
DINHEIRO – Crises econômicas atrapalham o processo de modernização das relações de trabalho?
Fernandez – Sou argentino. Lá, a cada dois ou três anos, temos uma crise. No Brasil também há crises, talvez não com a mesma frequência (risos). Mas os grandes temas devem ser pensados no longo prazo, não para dois ou três anos. Não se deve mudar as políticas da empresa porque se tem um pouco mais de inflação ou menos crescimento. Mas é claro que crises econômicas sempre deixam tudo mais difícil, porque você tira o foco de assuntos importantes para atender o que é urgente. O importante é fazer um balanço do que é urgente e do que é estratégico.
DINHEIRO – Isso, na Unilever, fica claro para os funcionários? Quem define as políticas de longo prazo?
Fernandez – Sim. Acho que está claro desde a criação da companhia no século 19. Estou há 28 anos na empresa e sigo por conta dos seus valores. Parte dos valores que tenho como pessoa também estão incluídos nisso, porque foi a Unilever que me formou. E, se você entrevistar a mim ou a um executivo na Indonésia, provavemente vai encontrar respostas similares. Podemos ter opiniões diferentes a respeito do investimento, maior ou menor em uma determinada marca, ou sobre o portfólio de produtos. Nos grandes assuntos, no entanto, estamos alinhados.
DINHEIRO – Agora, como fazer para passar esses valores, essas ideias de longo prazo, para o chão de fábrica?
Fernandez – Quando você lidera uma organização como a que eu lidero, o compromisso ético mais importante para que a companhia funcione bem é preservar o trabalho desde o cara que está na linha de produção até quem faz a propaganda do nosso produto no ponto de venda. Nessa questão, a comunicação é importante. Tenho visitado nossas fábricas. Neste momento difícil, a liderança tem de estar mais próxima dos comandados.
DINHEIRO – O sr. disse, também, que “odeia” quando governos, empresas ou pessoas não utilizam todo o potencial que dispõem. No Brasil, como o sr. vê essa questão?
Fernandez – Estou há cinco anos aqui e, com todo o respeito que tenho de ter pelo fato de não ser brasileiro, acho que o Brasil tem de deixar de ser o País do futuro para ser o País do presente. Muitas vezes, as questões políticas acabam influenciando e inibindo a energia criativa do brasileiro. O Brasil tem tudo para ser uma grande potência no mundo. Então, eu diria que pode ser muito mais do que é. Mas estou seguro de que vai acontecer. Nenhum país comete suicídio.
DINHEIRO – Há uma grande polarização, atualmente, não só no Brasil, mas também na Argentina, nos Estados Unidos e em várias partes do mundo. Isso também influencia nos negócios da Unilever?
Fernandez – Estamos no Brasil desde 1927. Passamos por ditadura, hiperinflação e diversas outras crises. Obviamente, preferimos os tempos de bonança. Mas nossa relação é de longo prazo e estamos investindo bastante na região.