O último fim de semana de outubro foi atípico no sul de Manhattan, que abriga Wall Street, o coração financeiro de Nova York. Sem os engravatados com pastas de couro e celular na mão que andam apressados por ali durante a semana, o espaço costuma ser ocupado por turistas que querem conhecer a rua famosa e tirar fotos tocando a estátua do touro que simboliza boa sorte nos negócios. No domingo passado, os visitantes foram obrigados a disputar espaço com caminhões que descarregavam sacos de areia, usados para formar barricadas, em frente a vários prédios da região, incluindo a sede do tradicional banco de investimentos J.P. Morgan. 

 

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Tradicionais táxis amarelos de Nova York são destruídos pelas inundações

 

Era o país se preparando para a chegada da supertempestade Sandy, que, com ventos de até 145 km/hora, paralisou também a capital do país, Washington. Depois de deixar 69 mortos em sua passagem pelo Caribe, quando ainda era furacão, Sandy fez pelo menos 70 vítimas fatais nos Estados Unidos e uma no Canadá. Transformado em supertempestade, causou inundações, destruiu pontes, estradas, redes de energia e internet, além de deixar oito milhões de casas sem eletricidade em 15 Estados americanos. Num momento crítico da economia americana, Sandy vai deixar um prejuízo de US$ 50 bilhões, segundo estimativa da consultoria de análise de risco IHS – US$ 20 bilhões em danos materiais e US$ 30 bilhões por conta da paralisação da economia. 

 

É mais do que o furacão Irene, que atingiu o país no ano passado e custou US$ 15,8 bilhões, e metade do Katrina, que devastou cidades litorâneas do sul dos Estados Unidos, em 2005, e deixou prejuízos de US$ 108 bilhões. Mas o estrago pode ir além. Economistas avaliam que o crescimento do PIB do último trimestre pode ser reduzido em 0,2%. Uma notícia pouco animadora para uma nação que ainda se recupera lentamente da crise de 2008 e deve crescer apenas 2,17% neste ano, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Sandy promoveu, ainda, uma parada sintomática. Pela primeira vez desde 1888, a Bolsa de Valores de Nova York ficou dois dias sem operar por conta de problemas climáticos. 

 

A resposta eficiente de Obama foi elogiada até por republicanos. O dividendo eleitoral, no entanto, depende da disposição dos eleitores de ir votar

 

O fechamento do pregão não afetou apenas investidores americanos, mas também os mercados de outros países. A BM&FBovespa, fortemente dependente do que acontece nos Estados Unidos, trabalhou com metade do volume normal na segunda-feira 30, e na terça-feira 31. “O problema não é apenas a falta de referencial de Nova York, mas a ausência dos investidores americanos no mercado”, diz Bernardo Wjuniski, economista para a América Latina da consultoria Medley Global Advisors. O pregão até foi reaberto na quarta-feira, com energia fornecida por reatores, e o sino tocado pelo prefeito Michael Bloomberg. 

 

Os negócios abriram em alta, mas a alegria durou pouco, com o índice Dow Jones fechando em queda, pelo movimento ainda reduzido, já que muitos operadores que trabalham de casa ou de escritórios remotos continuavam sem luz elétrica. A supertempestade também causou estragos na eleição americana, marcada para a terça-feira 6. Tanto Obama quanto o candidato republicano, Mitt Romney, cancelaram eventos de campanha enquanto a tempestade atingia o país. Ao contrário do ex-presidente George W. Bush, que em 2005 foi criticado pela incompetência do governo federal na resposta ao furacão Katrina, Obama saiu-se bem na semana passada. “Se os prefeitos e governadores não estiverem recebendo resposta em algum órgão do governo, me liguem diretamente na Casa Branca”, afirmou Obama, durante uma visita à Cruz Vermelha, na terça-feira 30. 

 

Ele foi até elogiado pelo governador de Nova Jersey, Chris Christie. O republicano, que era um de seus maiores críticos, classificou de “excepcional” a cooperação do governo federal. Já o candidato republicano, Mitt Romney, foi cobrado por uma declaração dada no ano passado, durante as primárias, de que iria cortar o orçamento da Fema, a agência federal de gerenciamento de emergências. Não se sabe ao certo qual será o efeito prático nas urnas da postura dos candidatos. Na metade da semana passada, as pesquisas mostravam um empate na corrida pela Casa Branca, com preferência de 47,1% para Obama e 47,9% para Romney, no cômputo geral. Porém, mesmo que Obama impressione os eleitores, a questão é: eles farão o esforço de sair de casa, em meio ao caos, para votar?

 

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Seja quem for o eleito na semana que vem, Sandy vai continuar presente no mercado americano, mesmo quando os ventos perderem força. O fechamento dos aeroportos de toda a Costa Leste por dois dias levou ao cancelamento de um terço dos voos que começam ou terminam em solo americano, gerando perdas de milhões de dólares para as empresas aéreas. A construção civil, por outro lado, deve ajudar a puxar para cima o PIB. Depois da crise, as empresas do setor fecharam 2,2 milhões de vagas e atualmente empregam 28% menos do que em 2007. Mas a recuperação dos negócios já estava em curso, e agora a Associação Geral de Construtoras dos Estados Unidos espera um pico de contratações nos próximos meses. O número de casas em construção é o maior em quatro anos. 

 

A venda de imóveis deve diminuir no curto prazo, enquanto os compradores analisam os estragos. A CoreLogic, uma consultoria do setor imobiliário, estima que 95 mil residências estão na área atingida com mais força pela tempestade Sandy. Boa parte delas foi danificada e seus proprietários vão pedir indenização às seguradoras. Entre as empresas do setor, que terão que pagar algo entre US$ 7 bilhões e US$ 15 bilhões nos próximos meses, a equação é simples: elas perdem no curto prazo, mas depois ganham mais clientes. “A médio e longo prazo, a tendência é que os preços aumentem em áreas com histórico de grandes desastres”, diz Danilo Silveira, superintendente de Produtos Massificados do Grupo Banco do Brasil/Mapfre.

 

Para o Brasil, acostumado a tragédias naturais que, mesmo de menor intensidade, deixam um número de vítimas muito maior, e que somente neste ano ganhou uma lei de monitoramento de áreas de risco, a passagem de Sandy deixa uma lição. O nível de preparação dos americanos é impressionante. O número de mortos é pequeno diante da proporção do desastre porque o planejamento antecipado garantiu a segurança da população, que ficou trancada em suas casas. “Os Estados Unidos fazem o melhor monitoramento de furacões do mundo”, diz Tania Sausen, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e especialista em análise de riscos. “Caso contrário, poderiam ter morrido muito mais pessoas com o Sandy.”

 

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Colaborou: Cristiano Zaia