18/07/2012 - 21:00
Na primeira semana de julho, o banqueiro Flávio Pentagna Guimarães estava muito perto de vender seu banco, o BMG. Embora houvesse outro pretendente conhecido, o BTG Pactual, a negociação estava bem avançada com o Bradesco. Mas o controlador do banco mineiro ainda tinha dúvidas sobre o preço final da transação. Também temia ter de esperar por muito tempo para receber o valor total. Como em outras aquisições de bancos médios fechadas pelas grandes instituições, a última parcela do pagamento seria vinculada ao desempenho futuro do BMG, já sob novo controle acionário. “Doutor Flávio”, como é mais conhecido, atualmente com mais de 80 anos, já havia rejeitado uma oferta do BTG Pactual porque considerou o preço baixo demais.
Roberto Setubal: ligação para Flávio Pentagna Guimarães,
na última hora, fez o Itaú vencer a disputa pelo BMG.
A indefinição de Pentagna Guimarães acabou produzindo um desfecho inesperado para a trajetória do banco fundado por seu pai, Antonio, na década de 1930. Trabalhando em silêncio, o Itaú Unibanco, atacou, aos 46 minutos do segundo tempo de jogo. Mais uma vez, foi a ousadia do banqueiro Roberto Setubal, que ao perceber que a negociação do BMG estava na reta final, o levou a ligar pessoalmente para Pentagna Guimarães, com uma sugestão que soou como música aos ouvidos do patriarca da tradicional família mineira: ele não precisaria abrir mão inteiramente do banco. O Itaú assumiria apenas as operações daqui para a frente. Segundo uma fonte próxima à família, Setubal convidou Flávio e o filho Ricardo, que preside o BMG, para viajar a São Paulo, no sábado 7, e negociar.
No fim de semana, as linhas gerais do acordo foram delineadas: seria constituída uma joint venture, na qual o Itaú deteria 70% do capital, ficando os outros 30% para os Pentagna Guimarães. A estrutura do BMG repassaria à instituição 70% dos novos empréstimos gerados. O banco paulista indicaria os principais executivos na nova empresa, mas o BMG continuaria existindo separadamente. Os Pentagna Guimarães fecharam o acordo rapidamente — o contrato foi redigido e assinado na segunda-feira 9, feriado estadual em São Paulo. No dia seguinte, ao anunciar o acordo, na presença de Ricardo, o CEO do BMG, Setubal disse que o modelo escolhido facilitou as negociações. “O formato é muito simples, não exige due diligence, discussões sobre o preço ou garantias”, afirmou.
O banco BMG Itaú, que deve começar a operar até o fim do ano, nasce com patrimônio de R$ 1 bilhão e expectativa de atingir uma carteira de R$ 12 bilhões em empréstimos consignados, até 2015. O Itaú fornecerá R$ 300 milhões mensais ao BMG pelo prazo de cinco anos. A flexibilidade de Setubal como negociador já lhe rendera frutos anteriormente — o mais notável, a fusão com o cobiçadíssimo Unibanco, foi fechado numa negociação direta entre ele e o banqueiro Pedro Moreira Salles, em 2008, levou o Itaú ao primeiro lugar no ranking dos bancos privados. Há, ainda, vários outros exemplos, como a associação com Fernão Bracher, que controlava o antigo BBA, para criar o que hoje é o banco de investimentos do conglomerado, e com a seguradora Porto Seguro, do empresário Jayme Garfinkel.
Setubal, Flávio e Ricardo Guimarães: Itaú fecha em poucos dias operação com o BMG,
que negociou com o Bradesco e o BTG.
É certo que os Pentagna Guimarães precisavam de uma solução com alguma urgência para os destinos do banco. As alternativas de sobrevivência do BMG, o 14º no ranking dos bancos privados nacionais, com boa rentabilidade, vinham encolhendo. Altos custos para captar recursos, novas regras exigidas pelo Banco Central (BC) para contabilizar os lucros com a venda de carteiras de crédito e a concorrência com os gigantes bancários vinham minando a instituição, uma das pioneiras nos empréstimos consignados no País, desde que esta modalidade que desconta as parcelas na folha de pagamento foi criada, no início da década passada. O banco mineiro tem a segunda maior carteira do País desse produto, de R$ 28 bilhões, atrás apenas dos R$ 56 bilhões emprestados pelo Banco do Brasil.
(O Itaú, que tem uma carteira de crédito total de R$ 400 bilhões, tem só R$ 11 bilhões em consignado e fica em sexto lugar.) Sua rede é composta de 580 lojas próprias, mais de mil correspondentes bancários e contratos com mais de 30 mil agentes de crédito. No ano passado, o BMG iniciou um tímido processo de diversificação para outras carteiras de crédito pessoal, com a incorporação do banco Schahin, que contou com recursos do Fundo Garantidor de Crédito, e comprou a operação da GE Money no Brasil. Os altos investimentos da instituição no patrocínio de clubes de futebol e compra de participações dos direitos econômicos de jogadores popularizaram o banco, fazendo-o conhecido nacionalmente, mas pouco ajudaram para torná-lo competitivo em relação aos grandes, que invadiram a seara do consignado.
O BMG já chegou a liderar os rankings de rentabilidade no setor financeiro, mas no primeiro trimestre do ano amargou prejuízo de R$ 69 milhões. Além disso, seu balanço recebeu ressalva dos auditores, por cujo critério a perda seria ainda maior. Agora, o banco mineiro terá acesso a recursos mais baratos, da base dos 40 milhões de clientes do Itaú. “A redução do custo nos permite competir em taxas e volumes satisfatórios”, afirmou o presidente do BMG, Ricardo Pentagna Guimarães. Como a partir de agora a maior parte do crédito gerado pelo BMG não ficará em seu balanço, será possível crescer sem novos aportes de capital. No ano passado, a família, que além do BMG tem negócios nos ramos imobiliário, industrial e agropecuário, já havia colocado R$ 1,1 bilhão na instituição.
Se futuramente resolver vender sua participação de 30% no banco, o Itaú terá direito de preferência. Setubal diz que a sociedade com a família permite crescer mais rapidamente no crédito consignado. “Nós não temos essa especialização”, afirmou. O modelo da joint venture, simples, mas engenhoso, poderá ser replicado nos próximos negócios do setor, afirma Renato Oliva, presidente da ABBC, associação que representa os bancos médios. “É interessante, preserva o que o banco médio faz de melhor, que é emprestar, e resolve a falta de capital para manter as carteiras”, diz.
MODELO EM XEQUE Mas, afinal, o que o Setubal viu no BMG e no crédito consignado? Por que investir num produto que deu prejuízo aos bancos médios? Algumas razões são bem claras. A mais óbvia é que um banco grande ganha dinheiro na operação porque seus custos de captação são mais baixos. Além disso, a inadimplência no crédito consignado é próxima de zero, uma vantagem quando outras carteiras, como a de veículos, sofrem com os calotes. “Estamos procurando ativos com risco mais baixo e spreads menores, em linha com a direção do governo de reduzir os juros”, disse Setubal. A menção ao governo não foi gratuita: na semana anterior, o banqueiro foi cobrado publicamente pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, para baratear o crédito.
Enquanto os bancos privados vêm reduzindo sua expectativa de expansão do crédito neste ano de 20% para a faixa de 10% a 15% por conta do menor crescimento econômico, os empréstimos consignados exibem alta de 45%, neste ano, e chegaram ao recorde de R$ 9,5 bilhões em maio. Já representam 59% do estoque de crédito pessoal. A tendência é que a modalidade cresça ainda mais, daqui para a frente. Segundo o vice-presidente de varejo do Banco do Brasil, Alexandre Abreu, muitos clientes estão trocando dívidas mais caras, em cheque especial ou crédito pessoal, pelo consignado. “Ainda há muito espaço para crescer: os clientes querem juros mais baixos e os bancos, maior segurança contra a inadimplência”, diz Abreu.
Disputa pela segurança: grandes bancos investem no consignado, mesmo com juros menores,
porque as perdas são muito pequenas.
As perdas com consignado são bem menores que as do crédito pessoal. Mas há uma razão ainda não explícita para a compra do BMG pelo Itaú: a completa mudança do mercado de crédito consignado que está sendo negociada, na surdina, entre os bancos e grandes conveniados, como a Previdência e governos estaduais, sob o olhar atento do BC. Um dos problemas para tornar o consignado rentável para os bancos médios é que todos os custos são pagos no início. O maior gasto é com a comissão para os “pastinhas”, que chega a representar até 20% do total emprestado. Isso faz com que os empréstimos consignados comecem dando prejuízo e se tornem rentáveis só depois de alguns meses. Os grandes bancos usam a estrutura de suas redes com milhares de agências.
Mas os médios dependem dos agentes de crédito para emprestar. O problema é que o pagamento imediato das comissões estimula o refinanciamento entre os bancos médios. Ao trocar um crédito no banco X por outro do banco Y, o cliente paga antecipadamente a primeira operação, ainda numa fase em que ela está gerando perda. No novo empréstimo, o pastinha recebe mais 20% imediatamente. O que os bancos discutem agora, segundo apurou a DINHEIRO, é pagar as comissões aos milhares de pastinhas em parcelas. Assim, o agente de crédito teria interesse em manter a operação no primeiro banco por mais tempo. Com isso, todo o sistema teria os mesmos prazos, desde o pagamento das comissões até o reconhecimento da receita com a venda de carteiras.
A mudança é bem vista pelo BC, às voltas com uma sucessão de problemas em bancos médios nos últimos meses. A maior parte dos bancos que quebraram recentemente concentrava seus negócios em consignado, como o Matone, vendido à J&F, holding do frigorífico JBS, o Panamericano, controlado pelo BTG Pactual e pela Caixa, e o Cruzeiro do Sul, sob administração do FGC. Os casos de fraude, em parte, tentavam mascarar as operações deficitárias. Os compradores desses bancos, que contaram com a ajuda do FGC, agora enfrentam o problema. O presidente da J&F, Joesley Batista, que rebatizou o Matone de Original, diz que o modelo de consignado como é feito hoje pelos bancos médios não se sustenta.
Rei do patrocínio: marca brilhou nas camisas do palmeiras e do coritiba,
na final da Copa do Brasil, na quarta-feira 11.
“Todo mundo está procurando uma solução, que até agora não existe”, afirmou à DINHEIRO. Por isso, o Original está explorando outros nichos de negócio, como crédito a empresas médias, concessão de crédito pessoal e venda de seguros. Mudar a forma de pagamento das comissões pode ser o primeiro passo para chegar à solução — mas ninguém diz que será fácil. O fato é que está muito clara a crise pela qual passam as instituições médias que não tem sócios de peso. “A questão crucial é a dificuldade e o preço cobrado para levantar recursos no mercado”, afirma o professor da Fipecafi, Silvio Paixão.
A desconfiança dos investidores já era grande desde o escândalo do Banco Panamericano, e se acentuou após a quebra do Cruzeiro do Sul, em junho. Para sobreviver sozinhos, esses bancos precisariam ser mais competentes que os de grande porte em atividades onde a margem é mais alta. Esse já foi o caso do consignado e do crédito a empresas médias. Não é mais: os gigantes bancários disputam o terreno palmo a palmo. “Só vai sobreviver quem tiver bons serviços, num nicho ou região muito específicos”, diz Paixão. Por tudo isso, o negócio do BMG com o Itaú representa uma luz no fim do túnel para os banqueiros de médio porte.
Solidez internacional
O cenário não está fácil para os bancos de médio porte, mas as grandes instituições brasileiras são consideradas cada vez mais sólidas em rankings internacionais. A agência de classsificação de risco de crédito Standard & Poor’s, por exemplo, elevou a nota atribuída a oito bancos brasileiros na semana passada: Bradesco, Citibank, Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Santander Brasil, HSBC Brasil, Itaú Unibanco e Itaú BBA. A nota atribuída aos bancos acompanhou a elevação da classificação soberana brasileira, explicou a S&P.
A S&P eleva nota de 8 bancos e 2 estão entre os mais sólidos do mundo
Investidores estrangeiros estão mais ressabiados com ações e títulos de dívida externa de bancos médios, e agora preferem comprar os ativos dos grandes grupos brasileiros. Para eles, o cenário é outro: o Brasil é hoje classificado como “grau de investimento”, enquanto países europeus estão sendo rebaixados e seus bancos negociam pacotes de resgate bilionários. Com isso, os bancos nacionais estão sendo considerados muito seguros internacionalmente. Num levantamento recente feito pela revista Bloomberg Markets, por exemplo, o Bradesco e a filial brasileira do Santander aparecem na lista dos 20 bancos mais sólidos do mundo.