A sétima reunião de chefes de Estado e de governo da Unasul, marcada para a sexta-feira 30, no Suriname, adquiriu, de um momento para outro, uma nova importância para a diplomacia brasileira. O encontro não previa discussões fundamentais para o País, já que o tema mais importante da pauta era a reintegração do Paraguai ao bloco. Mas foi a estreia do novo ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo Machado, na equipe da presidenta Dilma Rousseff. Empossado na quarta-feira 28, depois da demissão de Antonio Patriota, Figueiredo tem um modus operandi bem diferente do seu antecessor. É considerado mais enérgico, mais centralizador e, portanto, estaria mais alinhado com o perfil da presidenta. 

 

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Fora do foco: patriota, o ministro demitido, e Figueiredo, seu sucessor no Itamaraty,

priorizam os países ao sul do Equador nas negociações comerciais

 

Porém, se os estilos dos ministros são diferentes, a agenda externa permanece a mesma: muita ênfase na integração com a América Latina e foco insuficiente nos países mais desenvolvidos, justamente onde os potenciais de ganhos são maiores. O novo comandante da diplomacia conheceu Dilma em 2009, durante a conferência do clima em Copenhague, a COP 15, quando ele era diretor do Departamento de Meio Ambiente do Itamaraty. Na ocasião, Dilma, que chefiava a Casa Civil, liderava também a missão brasileira na conferência. Foi nesse momento que Figueiredo chamou a atenção da presidenta, pelo seu conhecimento do assunto e sua capacidade de negociação. 

 

No ano passado, na Rio+20, também se destacou ao costurar o acordo sobre desenvolvimento sustentável que, se não avançou muito, pelo menos impediu que a reunião terminasse em fracasso, poupando a presidenta de um vexame. O novo chanceler, de 58 anos, tem muita experiência na questão ambiental, mas nunca ocupou cargos importantes na área econômica. Há dois meses, ele assumiu seu primeiro cargo de embaixador no Exterior, na missão brasileira na Organização das Nações Unidas. Carioca, formou-se em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro antes de entrar no Itamaraty, em 1980. Na segunda-feira 26, quando Dilma decidiu substituir Patriota, o novo titular da pasta voou para Brasília na mesma noite. 

 

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Bye-bye, Brazil: o primeiro-ministro britânico, David Cameron,

e o presidente americano, Barack Obama, se reuniram, em julho,

para as primeiras conversas sobre um acordo entre a UE e os EUA

 

A pressa na substituição reflete a fúria da presidenta com o episódio da fuga do senador boliviano Roger Pinto Molina da embaixada brasileira em La Paz. Embora tivesse recebido asilo do Brasil, faltava o salvo conduto do presidente Evo Morales. Depois de 15 meses recluso na embaixada, o diplomata Eduardo Sabóia decidiu, sem autorização de Brasília, trazer Molina de carro para o Brasil. A falta de comando de Patriota teria sentenciado a sua demissão, formalizada num encontro de apenas 15 minutos, na segunda-feira à noite. No início da tarde, Dilma conversou por um hora e meia com o ministro da Defesa, Celso Amorim, que relatou o teor do encontro ao colega do Itamaraty. 


Ao ver que a situação havia ficado insustentável, Patriota foi ao Palácio entregar a carta de demissão. Na cerimônia de posse, no Palácio do Planalto, com uma plateia que, embora pequena, aplaudiu entusiasticamente o ministro que deixou o cargo, Dilma disse que “compartilhou boas experiências” com Figueiredo na COP 15 e elogiou sua competência. Mas deixou claro que a mudança de titular está longe de alterar os rumos da diplomacia brasileira. “A maior de nossas prioridades é a integração regional, principalmente com nossos vizinhos da América do Sul”, afirmou a presidenta. Num discurso de dez minutos, ela não citou Europa nem Estados Unidos, os dois maiores mercados consumidores do mundo, que juntos representam 47% do PIB global. 

 

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Saia justa boliviana: diplomacia terá de apaziguar ânimos com o presidente Evo Morales, depois da entrada do senador

Roger Pinto (à dir.) no Brasil. A Bolívia é grande fornecedora de gás para o mercado brasileiro (à esq., gasoduto boliviano)

 

Figueiredo, por sua vez, disse que vai aumentar a atuação do ministério em ações de inclusão social e proteção ao meio ambiente, mas também descartou mudanças. “A política externa é do governo Dilma e não mudará, independentemente de quem for o chanceler”, afirmou. A reafirmação da política atual, de atuação regional em detrimento de uma integração maior com o resto do mundo, é uma má notícia para os empresários brasileiros. E vem justamente num momento em que a Argentina voltou a segurar os desembarques de produtos made in Brazil – como sempre faz, impunemente – e a balança comercial mostra um déficit entre as importações e as exportações, o primeiro em muitos anos. 

 

Até a quarta semana de agosto, o saldo está negativo em US$ 3,8 bilhões. O governo não faz previsões de números, mas acredita que a balança fecha no azul, numa perspectiva mais otimista do que a do setor privado. O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, José Augusto de Castro, que projeta um déficit de US$ 2 bilhões na balança deste ano, cobra uma atitude comercial mais agressiva com os grandes compradores dos países ricos. “Gostaríamos que o comércio exterior olhasse mais para o norte, pois o nosso espaço para crescer está lá”, diz. Ele lembra que a queda dos preços das commodities pode retrair ainda mais a capacidade de compra dos emergentes, enquanto os países desenvolvidos ganham com essa redução.

 

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Vizinho ruidoso: exportações interrompidas para a Argentina estão na pauta

das negociações do Itamaraty

 

A relação com os vizinhos, benevolente além da conta, é outro foco de reclamação dos empresários brasileiros. “Gostaríamos que a nova gestão tivesse uma visão pragmática e não ideológica da política externa”, diz Roberto Giannetti da Fonseca, diretor do departamento de relações internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. “Ainda mais agora que estamos entrando numa conjuntura favorável à exportação, com uma moeda mais competitiva.” Para Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior no governo Lula, o grande desafio do novo chanceler é continuar com a integração na América Latina, mas sem perder oportunidades em outros mercados. “Hoje há um desequilíbrio nesse sentido”, diz Barral.

 

A principal reivindicação dos empresários é uma postura mais ofensiva na negociação de acordos bilaterais, especialmente nas áreas de serviços, investimentos e bitributação, uma vez que o Mercosul dificulta a negociação de acordos mais amplos. Um deles é com a União Europeia. As conversas com os europeus estão suspensas há anos e devem ser retomadas até dezembro. “É o momento de criarmos coragem, porque temos a capacidade de fechar acordos relevantes com Europa, Japão e Estados Unidos”, diz Giannetti. Um exemplo do impacto de se negociar com países desenvolvidos é a recente liberação da importação da carne suína brasileira por parte do Japão, que, segundo Giannetti, deve contribuir com US$ 1 bilhão anual em exportações.

 

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Hugueney, ex-embaixador na China: “Se a Europa fechar um acordo

com os EUA, como nós vamos ficar? O Brasil está atrasado

para entrar nesse jogo”

 

Na avaliação do ex-embaixador brasileiro na China, Clodoaldo Hugueney, a integração regional é positiva, mas o Brasil precisa ir além, para evitar que um acordo como o que será negociado entre Estados Unidos e União Europeia crie um bloco tão grande que deixe o Brasil fora do jogo. “Os Estados Unidos são os maiores produtores de soja do mundo e um grande produtor de carne, de suco de laranja, milho e etanol”, diz ele. “O Brasil está atrasado.” É inegável, no entanto, que o País já perdeu uma parte do brilho dos últimos anos. Para o ex-embaixador Marcos Azambuja, membro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, isso aconteceu porque o crescimento baixo dos últimos anos não justificou a expectativa que se criou em torno do País. 

 

“O Brasil desapontou os que nos admiram e confirmou os que não acreditavam que tínhamos condições de ocupar um espaço de destaque”, afirma. “É uma lua em quarto minguante.” Mas se a viagem ao Suriname marcou a estreia de Figueiredo no cargo, seu primeiro grande teste será a visita presidencial aos Estados Unidos, nos dias 23 e 24 de outubro. A relação comercial entre os dois países vinha crescendo, depois da crise de 2009, mas neste ano voltou a cair. De janeiro a julho, o Brasil já acumula um déficit de US$ 6,8 bilhões. “A relação bilateral estava muito boa no início do ano, mas ficou um pouco contaminada pelo mal-estar gerado pelo caso Snowden”, diz Barral, referindo-se às denúncias de espionagem feitas pelo ex-funcionário da CIA Edward Snowden. 

 

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Com esse tema dominando as conversas – com cobranças pelo lado brasileiro e tentativas de desconversar pelo lado americano –, acordos fundamentais para o setor privado brasileiro acabam ficando de lado. Um deles, ainda sem perspectiva, é o que evita a bitributação das empresas. De prático, o único resultado da viagem a Washington deve ser a inclusão do Brasil no Global Entry, um sistema que facilita a passagem pelo controle de imigração de passageiros frequentes. O fim do visto de turista sequer é cogitado pelos EUA. Além de melhorar a posição comercial do Brasil no mundo, o novo chanceler terá outro desafio: retomar a relevância do ministério dentro do governo. Nos últimos anos, o órgão responsável pela política externa perdeu espaço. 

 

“O Itamaraty já perdeu o papel de proteção comercial para a Agência de Promoção de Exportações e pode ainda perder a Agência Brasileira de Cooperação”, afirma o cientista político Murillo de Aragão, presidente da Arko Advice. Isso aconteceu, em parte, porque a presidenta Dilma não tem a mesma ambição de liderança mundial de seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, nem paciência para o estilo de negociação e lentidão típica da diplomacia. Parte da perda de prestígio, porém, deve-se ao estilo extremamente low profile do ex-chanceler Patriota, que se deixava intimidar pelo estilo duro da presidenta. Figueiredo é diferente. É firme na defesa das suas posições. Só falta mudar a atual política para torná-la mais condizente aos interesses do País.

 

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Colaborou: Keila Cândido