29/08/2014 - 20:00
A reunião dos bancos centrais em Jackson Hole, nos EUA, no fim de semana retrasado, mostrou como está difícil para os guardiões das principais moedas do mundo retomarem a cartilha da política monetária ortodoxa, que recomenda a alta dos juros para controlar a inflação quando a atividade econômica volta a acelerar com vigor. Com os efeitos da crise global de 2008 sendo sentidos até hoje nas economias desenvolvidas, os presidentes dos BCs têm olhado com desconfiança para sinais animadores de retomada do crescimento e relutam em subir taxas de juro próximas de zero.
A tradicional ênfase na inflação perdeu espaço para a análise de indicadores de mercado de trabalho, de consumo e de produção. Investidores internacionais, que dependem dessas decisões para alocar recursos em vários países, como o Brasil, terão de botar as barbas de molho por mais tempo. No encontro, no Estado americano de Wyoming, Janet Yellen, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), deixou claro que não existe um fator único a ser avaliado. “A chave é descobrir quão distante a economia está de atingir sua meta de pleno emprego”, disse Janet.
O índice de desemprego, em 6,2%, recuou bastante da taxa de dois dígitos a que chegou no fim de 2009, mas está longe do pleno emprego de 2000, quando a taxa era de apenas 4%. As declarações de Janet revelam a dificuldade em interpretar dados ambíguos do mercado de trabalho – o desemprego cai, mas os salários não sobem ou até encolhem com vagas de pior qualidade e de meio período. Prorrogam o compasso de espera em que o mundo se enfiou, desde os primeiros sinais de desmonte da política de estímulos monetários nos EUA, com investidores e autoridades tentando acertar o momento exato da elevação da taxa de juros. O encontro em Jackson Hole indica que Janet não está isolada em suas avaliações.
“Os dados da produção já não são mais suficientes para determinar a pressão inflacionária e os movimentos no desemprego também se tornaram importantes”, disse Ben Broadbent, vice-presidente do Banco Central da Inglaterra (BoE). A falta de um caminho único no mundo é clara. Enquanto o Fed sinaliza uma possível alta de juros em 2015, o Japão e a Europa avisam que devem adotar mais estímulos. “Os riscos de fazer muito pouco, isto é, de que o desemprego cíclico se torne estrutural, supera os riscos de se fazer demais”, disse o presidente do BC europeu, Mario Draghi. Tentando tirar o Japão de duas décadas de estagnação, o presidente da autoridade monetária do país, Haruhiko Kuroda, pretende manter sua política monetária frouxa “até que a inflação atinja a meta de 2% e não caia”.
Prometeu até intensificar as ações do BC, se necessário. No Brasil, a situação é oposta. O presidente do Banco Central do Brasil, Alexandre Tombini, disse que a redução do desemprego, hoje no menor nível já registrado, pressionou os preços dos serviços. “O desafio para a política monetária é distinguir entre tendências cíclicas e estruturais no mercado de trabalho”, afirmou Tombini. Mas se o Brasil não sofre com desemprego, pode padecer com as consequências das medidas que serão tomadas nos países desenvolvidos para retomar o crescimento. “Se o Fed ameaçar de fato subir os juros, os capitais europeus e japoneses irão inundar os Estados Unidos, valorizando o dólar”, diz o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito.
No início deste ano, quando o banco central americano sinalizou que poderia reduzir o ritmo de compras mensais de bônus, os investidores correram para os títulos americanos, causando turbulência nos emergentes. Desta vez, o Fed está buscando reduzir essa volatilidade, anunciando de antemão que pode adiar ou retirar os estímulos conforme as respostas da economia. Para o economista Rodolfo Oliveira, da Tendências Consultoria, isso significa que os investidores vão, desde já, procurar se antecipar à alta dos juros, correndo para o dólar. “A partir de agora, a tendência é a desvalorização do real”, diz Oliveira. Pior do que a alta do dólar, o que mais atrapalha os negócios é a oscilação que normalmente ocorre nesses momentos de incerteza.