28/02/2012 - 21:00
Dois vazamentos de petróleo no mesmo campo brasileiro em alto-mar colocaram a petrolífera Chevron em águas turbulentas. Enquanto a empresa mobiliza advogados para enfrentar as denúncias do Ministério Público Federal (MPF) por crime ambiental em sua operação no Campo de Frade, na Bacia de Campos, e autuações da Agência Nacional do Petróleo (ANP), questionamentos maiores começam a surgir. O modelo atual de concessões é o mais adequado para navegar na nova onda de investimentos no setor de petróleo? O Brasil está preparado para lidar com acidentes de grandes proporções, mais prováveis com a aceleração da campanha exploratória?
Águas perigosas: o risco de buscar óleo a profundidades cada vez maiores exige preparação
para reagir a vazamentos e discussão de competência das empresas.
O segundo vazamento da Chevron provocou até uma menção indireta da presidenta Dilma Rousseff, durante a posse da nova diretora da ANP, Magda Chambriard, na quarta-feira 21. “As empresas devem saber que os protocolos de segurança existem para ser cumpridos”, afirmou Dilma. A nova diretora da ANP também prometeu fiscalização dura. “Temos que ser muito rigorosos porque esse é o salvo-conduto para enfrentar o desafio da próxima década”, disse Magda Chambriard. O País quer triplicar a produção de petróleo até 2020. Na semana passada, o MPF denunciou à Justiça a Chevron e a Transocean, responsável pela perfuração, além de 17 funcionários, por crime ambiental e dano ao patrimônio público.
Quinze deles, inclusive o presidente da Chevron, George Buck, estão impedidos de deixar o País sem autorização. A produção em Frade, de 60 mil barris por dia, está interrompida. O procurador Eduardo Santos Oliveira concluiu que a atuação “irresponsável” da Chevron provocou os vazamentos de 7 de novembro e 13 de março. Segundo ele, pressão excessiva durante a perfuração causou a fratura ocorrida nas paredes do poço que resultou no vazamento. Acusando as empresas de criar uma “bomba de contaminação de efeito prolongado”, Oliveira já pediu indenização de R$ 20 bilhões à Chevron. As penas para os crimes apontados pelo MPF ficam em torno de 30 anos de prisão.
Crime ambiental? – Eduardo Oliveira, do MPF: ”Atuação irresponsável
criou bomba”.
Em nota, a petrolífera chamou as acusações do procurador de “ultrajantes e sem mérito” e afirmou que não houve dano à vida marítima. A Chevron diz que o segundo vazamento, de pequenas proporções (apenas um barril), não está relacionado ao primeiro, que derramou 2,4 mil barris de óleo. A acusação mais grave feita por Oliveira é que a Chevron tentava atingir a camada pré-sal, para a qual não tinha autorização da ANP. O advogado da empresa, Nilo Batista, considerou a hipótese “ridícula”. Executivos do setor afirmam que, se isso fosse comprovado, seria motivo suficiente para cassar a concessão. “Seria uma atitude temerária”, afirma Jean Paul Prates, do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (Cerne).
Qualquer que seja o veredito, os vazamentos levantam questões relevantes sobre o modelo de exploração desenhado desde a quebra do monopólio da Petrobras, em 1997. Na época, as grandes petrolíferas internacionais eram vistas como portadoras de tecnologia e recursos financeiros. Hoje, com a Petrobras reconhecida como uma das mais experientes no mundo na prospecção marítima e com crédito farto para o País, a participação das estrangeiras continua fundamental? Há quem diga que não, como o ex-diretor da Petrobras Ildo Sauer, hoje à frente do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo. “O modelo que estruturou a indústria está exaurido”, afirma.
Crime ambiental? – George Buck, da Chevron: acusações são ultrajantes
e sem mérito.
Hoje, mais de 80% das reservas mundiais estão com empresas puramente estatais e 14% com companhias mistas, como Petrobras ou a norueguesa Statoil. O ex-diretor da ANP David Zylberstajn defende o modelo atual, de cuja implementação participou no governo FHC. Sem as estrangeiras, o Brasil produziria hoje muito menos petróleo, diz. “A Petrobras não pode fazer tudo”, afirma. Ele considera xenofobia excluir as estrangeiras da exploração. Prates, do Cerne, concorda que a Petrobras é o “Pelé das águas profundas”, mas seria inviável arcar sozinha com os custos. A Petrobras controlará os riscos no pré-sal por ser a operadora exclusiva nos campos.
A estatal tem, hoje, um baixo índice de acidentes depois de investir pesado em segurança desde o grande vazamento na Baía de Guanabara, em 2000. Todos concordam que é urgente criar um sistema de resposta a grandes vazamentos. O Plano Nacional de Contingência, que fará isso, ainda não saiu do papel. Os especialistas sugerem formar “pools” entre as empresas para responder a acidentes, juntando aeronaves e embarcações de diversas petrolíferas, como é feito em áreas do Canadá, do Mar do Norte, da China e do Golfo do México. “Não dá para negociar quem faz o que na hora. O esquema tem que estar pronto”, diz Emílio La Rovere, da Coppe/UFRJ. Outra ideia é que o Ibama faça estudos ambientais prévios mais detalhados, determinando regiões sensíveis onde a exploração seria feita com cuidado adicional.