16/05/2014 - 20:00
Em março deste ano, o ministro Guido Mantega completou oito anos à frente do Ministério da Fazenda, tornando-se o recordista no cargo. Nos últimos anos, alinhado com a presidenta Dilma Rousseff, também economista, tornou-se a única voz do governo para temas econômicos. Os colegas de Esplanada, conhecedores do estilo presidencial, avesso a debates públicos sobre temas internos, sempre evitaram falar sobre o assunto. Até o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, limita suas declarações a discursos previamente preparados.
Na semana passada, porém, o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, que também é economista e já foi o principal porta-voz do Partido dos Trabalhadores para temas econômicos, rompeu o pacto de silêncio. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, publicada na quarta-feira 14, Mercadante confirmou o que o mercado sempre soube, mas as autoridades de Brasília negavam: o governo segura os reajustes de alguns preços para evitar uma inflação mais elevada, numa extensão da política contracíclica adotada após a crise de 2008. “Preços administrados são administrados”, disse Mercadante. “Você administra em função dos interesses estratégicos da economia.”
Parece um jogo retórico, uma afirmação até óbvia. Em linguagem ministerial, no entanto, trata-se de um duelo verbal com o ministro da Fazenda. Tanto que, no dia seguinte, em audiência na Câmara dos Deputados, Mantega disse que não leu a entrevista de Mercadante, mas negou que o governo tente controlar os preços. Ele citou o exemplo dos reajustes das tarifas de energia elétrica, que já vêm sendo reajustadas, incorporando parte do aumento de custos que as distribuidoras tiveram para comprar energia das usinas termelétricas, mais caras. “Autorizamos reajustes de até 18%”, afirmou Mantega. “Onde está o represamento de preços?”
O duelo entre os dois economistas, que na quinta-feira estavam juntos numa reunião no Palácio do Planalto, sobre o orçamento de 2015 abriu o debate sobre quem fala sobre economia no governo Dilma. Abriu também espaço para as discussões sobre o represamento da inflação e o índice real do custo de vida. Quando os preços controlados pelo governo – como passagens de ônibus e metrô, tarifas de energia elétrica, preços dos combustíveis – seguem a livre flutuação do mercado, eles costumam ser parecidos com a inflação total. Era essa a situação até o fim de 2011. Essa tendência começou a mudar no início de 2012, quando a variação dos preços administrados, que representam cerca de 30% do IPCA, passou a ser muito menor do que o índice total.
“O governo utilizou os preços administrados para controlar a inflação e também para dar fôlego à atividade econômica”, diz o André Perfeito, economista-chefe da corretora Gradual Investimentos. Esse controle já foi muito maior. Em janeiro de 2013, quando a alta dos alimentos elevou o índice para acima de 6%, o ministro da Fazenda pediu aos prefeitos do Rio e de São Paulo que adiassem os reajustes nas tarifas de ônibus. Como controlador da Petrobras, também determinou que a empresa segurasse seus preços, apesar do prejuízo com a importação de combustíveis.
E assim os preços administrados ficaram praticamente todo o ano passado em torno de 1,5%, para um IPCA que encerrou o ano em 5,91%. Em 2014, os dois índices começaram a se aproximar – embora os administrados tenham subido pouco mais da metade da variação do IPCA. No mês passado, os preços administrados representavam pouco mais da metade do índice total. Tarifas de ônibus represadas após os protestos em várias cidades do País foram reajustadas nesse ano. As expectativas do mercado, de um tarifaço no próximo ano, começaram a perder força. Para o economista Octavio de Barros, economista-chefe do Bradesco, o “desrepresamento” dos preços não será tão forte quando se previa.
“Uma parte dos aumentos já está acontecendo”, afirma. “Isso aumentou a possibilidade de a inflação ficar dentro do teto da meta.” Na semana passada, o boletim Focus do Banco Central mostrou um recuo das expectativas do mercado, para um IPCA de 6,39% neste ano e de 6% em 2015. Os índices divulgados nos últimos dias reforçam essa tendência positiva. O IGP-10, calculado entre os dias 11 do mês anterior e 10 do mês atual, ficou em 0,13% em maio, bem menor que o de abril. Uma inflação mais comportada pode até acabar com o duelo entre os economistas do governo e facilitar a volta do silêncio sobre o tema.