Jerson Kelman é conhecido no setor de energia pela sinceridade. Entre atenuar a gravidade de um problema ou apresentá-lo tal como é, o carioca de 66 anos prefere não medir palavras. Foi dessa maneira que assumiu a presidência da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), na segunda-feira 12. Suas primeiras aparições públicas mostraram aos paulistas que, ao contrário dos seus antecessores no posto, na última década, o engenheiro civil com especialização em hidráulica vai ser transparente: a situação dos reservatórios da região metropolitana é muito preocupante, há racionamento de abastecimento e, dependendo das chuvas das próximas semanas, o Sistema Cantareira, o mais importante da cidade, que abastece 6,5 milhões de pessoas, pode secar, pura e simplesmente, em maio.

Suas declarações podem ter assustado aqueles que se deixaram levar pela persistente política de minimização do problema, praticada pelo governo do tucano Geraldo Alckmin, e não acreditaram que a crise de abastecimento de água é dramática. Na semana passada, para conseguir a aprovação da Justiça sobre a multa aos consumidores que utilizam água em excesso, o governador disse, pela primeira vez, que há racionamento em São Paulo. Menos de 24 horas depois, Alckmin afirmou ter sido mal interpretado: há redução da vazão do Cantareira e não fechamento das torneiras.

Com ou sem “racionamento formal”, o rodízio de abastecimento, que está em vigor, mostra que a situação é delicada . Se 2014 foi um ano atípico, com a pior média de acúmulo de água nos mananciais nos últimos 50 anos, 2015, até agora, segue caminho idêntico. Mesmo diante da alta probabilidade de enfrentar um período caótico, Kelman topou interromper a vida acadêmica na Coppe, coordenação de pós-graduação em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, para não deixar as tubulações da Sabesp secarem. Seus primeiros dias na sede da empresa, no bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, foram dedicados a longas reuniões de planejamento.

Kelman ouviu os especialistas das cinco principais áreas e buscou conhecer o que foi feito nos últimos anos e quais eram os projetos em andamento. Ele elogiou a capacidade técnica dos profissionais, mas definiu algumas ações imediatas, como a antecipação de algumas obras previstas para 2016. Pediu que todos se debruçassem sobre as alternativas e apresentassem as mais viáveis. Nos próximos dias, as medidas serão detalhadas, o que deve mudar o plano quadrienal de investimento de R$ 10,2 bilhões até 2018. Daqui para a frente, seu estilo e suas convicções ficarão mais claros.

Ele defende a adoção de Parcerias Público-Privadas no setor de saneamento. Isso significa que os investimentos em novas fontes de captação de água podem ser contratados por concessionária como a Sabesp como prestação de serviço, em vez de serem bancados pelo poder público. “Kelman é o maior especialista em água do País, com experiência em gestão pública”, diz Elbia Melo, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica. “Ele tem o perfil mais adequado para fazer as intervenções de que a Sabesp precisa.” Evidentemente, a chegada do novo presidente não pode ser vista como a solução definitiva para a Sabesp. A principal matéria-prima da empresa, a água, está escassa.

Até os especialistas em hidrologia brincam que São Pedro está errando a mira das chuvas, que não cai nos reservatórios. Mas é inegável que a companhia passa por um problema gerencial, que não é recente. Desde o início dos anos 2000, a Sabesp tem conhecimento de que era preciso encontrar alternativas para abastecer a região metropolitana. Especialistas alertavam que a disponibilidade de água per capita em São Paulo era a menor do País. Além disso, o grave problema de perda de água no caminho entre a estação de tratamento e a casa dos consumidores, 3,6 litros em cada dez tratados, cerca de três vezes mais do que a média mundial, nunca foi resolvido. A ex-presidente Dilma Pena, que comandou a empresa nos últimos quatro anos, foi o retrato dessa sequência de erros.

Em meados do ano passado, ela teve de desmentir uma gravação em que aparece assumindo o caos de abastecimento, pois estava proibida de dizê-lo publicamente por razões políticas – “por ordens superiores”, afirmou. O governo do Estado negou qualquer interferência na empresa. Dilma também viu-se obrigada a explicar por que a Sabesp entregou um terço do seu lucro para os acionistas, em média, na última década, acima dos 25% obrigatórios. Segundo ela, lucro não é pecado. Mas, em tempos de crise, o que não é ilegal é imoral. “A Dilma se queimou com a opinião pública”, diz Alexandre Montes, analista de energia da consultoria de investimentos Lopes Filho.

“A troca de comando é muito mais uma questão psicológica.” O fator Kelman tem tudo para dar certo. Além de ser um dos especialistas em água mais respeitados do País, ele transita com facilidade no meio político. Participou de governos do PSDB e do PT e saiu elogiado de ambos. Após criar a Agência Nacional de Águas, ele coordenou um projeto sobre o apagão de energia em 2000. Apresentou um diagnóstico corajoso a FHC e o chamado “Relatório Kelman” evitou novas crises de energia. Já no governo Lula, a então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, nomeou-o para presidir a Aneel por confiar na sua capacidade técnica. Kelman nunca decepcionou quem apostou no seu taco. Os paulistas torcem para não ser esta sua primeira vez.