O português Alexandre de Lencastre, presidente da subsidiária brasileira da fabricante portuguesa de cimentos Cimpor, vive uma situação, no mínimo, inusitada: os sócios da empresa que comanda são, na verdade, seus concorrentes. Nos dois primeiros meses deste ano, a empresa, que fatura R$ 1,5 bilhão no País, foi alvo de uma disputa acirrada entre três concorrentes diretas. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Votorantim Cimentos e a Camargo Corrêa Cimentos tentaram comprar suas ações. 

 

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Alexandre Lencastre: “É uma sensação estranha porque as maiores acionistas

são ao mesmo tempo as principais comcorrentes”

 

Mas apenas as duas últimas acabaram se tornando sócias da portuguesa ao adquirirem 21% e 32% das ações, respectivamente. “É uma sensação estranha porque as duas são as maiores acionistas da Cimpor e ao mesmo tempo as principais concorrentes no Brasil. 

 

É algo que não se vê todos os dias”, diz Lencastre, que está na empresa há mais de 30 anos e já esteve no comando de outra subsidiária, a de Moçambique, na África. Trata-se de uma questão tão importante que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) assinou um acordo com a Votorantim e a Camargo para que não haja interferência na gestão até que o órgão dê seu parecer final. 

 

Lencastre diz que o contato com os executivos das duas companhias é raríssimo, só acontece em reuniões institucionais. “Não há telefonemas nem reuniões entre nós aqui. A partipação deles se resume à assembleia de acionistas em Portugal”, diz. 

 

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R$ 540 milhões será o investimento da Cimpor no Brasil. O anúncio só veio depois de as

acionistas brasileiras terem divulgado seus planos de ampliação

 

E prossegue. “Tenho total autonomia. Não faria sentido ter dois acionistas se digladiando dentro da própria Cimpor.” Pode ser, mas as decisões estratégicas que norteiam a empresa, como Lencastre deixa escapar, são tomadas em Portugal, onde as brasileiras apitam. 

 

Ao que tudo indica, seja de forma direta, seja indireta, a presença das concorrentes como maiores acionistas tem influenciado nas decisões da Cimpor no Brasil. A portuguesa – que por aqui produz 6,4 milhões de toneladas de cimento e tem oito plantas, principalmente no Nordeste, onde conta com quatro delas – acaba de anunciar investimentos de 240 milhões de euros (cerca de R$ 540 milhões). 

 

Com isso, ampliará sua capacidade em terras brasileiras, chegando a 8,8 milhões de toneladas em três anos. O aporte prevê a construção de uma nova fábrica em Caxitu (PB) e mais uma linha produtiva na planta de Cezarina (GO). 

 

Mas a decisão só foi tomada depois que todas as grandes concorrentes, incluindo Camargo e Votorantim, já tinham divulgado seus planos de ampliação. A demora pode significar perda de mercado. 

 

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“Mesmo com autonomia, o executivo vai sempre ter que agir conforme decisão da assembleia de acionistas”, lembra Francisco D’Orto, coordenador do MBA executivo da Trevisan Escola de Negócios. 

 

Juntas, as duas brasileiras possuem 53% do total da Cimpor. Ou seja, a maioria, e, portanto, a decisão final acaba sendo delas. “O interesse de ambas tenderá mais para a reserva de mercado e para a tentativa de evitar uma guerra de preços no Brasil”, diz D’Orto. Procuradas, Votorantim e Camargo não quiseram se pronunciar. 

 

O avanço das rivais sobre a Cimpor ocorreu por dois motivos. O primeiro era tentar barrar a CSN, que pretendia assumir o controle da portuguesa. O segundo é o momento que o setor atravessa. 

 

Há um aquecimento do mercado imobiliário e várias obras de infraestrutura estão previstas. Com tanto consumo, a capacidade produtiva nacional ficou pequena. Falta cimento e as empresas passaram a importar. 

 

Até o fim do ano, o País produzirá 57,8 milhões de toneladas e terá importado outro um milhão. Para não perder espaço no mercado, desde junho as principais empresas do setor se movimentam para ampliar a produção. 

 

Até 2016 serão investidos R$ 15 bilhões, o que adicionará 44 milhões de toneladas à atual capacidade da indústria, alta de 70%. “É uma mudança de patamar”, diz José Carvalho, vice-presidente do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC).