16/11/2011 - 21:00
Depois de passar quatro dias em conversas com líderes europeus na reunião do G-20, na França, a presidente Dilma Rousseff regressou ao Brasil muito preocupada com o ambiente econômico mundial. Com o perdão do trocadilho, a Desunião Europeia impressionou a presidente. Na segunda-feira 7, na reunião com os líderes dos partidos aliados, em Brasília, ela deu o recado: a crise é séria e o Brasil deve se preparar para enfrentá-la. Todo o cuidado é pouco com a ausência de uma ação decisiva dos países europeus para estancar de vez a tormenta financeira que assola a Grécia e, somente nesta semana, derrubou o primeiro-ministro, George Papandreou, e o colega italiano Silvio Berlusconi (leia mais na pág. 42). O continente, que viveu duas grandes guerras mundiais, enfrenta agora o duro desafio de superar rivalidades históricas e salvar a moeda comum, o euro. Nesse conflito, estão em jogo os interesses econômicos dos países desenvolvidos e emergentes, como o Brasil e a China. “De certa forma, a Europa é palco de uma terceira guerra mundial”, afirmou Ideli Salvatti, ministra de Relações Institucionais, a interlocutores no Planalto.
Terça-feira 8 de novembro: a presidente Dilma lança no Palácio do Planalto os programas de saúde
Melhor em Casa e SOS Emergência
E como enfrentar essa dor de cabeça que vem de fora? Dilma quer manter a receita de sucesso consagrada pelo Brasil desde 2008. “Com controle de gastos, oferta de crédito e crescimento econômico”, resume Ideli. A presidente determinou esforço redobrado para manter as contas públicas sob controle. Aos aliados, ela disse que era essencial aprovar, no Congresso, a renovação da Desvinculação das Receitas da União (DRU), que permite remanejar 20% do orçamento de cada ministério e dá a flexibilidade necessária ao governo para atuar com rapidez no combate à crise externa. Dito e feito: três dias depois, a medida passou no plenário da Câmara. Na quinta-feira 11, Dilma falou publicamente sobre o assunto. Citou a previsão da diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, de que a Europa irá viver uma “década perdida” se as nações não se unirem e trabalharem juntas no mesmo dia, a Comissão Europeia divulgou uma previsão de recessão para os próximos meses e crescimento de apenas 0,5% em 2012. “Óbvio que isso vai afetar o nível de crescimento do mundo”, afirmou Dilma, em entrevista coletiva no Palácio do Planalto. Para ela, o Brasil está em situação bem diferente. “Nós dependemos da própria capacidade.
Está nas nossas mãos manter o investimento, manter o emprego, continuar crescendo e, ao mesmo tempo, preservando as condições que distinguem o Brasil”, disse a presidente. As prioridades são preservar a solidez macroeconômica e as políticas de investimento em infraestrutura e na área industrial. É evidente que a situação brasileira é muito melhor do que a de muitos países desenvolvidos, que têm um problema fiscal para enfrentar. Mas, no mundo globalizado, nenhum país é uma ilha. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, diz que a crise já está afetando os emergentes e alguns países já estão sofrendo com a saída de capitais. Mesmo com o colchão de reservas de US$ 353 bilhões e o elevado volume de investimentos estrangeiros, o Brasil tem motivos para colocar as barbas de molho. “Nós temos que nos preocupar com isso”, afirmou Mantega. “Se os emergentes forem atingidos, a situação internacional vai ficar pior.” Com a deterioração da crise na Europa, como ficam as empresas brasileiras, que exportaram US$ 39,7 bilhões para a região até setembro deste ano?
O bloco perdeu importância relativa nos últimos anos com a expansão do comércio com a China, mas a região ainda responde por 20,9% das vendas externas do País.
Curado, da Embraer: ”Não vemos um processo de desintegração da economia mundial ou uma crise aguda”
Embora o Brasil tenha bons fundamentos macroeconômicos e apreciável volume de reservas, as empresas brasileiras podem sofrer se a situação na Europa piorar. “É a crise que a gente não queria. Só não é pior que uma crise na China”, diz José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil. O principal impacto deve ser sentido no preço dos produtos básicos, se a queda que ocorreu em setembro continuar. “A nossa grande vulnerabilidade atual é o risco de redução do preço das commodities”, afirma o economista Fernando Ribeiro, da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior. O que os analistas não arriscam prever é se a recessão na Europa vai continuar derrubando os preços, com a menor pressão pela demanda ou se, ao contrário, o medo da crise levará a uma corrida por papéis de produtos agrícolas e minerais. Nos últimos anos, o aumento das exportações brasileiras se deu pelo ganho de preço das commodities. Em 12 meses, a alta é de 29%, em média. “Se formos só depender do aumento do volume, podemos ter problemas na balança comercial em 2012”, diz Ribeiro.
Os produtos básicos respondem por pouco mais da metade das exportações brasileiras para a União Europeia. O restante são produtos manufaturados ou semimanufaturados. E é essa parcela que preocupa a Confederação Nacional da Indústria (CNI), que teme uma retração do mercado europeu por um tempo prolongado e uma maior concorrência por parte dos próprios países do bloco. “Quando o cobertor é curto, um lado fica de fora”, afirma o economista-chefe da CNI, Flávio Castelo Branco. A fabricante de calçados Picadilly, que exporta 4% da produção para a Europa, já se prepara para uma queda entre 30% e 40% nos embarques deste ano. Ainda assim, o mercado continua importante para a empresa, que conseguiu manter a marca bem posicionada nas lojas. “Se até o ano passado os distribuidores de calçados estrangeiros vendiam dez marcas na Europa, agora estão com quatro, entre elas a nossa”, diz a gerente de exportação, Tatiana Macedo Muller.
Ideli e Mantega: a Europa é palco de uma terceira guerra mundial. Se os emergentes forem atingidos, a situação internacional vai piorar
Nos últimos meses, as exportações de calçados já caíram. De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), a fatia do mercado europeu caiu de 35% no ano passado para 28,5% em outubro deste ano. Os embarques do setor devem cair de US$ 1,3 bilhão no ano passado para US$ 1,2 bilhão este ano. Grandes exportadores, como Embraer e Vale, têm na Europa um mercado importante e, ao menos publicamente, não trabalham com a hipótese de queda forte nas vendas. Para a Vale, a Europa é o terceiro maior mercado, com 18,7% das vendas totais, depois da China e da América do Sul. A empresa já vinha sentindo o arrefecimento do mercado, mas acredita que a demanda de países como Japão, Estados Unidos e China, que ainda cresce forte, pode atenuar os efeitos da crise europeia. A Embraer remete para companhias europeias um terço das vendas externas, que somaram US$ 2,6 bilhões neste ano, até setembro. “Não vemos um processo de desintegração da economia mundial ou uma crise aguda”, disse Frederico Curado, presidente da Embraer, na sexta-feira 4, ao divulgar os resultados do terceiro trimestre.
Colaboraram Guilherme Queiroz e Cristiano Zaia