04/11/2016 - 20:00
No dia 8 de novembro, os eleitores americanos elegerão o substituto de Barack Obama para os próximos quatro anos. É difícil, porém, identificar quem lidera a corrida presidencial, principalmente por ela sofrer constantes reviravoltas. De um lado, o candidato republicado envolvido em polêmicas, como os escândalos de abuso sexual. Do outro, a candidata democrata Hillary Clinton estampa a capa de jornais do mundo todo por ser alvo de uma investigação do FBI. Até que ponto líderes instáveis são prejudiciais para o desenvolvimento de organizações, sejam elas públicas ou privadas? Nascida nos Estados Unidos, a professora de liderança e comportamento em organizações Jennifer Jordan, do IMD Business, é uma especialista no assunto. Com passagens pela University of Groningen, na Holanda, e Kellogg School of Management and Tuck School of Business, nos Estados Unidos, Jennifer falou à DINHEIRO sobre a preocupação de um cenário com Donald Trump sendo o novo presidente dos Estados Unidos. A pesquisadora se mostrou otimista em relação à evolução da igualdade de gênero e explicou a importância das empresas olharem mais para políticas de transparência e governança corporativa. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
DINHEIRO – Em seu mais recente artigo, a sra. fala sobre o perigo de ter líderes imprevisíveis, tanto em instituições públicas ou privadas. Como podemos identificar os “líderes imprevisíveis”?
JENNIFER JORDAN – É possível descrever um líder imprevisível por meio de algumas características. Normalmente, são pessoas que não se comunicam com clareza, não tem políticas e estratégias definidas. Eles mudam de opinião e ideologia com facilidade e não falam claramente com as pessoas com que fazem negócios. Nesse sentido, fica difícil compreender os próximos passos. Ou, como elas reagirão a determinados assuntos e situações.
DINHEIRO – O candidato republicano à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, é um grande exemplo de líder imprevisível?
JORDAN – Sem dúvida, Trump é o melhor exemplo de líder imprevisível. É possível afirmar isso levando em consideração todo o comportamento que Trump teve ao longo de sua campanha. Ele foi polêmico, imprevisível e controverso. É como se ele fizesse o que quer, sem se preocupar se é ético, ou se afeta algumas políticas e valores. Ele se considera um bom estrategista e diz que ser imprevisível faz parte de sua estratégia, pois, assim, seus inimigos não saberão quais serão os seus próximos passos. Mas ele não reconhece as consequências que sua imprevisibilidade pode causar para instituições sólidas. Ele não dimensiona o que isso pode causar para a população em geral.
DINHEIRO – Há realmente com o que se preocupar se Donald Trump vencer a corrida eleitoral americana?
JORDAN – Não gostaria de me posicionar politicamente. Porém, avaliando a maneira como ele conduz a campanha política, seria preocupante ter Donald Trump na Casa Branca. Principalmente por se tratar da Presidência. O grande problema de Trump é exatamente a falta de clareza em sua postura. Não estou certa de como ele trabalhará. Ele não tem políticas pré-estabelecidas, muda de ideia constantemente, se contradiz. Isso é perigoso em momentos de negociação, por exemplo. Um outro ponto que não podemos esquecer, porém, é que ele é um grande homem de negócios e sempre foi bem sucedido. Surpreenderia-me se ele não usasse as estratégias que comandou seus negócios, para conduzir a presidência dos EUA. Mas tudo isso pode ser vago. Mais uma vez, fica muito difícil de falar ou pensar em como ele agirá caso se torne o presidente dos EUA.
DINHEIRO –Enquanto isso, Hillary Clinton está passando por outra crise de credibilidade, com as investigações do FBI. É possível que isso a faça perder as eleições?
JORDAN – O grande ponto dessa questão é que as investigações tratam sobre a transparência da candidata. Escândalos como esses sempre são prejudiciais para a reputação de qualquer figura pública. No caso de Hillary, ela já passou por outros episódios. De um lado temos a imprevisibilidade do Donald Trump, e do outro, temos a campanha da Hillary tentando reverter esse quadro. E eu acredito que isso será um ponto muito difícil para a população americana aceitar. Não tenho certeza se poderá fazer com que ela perca as eleições, mas certamente não irá ajudá-la.
DINHEIRO – Casos de investigação como os de Hillary Clinton estão cada vez mais comuns entre líderes globais. Como eles devem agir em situações como essa, para reverter o cenário de crise de credibilidade?
JORDAN – O primeiro passo, e que muitos se esquecem, é admitir publicamente o erro. Admitir que errou é algo muito positivo. O que eu recomendaria para os assessores de Hillary Clinton, se eu tivesse uma reunião com eles, seria “ok, agora vocês têm a oportunidade de demonstrar que podem dar um bom exemplo. Mostrem que, se ela ganhar a corrida eleitoral, ela poderá traçar os rumos da política de uma maneira mais clara que seu adversário.” O principal ponto em relação aos escândalos envolvendo a candidata democrata é parecer que ela não é muito transparente em suas ações. Que ela comete atos ilegais. Em casos como esse, quando a figura pública muda a forma de tratar questões políticas, aplicando regras mais claras e objetivas, o cenário de crise pode ser revertido, pois terá um processo mais transparente.
DINHEIRO – Se a Hillary Clinton se tornar presidente dos EUA, será a primeira mulher a ocupar o cargo mais importante da Casa Branca. A sra. acredita que isso será um marco para acelerar a igualdade de gênero, não apenas na política, mas na economia?
JORDAN – Acredito que já estamos fazendo um bom trabalho e avançando na igualdade de gênero. Temos grandes exemplos, como na Alemanha, com Angela Merkel. Eu considero tudo isso muito positivo, mas ainda há muito a se fazer. O ponto é que as instituições públicas e privadas estão reconhecendo a importância da igualdade de gênero para o desenvolvimento como um todo. Como americana, ter uma mulher na presidência do meu país é muito importante. Nós temos muitas mulheres em cargos de liderança nos Estados Unidos, mas nunca tivemos uma presidente mulher. Isso abriria a porta para outras candidatas no futuro. Mas dependerá muito da gestão de Hillary e de como ela será lembrada como presidente, caso ela seja eleita. Se ela fizer um bom mandato, com certeza, ficará muito mais fácil. Nesse sentido, não depende muito se é homem ou mulher, mas qual será o exemplo de liderança que ela vai deixar.
DINHEIRO –Como podemos aumentar a participação feminina em cargos de liderança?
JORDAN – Existem várias maneiras para promover isso. Eu acredito que ainda há muito a ser aprimorado, principalmente no quesito maternidade. Em como as empresas ou organizações públicas lidam com isso, para não afastar as mulheres. A criação de programas que deem um espaço maior e mais liberdade para as mulheres, por exemplo, é importante. Não se trata apenas de uma questão de perfis de liderança, mas, sim, das oportunidades que oferecem a elas. Já existem mulheres em cargos de liderança, em conselhos administrativos. Porém, ainda há um grande caminho a ser percorrido.
DINHEIRO – O mundo está passando por um processo de desglobalização e protecionismo. O processo do Brexit é um exemplo prático disso. A sra. acredita que essa transformação ocorre pela falta de preparo dos líderes globais?
JORDAN – Está cada vez mais claro que o mundo passa por transformações sociais e econômicas, e que a população global não está satisfeita com diversos pontos. Eu acredito que existem alguns níveis de negação de parte dos líderes. As pessoas querem passar por mudanças. Porém, alguns líderes se mostram inflexíveis. Isso acaba provocando problemas domésticos. Não há como ignorar as novas tendências globais. Cabe a esses líderes, porém, direcionar e avaliar o que será melhor para a população como um todo. Os processos estão cada vez mais rápidos e os meios digitais estão acelerando isso cada vez mais. O que não pode acontecer é subestimar a vontade da maioria e a força da população. Assim como a influência do mundo digital.
DINHEIRO –A Europa passa por uma das piores crises de migração da atualidade. Muito se discute sobre a atuação da União Europeia nesse caso. A sra. acredita que o bloco deve se reformar?
JORDAN – A questão migratória é um problema muito difícil de ser discutido. Não gira em torno apenas de uma crise humanitária. Envolve questões, como as econômicas. O grande problema é que, por se tratar de um bloco, eles devem sempre levar em consideração os valores e propostas que os uniram. A questão é como resolver isso democraticamente. Não tenho dúvidas de que esse é um dos grandes problemas e crises que a União enfrentou nos últimos vinte anos. Acredito que o ideal é sempre tentar tornar tudo mais transparente. Compreender
os principais pontos que direcionam
o bloco hoje.
DINHEIRO – Na região da América Latina, países como Brasil e Venezuela passam por problemas de recessão econômica relacionadas à liderança. No Brasil, a resolução veio com o processo de impeachment. Na Venezuela, o presidente Nicolás Maduro enfrenta pressão da oposição para deixar o governo. A sra. considera que isso ainda seja um problema recorrente de países emergentes?
JORDAN – Eu não colocaria o Brasil no mesmo patamar de países emergentes. Para mim, o Brasil já deixou de ser um país emergente e está no mesmo nível dos países europeus, por exemplo. Mas, falando de uma forma geral, o que vemos é que líderes de novas organizações – nesse caso, de países emergentes –, tendem a ser mais centralizadores. Porém, o que ocorre em muitos casos em países como esse é que nem sempre eles estão preparados para lidar com algumas situações. Acredito que, de certa maneira, isso seja mais uma questão psicológica. Quando falamos de organizações consideravelmente novas, os líderes tendem a ser mais centralizadores, porque, culturalmente, esses líderes querem influenciar e se mostrar como um grande exemplo. Nesse meio tempo, problemas de corrupção que acabam entrando no meio do caminho. É um tema delicado.
DINHEIRO – Casos de corrupção e fraudes em grandes companhias também estão mais frequentes. No Brasil, temos o escândalo da Lava Jato. Globalmente, Volkswagen e Rolls Royce são investigadas. Como as companhias devem trabalhar para reverter esse cenário?
JORDAN – As organizações devem aprender com esses erros e compreender que os processos de transparência e de governança mudaram nos últimos dez anos. As pessoas estão mais preocupadas com questões éticas e políticas. O grande “porém” é que muitas empresas subestimam isso. Companhias que enfrentam problemas de corrupção ou fraude devem estar mais atentas aos seus valores, ao que se propuseram seguir. Para mim, como especialista em liderança, essa é a principal lição para lidar com problemas de imagem e credibilidade.