A empresária Luiza Trajano ficou mais famosa ainda, no fim de janeiro, ao contestar, no programa de tevê Manhattan Connection, uma tese maluca de que o varejo brasileiro vive uma crise de inadimplência. O vídeo da entrevista, disponível no YouTube, foi visto milhares de vezes e replicado nas redes sociais. Dona Luiza, é certo, estava mais certa do que nunca e os pessimistas estão errados. A inadimplência dos consumidores segue em queda no Brasil, como mostram os balanços de dois gigantes do varejo, divulgados na semana passada. Aos números. O Bradesco informou um lucro recorde de R$ 12,2 bilhões, com avanço de 5,9% em relação a 2012. 

 

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Trabuco e Zabalza (à dir.): índice de inadimplência fica abaixo de 4% em 2013

 

O Santander ganhou R$ 5,7 bilhões, queda de 9,7% diante do resultado do ano anterior. Ambos comemoraram uma boa notícia: há menos caloteiros na praça. Nos dois casos, houve uma melhora na qualidade dos empréstimos, pois mais credores estão pagando o que devem. Segundo dados do Banco Central, enquanto o saldo de operações de crédito dos bancos privados teve um salto de 6,6% em 2013, os calotes apresentaram retração de 1%. Esse fenômeno tem ido muito além do sistema financeiro. As famílias brasileiras começaram 2014 menos endividadas e a expectativa é que esse quadro melhore ainda mais ao longo do ano. 

 

Uma pesquisa da empresa de cadastro Boa Vista Serviços mostra que a demanda por empréstimos caiu, e bancos, lojas e financeiras têm sido mais cautelosos na hora de emprestar. No ano passado, essas instituições financeiras tornaram-se mais criteriosas, o que fez com que os índices de inadimplência atingissem mínimos históricos. Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do Bradesco, celebrou a queda de 0,6 ponto percentual no calote nos empréstimos com atrasos superiores a 90 dias (principal medida de inadimplência dos bancos). O indicador passou de 4,1%, no fim de 2012, para 3,5%, em 2013. É o menor patamar desde dezembro de 2008. 

 

“O consumidor brasileiro tem sido mais disciplinado com seu orçamento.”

Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco

 

Esse número traduz a decisão do banco de dar maior espaço para empréstimos pessoais consignados, que são cobrados diretamente na folha de pagamentos, e para financiamento imobiliário. Essas carteiras são consideradas mais “seguras”, ou seja, com menor risco de calote. “Também mostra que o consumidor brasileiro tem sido mais disciplinado com seu orçamento”, diz Trabuco. “A nossa carteira de crédito chegou a R$ 427 bilhões, alta de 10,8%. Ela cresceu menos do que prevíamos inicialmente, mas esteve em sintonia com o ritmo da economia brasileira.” O Santander também conseguiu melhorar a qualidade de sua carteira de empréstimos. 

 

“Renegociamos os empréstimos, o que permitiu que reduzíssemos a inadimplência.”

Jesús Zabalza, presidente do Santader Brasil

 

O atraso acima de 90 dias encolheu em quase um terço, de 5,5% da carteira em dezembro de 2012 para 3,7% no fim de 2013. “Realizamos uma campanha maciça de renegociação com nossos clientes, mudamos as condições e isso permitiu reduzir a fatia de empréstimos em atraso”, diz Jesús Zabalza, presidente do Santander Brasil. Com isso, o banco foi capaz de elevar os empréstimos em mais de R$ 20 bilhões ao longo do ano passado, e, mesmo assim, perder menos com calotes (veja quadro ao final da reportagem). Segundo João Augusto Salles, da consultoria carioca Lopes Filho & Associados, os movimentos de Bradesco e Santander foram seguidos por outros bancos, e o resultado deve aparecer nos próximos balanços. 

 

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Visão precoce: Luiza Trajano, do Magazine Luiza: há um temor

injustificado da inadimplência

 

“Essa troca de crédito ruim por um de maior qualidade significou reduzir exposição a segmentos como Crédito Direto ao Consumidor (CDC), de pequenas e médias empresas, além de veículos”, afirma. A expectativa é que, em 2014, o avanço da carteira de crédito do Bradesco fique entre 10% e 14% com destaque para crescimento dos empréstimos para pessoa física. “Também estamos olhando com atenção o maior crescimento na demanda de crédito por parte de pequenas e médias empresas e achamos que a próxima etapa do desenvolvimento brasileiro será pelo desenvolvimento empresarial”, afirma Trabuco. 

 

O Santander espera crescer em segmentos menos arriscados, como os empréstimos imobiliários e, retomando uma tradição do antigo Banespa, comprado no ano 2000, e nos créditos para o agronegócio. “Atualmente temos 4% desse mercado e queremos elevar essa participação para 10%”, diz Zabalza. Mesmo sofrendo menos com a inadimplência, o sistema financeiro vai enfrentar um cenário mais difícil nos próximos anos. Segundo Salles, a rentabilidade dos bancos privados vem se sustentando ou caindo. No caso do Bradesco, o retorno anualizado sobre patrimônio líquido (ROAE) ficou em 18%, piso da meta, o que representa um recuo de 1,2 ponto percentual em relação a 2012. O Santander informou uma queda de quase dois pontos percentuais, de 12,9% para 11% em 2013.

 

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