21/03/2012 - 21:00
Não é por acaso que a temida comissária europeia para a agenda digital, a alemã Neelie Kroes, não sai da lista das mulheres mais poderosas do mundo, publicada anualmente pela revista americana Forbes. Responsável por assegurar a competição na União Europeia na década de 1990, Neelie supervisionou o processo contra a Microsoft, no histórico caso de concorrência que forçou a gigante americana a mudar a maneira de vender os softwares integrados ao sistema operacional Windows. Agora, passados quase 20 anos desde o início do processo contra a Microsoft, Neelie está envolvida numa nova cruzada, que pode atingir em cheio os modelos de negócio de gigantes como Facebook e Google: a proteção a dados pessoais.
Todo poderosa: “Se o consumidor entender como cada site usa suas informações pessoais,
poderá decidir migrar de serviço com base nessa política”, diz Neelie.
A nova legislação da Comunidade Europeia sobre o assunto, divulgada em janeiro, para entrar em vigor em 2014, prevê que os usuários tenham controle sobre o uso de seus dados pessoais pelas empresas. Terão de ser informados e dar permissão para que um aplicativo acesse, por exemplo, as listas de contatos ou histórico de buscas. E, principalmente, poderão determinar que seus dados sejam deletados ou transferidos se decidirem migrar de um serviço para outro. Por exemplo, se alguém decidir trocar o Facebook pelo Google+, a rede social de Mark Zuckerberg será obrigada a transferir ao concorrente todas as fotos e posts e apagar todas as informações daquela pessoa armazenadas nos servidores.
“A portabilidade dos dados estimulará a competição como ocorreu na telefonia celular”, afirmou Neelie, na quarta-feira 7, durante um seminário na Cebit, a maior feira de tecnologia do mundo, realizada anualmente em Hannover, na Alemanha. O princípio seguido pela lei, de que o usuário é o dono de seus dados pessoais, terá um impacto drástico sobre o modelo de negócio de empresas que usam dados do comportamento dos usuários, de fotos postadas em redes sociais a compras e buscas para gerar publicidade direcionada. Neelie não se abalou nem mesmo quando o moderador do debate perguntou se as regras propostas pela Comissão Europeia não seriam um impedimento para a inovação, retrucando que a competição criada pelas regras permitirá o surgimento de novas companhias.
Ao lado da comissária, evitando ao máximo entrar em qualquer polêmica, estava o diretor de política do Facebook para a Europa, Richard Allan. A diretora operacional (COO, na sigla em inglês) do Facebook, Sheryl Sandberg, chegou a dizer durante o fórum de Davos, na Suíça, que as novas regras europeias podem ameaçar a criação de empregos nas companhias de tecnologia. Allan, bem mais comedido, concordou que as empresas precisam ser transparentes com os usuários, mas alertou para os exageros. “Muita gente não entende totalmente como os dados são usados e imagina coisas assustadoras, que na realidade não ocorrem”, afirmou.
As empresas também argumentam que a noção de privacidade entre as novas gerações, que vivem pelo Facebook, é muito diferente do conceito das pessoas mais velhas. Outra mudança proposta pela União Europeia é a maior clareza para o usuário sobre a coleta e o uso das informações pessoais. Os reguladores acreditam que a forma atual de informar o usuário, com longos textos legais sob a rubrica “termos e condições”, quando se adere a um serviço, precisa ser mudada, pois dificilmente os usuários leem esses termos de adesão. A ideia é fazer com que os sites coloquem um texto simples, de não mais de uma página, que explicite as informações coletadas e como o aplicativo ou site vai usá-las.
“Se o consumidor entender como cada site usa suas informações pessoais, poderá decidir migrar com base nessa política”, afirma Neelie. Quando entrar em vigor, em 2014, a lei aplicará multas altíssimas, de até 2% da receita anual global das empresas. Mas a União Europeia não esperou as novas regras para declarar guerra aberta ao Google, que acusou o golpe. O CEO da empresa, Eric Schmidt, sentou-se ao lado da chanceler alemã Angela Merkel durante a abertura da Cebit. Mas não mandou nenhum representante do Google à discussão com a comissária Neelie.
Enviada especial a Hannover (Alemanha)