29/05/2015 - 20:00
Aficionados por obras de arte conseguem reconhecer facilmente falhas em telas e esculturas que seriam imperceptíveis para leigos. Um trabalho minucioso semelhante — no mundo jurídico — fez com que um colecionador de quase mil peças valiosas tivesse a sua prisão revogada. O ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira havia sido condenado a 21 anos de prisão, em dezembro de 2006, pela quebra do Banco Santos, que apresentava um rombo de mais de R$ 2,1 bilhões, ao sofrer a intervenção do Banco Central, em novembro de 2004.
No entanto, na terça-feira 26, desembargadores do Tribunal Regional Federal da 3a Região entenderam que houve irregularidades durante o processo que culminou na condenação de Cid Ferreira por crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Agora, o caso voltará à Justiça federal e os interrogatórios serão refeitos. Procurado, o advogado de defesa do ex-banqueiro, Alberto Toron, não respondeu aos pedidos de entrevista. O processo deve se arrastar por mais algum tempo, mas os 2.116 credores do banco não veem a hora de serem ressarcidos.
Está previsto o leilão da casa de quatro mil metros quadrados do ex-banqueiro, no bairro do Morumbi, em São Paulo, e de sua coleção de 961 obras de arte. O dinheiro arrecadado será repassado para a massa falida do banco. Os credores do Santos, no entanto, não são os únicos que aguardam por um desfecho no curto prazo. Estão na mesma situação que os ex-clientes do Banco BVA, que sofreu intervenção em outubro de 2012. Oito meses depois de a falência do BVA ter sido decretada, em setembro de 2014, o administrador da massa falida, o escritório brasileiro da consultoria americana Alvarez & Marsal, quer colocar à venda o que restou do banco.
Com esse objetivo, enviou, na segunda-feira 25, um relatório com os números da instituição para um grupo seleto de especialistas. Em troca, pediu que calculassem o valor da carteira até sexta-feira, 29 de maio. Concluída essa etapa, começará a disputa pela aquisição da massa falida. Mas o que há dentro dessa caixa preta? Segundo o documento, ao qual a DINHEIRO teve acesso com exclusividade, o saldo contábil da carteira comercial é de R$ 3,4 bilhões, em sua quase totalidade (R$ 3,38 bilhões) de títulos inadimplentes. Pouco mais de três quartos desses ativos podres – quase R$ 2,6 bilhões – são garantidos por ativos reais.
“É uma carteira excelente”, disse um empresário do mercado financeiro, candidato a comprar a carteira e que preferiu não se identificar. No final, essa avaliação tem um gostinho de vitória para Ivo Lodo, ex-dono do BVA. Além disso, existe uma carteira de crédito consignado com um saldo de R$ 44,3 milhões. Esse tipo de empréstimo é entendido como mais seguro, uma vez que as parcelas são descontadas diretamente da folha de pagamento dos trabalhadores. No caso do BVA, ela é composta por empréstimos a funcionários das prefeituras de Campos e do Rio de Janeiro, do Estado do Rio de Janeiro, e da carioca Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb).
Quando o BC interveio no BVA, a instituição carregava uma dívida que superava o valor do seu patrimônio líquido em R$ 1,5 bilhão e detinha 0,17% dos ativos do sistema financeiro e 0,24% dos depósitos. Em junho do ano seguinte, a autoridade monetária decretou a liquidação extrajudicial e, em setembro de 2014, o banco, que contava com sete agências nos Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, teve a sua falência decretada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
A aquisição de créditos dados como perdidos pode parecer algo que não faz sentido à primeira vista, mas, em geral, o comprador paga pouco pelos empréstimos – no que se costuma denominar de bacia das almas – e cobra os devedores com afinco. Qualquer valor recuperado representa lucro. Não fosse um bom negócio, o empresário Carlos Alberto de Oliveira Andrade, proprietário do Grupo Caoa, que tinha R$ 500 milhões investidos no banco, não teria se oferecido para assumir o comando do BVA, antes mesmo da intervenção. Agora, porém, tudo indica que a massa falida será comprada e que os credores poderão, enfim, ficar livres da espera.