21/10/2011 - 21:00
A presidente da GM no Brasil, Grace Lieblein, ainda engatinha no português e recorre ao espanhol quando esquece de uma palavra. Anotou no Blackberry algumas expressões-chave para se virar sozinha no supermercado e no cabeleireiro. Por enquanto, prefere conceder entrevistas em inglês. O certo é que a executiva, que assumiu o comando da terceira maior montadora automobilística do País há pouco mais de quatro meses, parece muito mais adaptada à cultura brasileira do que sua ainda escassa habilidade no idioma poderia fazer supor. A simpatia da engenheira, de 50 anos, chega a ser desconcertante: pouco antes de conceder à DINHEIRO sua primeira entrevista exclusiva depois de assumir o cargo, na sede da General Motors, em Detroit, durante as comemorações dos 100 anos da marca Chevrolet, Grace faz menção de ajudar a me servir um café. Discute com a mesma animação o estilo de suas lojas de roupas preferidas, o gosto do marido, o também engenheiro da GM Tom, por vinhos, e, logicamente, detalhes de design de carros. Está adorando a Vila Nova Conceição, na zona sul de São Paulo, para onde acaba de se mudar, ironicamente porque pode fazer tudo a pé, sem depender do carro.
Grace Lieblein: ”Nunca é tarde demais para colocar um bom carro na rua”
Para quem construiu uma brilhante carreira na área técnica na matriz – seu último cargo antes de assumir a subsidiária mexicana foi o de chefe global de engenharia de SUVs e picapes –, a executiva demonstra surpreendente habilidade política. Sua passagem pela presidência no México coincidiu com a maior crise da história da GM, que quase levou a centenária companhia à falência. A filial mexicana dava prejuízo, e Grace, apesar do jeitinho suave, foi implacável na reorganização, privilegiando a produção dos veículos mais rentáveis. A GM nunca recuperou no México a liderança perdida para a Nissan em 2008, mas os resultados da filial voltaram ao azul. Um dos feitos nada triviais de Grace foi conseguir que governos de Estados mexicanos concordassem em pagar parte dos salários dos funcionários em férias coletivas para evitar demissões. O jogo de cintura latino de Grace – ela é filha de um cubano e uma nicaraguense – será necessário para que consiga liderar as mudanças e aprovar a nova rodada de investimentos que ocorrerá a partir de 2013. A executiva, que está há 33 anos na companhia, comandará nada menos que 13 lançamentos até o fim de 2013. O ritmo será o de um carro novo, em média, a cada dois meses. O desafio que ela tem pela frente não é pequeno.
Já há algum tempo a montadora vem perdendo participação de mercado: saiu de 22% no início do ano passado para 19,9% em setembro, afetada pelo acirramento da concorrência, tanto com os importados chineses e coreanos quanto com competidores instalados no Brasil mais ágeis para colocar novos carros no mercado. A GM, que teve três presidentes em menos de 24 meses – a antecessora Denise Johnson ficou apenas oito meses no cargo –, tenta reagir. No início de 2008, um pouco antes do começo da crise, a montadora deu a partida a um alentado programa de investimentos, que prevê um desembolso de R$ 5 bilhões até 2012. A despeito desse esforço, o programa andou em marcha lenta, o que fez com que o lançamento de novos modelos ficasse atrasado. A razão principal foi a crise da matriz nesse período. Mas há quem diga que divergências sobre os projetos no Brasil também atrasaram os lançamentos. Sem demonstrar nem uma ponta de irritação quando perguntada sobre o assunto, Grace admite que o portfólio da GM brasileira está desatualizado. “Estamos onde estamos por muitas e diferentes razões”, afirma. Mas, otimista por natureza, ela acredita que os novos carros mudarão o quadro. “Nunca é tarde demais para colocar um bom produto na rua”, diz. A presidente da GM cita como exemplo o sedã médio Cruze, carro global desenvolvido na Coreia, que começou a ser vendido no País no mês passado.
“Temos fila de espera de até três meses para algumas versões”, diz. Mas analistas como o consultor Fernando Trujillo, da CSM Worldwide, acreditam que não adianta a montadora trazer tecnologia sem ter preços competitivos. “O Cruze tem tecnologia, mas o preço deixa a desejar”, afirma. O sedã custa de R$ 68 mil a R$ 79 mil. As próximas apostas da GM são o sedã compacto Cobalt, que chega no mês que vem, para substituir provavelmente o Corsa sedan, e a picape Colorado (ainda sem nome por aqui), que entrará no lugar da S-10. Ambos foram desenvolvidos na fábrica de São Caetano do Sul, um dos cinco centros de desenvolvimento da GM no mundo. Espera-se para o início do ano uma nova minivan substituindo o Meriva e a Zafira. A montadora também poderia importar alguns de seus modelos fabricados no México, como o Sonic. O primeiro sinal de que Grace pode até ser simpática, mas não deixará de tomar medidas duras para aumentar a rentabilidade da subsidiária brasileira, a exemplo do que fez no México, foi o programa de demissões voluntárias (PDV) anunciado pela GM na terça-feira 18. Jaime Ardila, o presidente da GM América do Sul, explica que a montadora contratou muito nos últimos anos para desenvolver os novos produtos. “Agora que estamos entrando na fase de lançamentos as necessidades são menores”, afirmou. A redução de funcionários administrativos será feita em toda a empresa, mas nas fábricas o corte deve ocorrer principalmente na unidade de São José dos Campos.
Nem mesmo a alta do IPI para carros importados parece ter alterado a urgência de cortar despesas. Tanto Ardila quanto Grace, em conversas com a DINHEIRO, ressaltaram o crescente custo de produção no País e a competição com os asiáticos, argumentos oficiais para a criação do PDV. A executiva sabe que o que fizer agora definirá o futuro da montadora americana no Brasil – se vai lutar pelo primeiro lugar no pódio ou se vai se contentar a marcar passo ou, até mesmo, perder posições. Grace precisa acertar não apenas nos lançamentos dos carros até o ano que vem, mas tomar as decisões corretas sobre o portfólio futuro. Em três ou quatro anos, a concorrência será muito mais acirrada, com a chegada de dezenas de novos modelos dos rivais. “O mercado no Brasil é mais dinâmico do que eu esperava”, diz Grace, surpresa com o quanto mudou o cenário apenas no último ano. “Precisamos ser estratégicos na avaliação do portfólio e não assumir que o que fizemos no passado é a coisa certa para o futuro.” Segundo ela, a prioridade será para os carros compactos, que representam 47% do total de vendas de veículos no País. O Celta, carro de entrada da montadora e líder de vendas, deve deixar de ser produzido em 2014. “Tenho a certeza de que vamos recuperar nossa participação de mercado”, afirma.
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Entrevista:
“Participação de mercado não é o objetivo principal”
Como reverter a perda de participação de mercado da GM?
Alguns novos competidores chineses mu-daram a dinâmica de preços. Todas as quatro grandes – nós, a Volks, Fiat e Ford – perderam mercado para os novos entrantes. Embora a participação de mercado seja importante, para mim não é o objetivo principal. Se você foca apenas na participação de mercado, acaba fazendo besteira. Prefiro focar num bom produto, nos preços competitivos e num bom serviço ao consumidor. Claro que este é um ano duro para nós, porque é um ano de transição. Todo mundo sabe que estamos renovando o portfólio, os clientes esperam pelos novos produtos. Lançamos o Cruze, temos outros 13 modelos para lançar e assim que eles chegarem às concessionárias o consumidor vai voltar. E a participação de mercado tornará a subir.
A concorrência com os carros chineses e coreanos está muito acirrada?
Eles estão mudando o cenário do mercado. Os custos do trabalho, matéria-prima e infraestrutura vêm subindo continuamente no País, e isso nos preocupa. Os preços altos, de praticamente tudo, me chamaram muito a atenção quando cheguei ao Brasil. É um problema manter a competitividade do País na produção. Estamos tentando produzir um carro a preços competitivos para o nosso consumidor. Sem essa estrutura de custos, os importadores têm uma vantagem muito grande. Desse ponto de vista, é bom que a Hyundai e alguns chineses abram fábricas no Brasil, para que a competição seja em igualdade de condições. E que ganhe o melhor carro.
Não é injusto proteger multinacionais aumentando o IPI para carros importados?
É verdade que não somos uma empresa brasileira, mas estamos no País há 86 anos, empregamos mais de 25 mil pessoas, investimos bilhões e bilhões de dólares nesse período. Este argumento não é justo com a indústria instalada no Brasil. Nós contribuímos para a economia e para o bem-estar da população brasileira. Estou esperando para ver como o IPI afetará o mercado e fazer os ajustes necessários. Concordo com o Jaime Ardila, presidente da GM América do Sul, quando ele lembra que todo país que tem uma forte indústria automobilística a protege de alguma forma, seja por meio de impostos de importação, seja por incentivos, ou por estímulos a pesquisa e desenvolvimento. Há maneiras de fazer isso e graus de eficácia das ações, mas é importante que a indústria automobilística continue forte no Brasil, porque ela é um componente importante do crescimento econômico. Se o IPI é a resposta certa, não sei. Mas aplaudo o governo pelo interesse e por reconhecer a disparidade na equação econômica entre um mero importador e um fabricante que emprega milhares de pessoas no País.
O Brasil deve crescer como plataforma de lançamento de carros globais?
O País tende a ganhar importância globalmente. A GM Brasil sempre foi conhecida por sua habilidade em adaptar produtos internacionais para o mercado local. Além disso, sendo um mercado emergente, en-tende mais facilmente as necessidades de outros países semelhantes. Se você está sentado aqui em Warren, Michigan, não tem ideia do que são esses mercados. Eu, francamente, não tinha ideia, até viver no México. Mas projetar para os emergentes não é simplesmente tirar itens e fazer uma versão “pelada” do carro. No Brasil há um grande apetite por tecnologia e eletrônica. É preciso encontrar um equilíbrio entre o preço e necessidades do consumidor. Dirijo os carros concebidos em São Caetano do Sul nos nossos campos de provas no Brasil e estou muito impressionada com o trabalho das equipes de desenvolvimento.
Reportagem diretamente de Detroit