N  a sala vip de embarque da TAM Aviação Executiva, divisão de táxi aéreo da maior empresa de transporte de passageiros do País, no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, duas senhoras  elegantes reclamavam da falta de tempo. Uma delas, que carregava a tiracolo uma bolsa Louis Vuitton, se queixava de que não via o marido, ocupado com seus negócios na capital paulista, há uma semana. Na poltrona ao lado, um despojado fazendeiro, de calça jeans e camisa branca, lamentava ter perdido, por apenas 20 minutos, o seu slot de decolagem e teria de esperar mais duas horas por outra oportunidade. Cenas como essas são comuns no seleto mundo dos proprietários de jatos particulares. Para eles, o tamanho das contas bancárias é inversamente proporcional ao tempo disponível. E é justamente nessa dificuldade de conciliar as agendas e as distâncias que as fabricantes de aeronaves se baseiam para, mesmo em momentos de turbulência econômica, aumentarem suas vendas. “Vendemos tempo, não apenas um meio de transporte”, afirma Robert Gibbs, vice-presidente no Brasil da Textron, dona das marcas Cessna, Hawker e Beechcraft. “Muitas vezes, nosso cliente não tem alternativa: é abandonar a família ou usar um jato.”

Dono da segunda maior frota de aviões executivos do mundo, empatado com o México e atrás apenas dos Estados Unidos, o Brasil vem se tornando um mercado cada vez mais importante para as fabricantes de jatos. Tanto que, apesar da crise econômica, as principais empresas do setor estão fazendo uma série de lançamentos neste ano. Durante a Labace, feira do setor aéreo promovida pela Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag), que aconteceu na semana passada, em São Paulo, empresas como Cessna, Embraer, Bombardier e Dassault apresentaram suas novas armas na disputa por esse bilionário segmento. Ao mesmo tempo, uma nova entrante, a japonesa Honda, trouxe para a capital paulista o seu recém-lançado jato, uma aeronave pequena, mas que promete entregar um excelente desempenho.

Responsável por 41% dos jatos particulares em operação no País, incluindo o setor de táxi aéreo, a Cessna está apostando em um conceito de avião mais espaçoso, cujo “charuto”, como é chamado o corpo da aeronave, no jargão do setor, é alto o suficiente para permitir aos passageiros e tripulantes deslocar-se em seu interior sem se curvar. O alcance do Latitude é de 5,3 mil quilômetros, o suficiente para ir do Oiapoque ao Chuí, com alguma folga. “É uma categoria nova de aeronave, que vai atender a clientes nossos que precisavam ir mais longe, mas não estavam dispostos a partir para as opções de longo alcance”, afirma Leonardo Fiuza, diretor da TAM Aviação Executiva, que representa a Cessna no Brasil. Ao preço de US$ 16,2 milhões, o Latitude é ligeiramente mais barato do que seu maior concorrente, o Legacy 450, da Embraer, que sai por US$ 16,5 milhões. 

A autonomia do jato da fabricante de São José dos Campos também é ligeiramente menor. Por outro lado, o Legacy, que a partir de 2016, será produzido na fábrica da Embraer, no Estado americano da Flórida,  traz itens tecnológicos avançados, como os controles por joystick, presentes apenas em aparelhos usados pela aviação comercial, como os da Airbus. As duas empresas esperam que, neste ano, as vendas de jatos se mantenham estáveis, em comparação a 2014. “No próximo ano, esperamos um crescimento mais acentuado”, afirma Marco Túlio Pellegrini, presidente da Embraer Aviação Executiva. “Há uma desaceleração nos países emergentes, mas que está sendo compensada, em parte, pelo mercado americano.” No primeiro semestre deste ano, os Estados Unidos representaram 65% das vendas da Embraer.

A frota brasileira de aviação geral, cresceu 3% no ano passado, para 15.120 aeronaves. O porcentual é menor do que o obtido em 2013: 4,9%. Considerando apenas os jatos executivos, estão em operação mais de 900 aviões no País, segundo um levantamento feito pela DINHEIRO junto à base de dados da Agência Nacional de Aviação Civil. A Cessna, com 380 aeronaves, é a que possui a maior frota, seguida da Bombardier (195) e da Embraer (177). Levando em conta apenas os modelos fabricados nos últimos cinco anos, no entanto, a fabricante brasileira lidera com folga, com duas vezes mais aparelhos em operação do que a rival americana. Esse mercado movimentou, no ano passado, R$ 12,52 bilhões, incluindo gastos com manutenção, de acordo com dados da Abag. “Estamos crescendo a um ritmo de 5% a 6% ao ano e devemos continuar nesse passo”, afirma Eduardo Marson Ferreira, presidente da entidade.

LONGO ALCANCE Para a Bombardier, considerada a maior rival da Embraer, o mercado brasileiro está amadurecendo. “Na China, existem menos de 200 jatos executivos”, afirma Stéphane Leroy, vice-presidente da companhia na América Latina. “Não vamos conseguir o mesmo crescimento aqui.” Por esse motivo, a empresa aposta em aviões de longo alcance. “Antes, as empresas brasileiras fechavam mais negócios locais, por isso buscavam jatos menores”, afirma Leroy. “Agora, em virtude da maior internacionalização, a demanda é por voos para África, Europa e Estados Unidos.” O luxuoso Challenger 650, a grande estrela da companhia na Labace, faz essas rotas sem escalas. Seu custo é alto: US$ 62 milhões. Essa é também a aposta da Dassault, que está trazendo para o Brasil o seu Falcon 8X, capaz de fazer a rota São Paulo – Moscou sem paradas. A expectativa é entregar a primeira unidade no País em 2017. “O brasileiro é um tradicional consumidor de jatos”, afirma John Rosanvallon, CEO global da Dassault Falcon. “Enquanto o chinês está comprando o primeiro avião, o brasileiro quer mais sofisticação.”

Na contramão das concorrentes, a Honda apresentou ao mercado brasileiro o seu primeiro avião, o HondaJet, cujo projeto foi iniciado em 2003. A aeronave é de pequeno porte, com alcance de pouco mais de dois mil quilômetros e um custo de US$ 4,5 milhões. No jargão do setor automotivo, origem da Honda, seria como um veículo de entrada, ou popular. Segundo Michimasa Fujino, presidente da Honda Aircraft, a divisão aérea do grupo, suas principais vantagens são o preço competitivo e o baixo custo de operação, até 20% menor do que os da concorrência, nas contas da fabricante. As primeiras unidades devem ser entregues em 2017, nos EUA. “Esse é um projeto de longa data e não fizemos apenas uma cópia dos concorrentes”, afirma Fujino. “Queremos levar a mesma confiabilidade dos carros da Honda para o setor de aviação.”

Colaborou: Carlos Eduardo Valim