Em dezembro do ano passado, quando decidiu colocar em prática um investimento de R$ 94 milhões para duplicar um trecho de 87 quilômetros da rodovia Raposo Tavares, no interior de São Paulo, a Invepar resolveu inovar. Em vez de recorrer somente ao Banco Nacional de Desen­volvi­mento Econômico e Social (BNDES), a principal fonte de recursos de financiamento de projetos de longo prazo, com seus juros camaradas, a empresa que opera na área de infraestrutura apostou no mercado privado. A alternativa foi fazer uma emissão de debêntures para obras de infraestrutura. Apesar de esse tipo de título de dívida de longo prazo contar com incentivos fiscais, o sucesso da operação estava longe de ser garantido, já que a modalidade ainda era nova.

 

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Ajuda ao financiamento de grandes projetos: parte das obras da hidrelétrica de Santo Antônio,

no rio Madeira, em Rondônia, é feita com recursos captados com incentivo fiscal

 

“Não tínhamos certeza da atratividade do mercado, mas tivemos uma resposta muito boa, com uma demanda quase três vezes superior à oferta”, diz Marcos Rocha, vice-presidente-administrativo-financeiro da Invepar, empresa formada pelos fundos de pensão Previ, Petros e Funcef e pela construtora OAS. O resultado agradou tanto que a Invepar já tem planos de realizar novas emissões para projetos de infraestrutura. A empresa, que administra 11 concessões estaduais e federais, em rodovias, no metrô do Rio de Janeiro e no aeroporto de Guarulhos, pretende financiar uma parte da expansão do principal terminal paulista com um novo lançamento de debêntures, de 

R$ 300 milhões. 

 

A operação já está pronta, inclusive com a classificação de risco da Fitch Ratings, à espera do melhor momento do mercado. O valor, no entanto, ainda é tímido se comparado aos R$ 3,48 bilhões que o BNDES vai repassar para o mesmo projeto. As debêntures incentivadas, assim chamadas porque possuem isenção de Imposto de Renda para pes­soas físicas e investidores estrangeiros, são a principal aposta do Ministério da Fazenda e do BNDES para diminuir a participação do banco estatal de fomento no financiamento de infraestrutura e incentivar o crescimento de um mercado de capitais de longo prazo no País. 

 

Governo, empresas e especialistas apostam que, apesar da recente alta de juros, a expansão desse mercado será inevitável diante da elevada necessidade de financiamento do setor. Somente as concessões no setor de transportes e energia – rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e usinas – deverão demandar investimentos de R$ 435 bilhões. A maior parte desses recursos será aplicada nos primeiros cinco anos, mas novas obras estão previstas ao longo de todo o contrato, de 25 ou 30 anos. Por enquanto, apenas os projetos de transportes e energia podem beneficiar-se do incentivo fiscal. 

 

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Marcos Rocha, vice-presidente da Invepar: “tivemos uma resposta

muito boa, com uma demanda quase três vezes superior à oferta”

 

De acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), 82 projetos de infraestrutura foram autorizados a emitir os papéis e 12 operações já foram realizadas, num total de R$ 4,5 bilhões. O próprio BNDES estima que é possível chegar a até 15% do volume total de investimento nas concessões, o equivalente a R$ 65,2 bilhões. As empresas e os investidores estrangeiros vêm pressionando para que o benefício seja ampliado para outros setores, como educação, saúde e óleo e gás, mas o governo ainda está reticente em atender ao pedido. 

 

“Os investidores estão muito interessados no setor de óleo e gás”, diz Anand Hemnani, vice-presidente e diretor de investimentos da CG/LA Infrastructure. “Toda semana eu falo com pelo menos um ou dois novos fundos interessados em investir.” O crescimento do mercado privado de financiamento de longo prazo atende justamente à estratégia do BNDES de reduzir o volume de recursos que precisa tomar do Tesouro a cada ano, para repassar ao setor privado. Mas a falta de um mercado secundário reduz a liquidez dos títulos e limita a opção às empresas de maior porte. Para ampliar a clientela, o banco criou um fundo para comprar, integralmente, os papéis de empresas com emissões de até R$ 300 milhões. 

 

O objetivo é chegar a uma carteira de R$ 1 bilhão e vender cotas desse fundo a investidores. “O mercado de renda fixa ainda é muito incipiente no Brasil, mas isso é uma questão de tempo”, diz Otavio Lobão, gerente de fundos do Departamento de Mercado de Capitais do BNDES. É essa justamente a aposta do governo. “Esse modelo de financiamento está ficando cada vez mais comum”, afirma o secretário de Acompanha­men­to Econômico do Ministério da Fazenda, Pablo Fonseca, que esteve recentemente na Ásia para apresentar as debêntures ao mercado da região. 

 

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Marcello Guidotti, diretor da Ecovias: “até pouco tempo atrás esses investidores

só compravam títulos do tesouro nacional”

 

Além de complementar os recursos do BNDES, esse mercado atende as empresas que não se adaptam ou não se enquadram nas exigências do banco estatal. É o caso da Rodovias do Tietê, que administra 406 quilômetros de estradas no interior de São Paulo, e captou no Brasil e no Exterior R$ 1,065 bilhão em títulos de dívida, em março de 2012, com vencimento em 2028. Para outras companhias, o financiamento privado é uma forma de diversificar as fontes de recursos. O presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, avalia que é ingenuidade achar que o banco público vai conseguir financiar todo o investimento necessário no País. 

 

“Tem de vir do mercado privado e eu acredito que virá das debêntures. Pelo perfil dos bancos brasileiros não acredito que eles entrarão forte na infraestrutura”, afirma Odebrecht. A companhia já emitiu R$ 420 milhões por meio do instrumento para financiar a hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia. Os papéis têm prazo de dez anos, com carência de cinco anos para o pagamento, e são corrigidos pelo IPCA mais 6,2% ao ano. Nessa modalidade, a maior parte das operações está vinculada ao indicador de preços e paga juros que variam entre 2,71% e 8,75% ao ano, a depender do prazo e volume. 

 

Mais do que o rendimento, no entanto, os incentivos fiscais concedidos ao investidor pessoa física são os grandes fomentadores desse mercado, na avaliação de Marcello Guidotti, diretor de finanças da Ecovias. “É uma demanda nova, porque até pouco tempo atrás esses investidores só compravam títulos do Tesouro e agora já aceitam títulos corporativos”, diz ele. A empresa, que opera o sistema Anchieta-Imigrantes, que liga a capital paulista ao litoral, levantou R$ 881 milhões em debêntures em abril do ano passado. Comprovando a atratividade, a demanda dos investidores foi três vezes superior ao valor que a companhia gostaria de financiar. 

 

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