17/01/2014 - 21:00
Em 2003, três semanas após assumir o governo, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi aplaudido de pé por empresários, banqueiros e autoridades de todo o mundo, reunidos no Fórum Econômico Mundial, na estação de esqui de Davos, na Suíça. No discurso, ele prometeu que o Brasil iria respeitar contratos e propôs uma ponte entre o desenvolvimento econômico e o social. Na sexta-feira 24, será a vez da presidenta Dilma Rousseff testar a temperatura das montanhas suíças. Do lado de fora, os termômetros chegam facilmente a 10 graus negativos nesta época do ano.
Primeira visita: Dilma irá mostrar oportunidades de investimentos para tentar convencer chefes
de Estado e empresários de que o Brasil é uma boa opção
Dentro do Congress Hall, numa sessão especial que terá tradução simultânea e será transmitida ao vivo no canal oficial do evento, Dilma vai tentar quebrar o gelo e convencer investidores internacionais de que o mau humor do mercado com o Brasil é exagerado. Argumentos não vão faltar. Para um público que terá dezenas de chefes de Estado e de governo, entre eles o primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, e o do Japão, Shinzo Abe, a presidenta vai apresentar um país que cresce pouco, mas que conta com um mercado consumidor em franca expansão, desemprego em queda e salários em alta.
Vai dizer que o Brasil é um país que respeita contratos e que os investidores estrangeiros vão encontrar por aqui boas oportunidades de investimentos em estradas, aeroportos e energia. Depois do discurso principal, Dilma ainda terá outra fala, numa sessão fechada para CEOs de grandes empresas. Como aconteceu com Lula em 2003, Dilma terá uma plateia que reconhece o potencial do País, mas está desconfiada com o discurso adotado no ano passado, de tentar limitar o retorno das concessões públicas. O organizador do Fórum, Klaus Schwab, definiu como “crise de meia-idade” a situação do Brasil e de outros emergentes.
Ele diz que agora, com uma base maior, esses países terão taxas de crescimento menores do que quando eram mais pobres. “Mas o Brasil tem todos os ingredientes para superar essa crise de meia-idade”, afirmou Schwab. Embora já tenha recebido outros convites, esta é a primeira vez que a presidenta vai a Davos. Junto com ela, habitués do encontro que reúne a nata da economia mundial, como o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho. O presidente do BNDES tem uma agenda carregada, com palestras ou comentários em pelo menos dez painéis diferentes – um deles justamente para discutir a situação dos emergentes, junto com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que vai a Davos pela primeira vez.
Confiança: das 1.300 ordens de compra na captação da Petrobras, 23,5% partiram da Inglaterra
Também integram a comitiva o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, e o ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo. O mau humor presente nas análises dos economistas que esmiúçam as contas públicas e reclamam de falta de transparência da contabilidade do Tesouro, no entanto, não se reflete em falta de interesse no Brasil. Nos últimos 12 meses, o investimento estrangeiro direto soma US$ 62,8 bilhões. “O Brasil tem um problema de confiança, mas isso não é uma crise”, diz o economista Christopher Garman, diretor de mercados emergentes e da América Latina da consultoria americana Eurasia Group. É essa diferença sutil, diz ele, que explica por que empresas e bancos brasileiros não têm dificuldade para conseguir dinheiro no exterior.
As primeiras captações do ano mostram um mercado bastante receptivo às empresas brasileiras. Na terça-feira 14, o BNDES captou € 650 milhões no mercado europeu. No mesmo dia, a Petrobras conseguiu € 3 bilhões e 600 milhões de libras esterlinas, a maior captação de uma empresa de um país emergente na Europa. A procura foi ainda maior, três vezes o valor ofertado, mas o diretor financeiro da Petrobras, Almir Barbassa, confirmou que a empresa teve de pagar um pouco mais do que última emissão de papéis no mercado europeu em 2012. “O mercado aumentou os custos de uma maneira geral”, afirmou. O Santander Brasil também anunciou, na quarta 15, uma emissão de bônus conversíveis de R$ 6 bilhões. Os ruídos na comunicação do governo com o mercado, tanto no anúncio das contas públicas quanto na queda de braço sobre a rentabilidade das concessões, acabou cobrando um preço.
Um sinal dessa desconfiança pode ser visto nas operações de Credit Default Swap (CDS), um instrumento derivativo negociado no mercado financeiro, que serve como um seguro contra o calote de algum país. O raciocínio é simples: quanto maior o risco de moratória, mais alta é a cotação do CDS desse país. No caso brasileiro, o CDS quase dobrou no último ano, muito acima de outros países emergentes (veja gráfico ao final da reportagem). “A percepção de risco continua elevada, mas isso já está no preço dos ativos, como mostra a queda da Bolsa”, diz André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos. “Ou seja, agora ficou barato.” A tarefa da presidenta Dilma, em Davos, é mostrar aos investidores que o mau humor não tem razão de ser.