A tensão subiu na economia global na semana passada. Depois que a Grécia deu sinais de querer bater em retirada da Zona do Euro, o nervosismo tomou conta do Velho Continente e trouxe de volta os fantasmas da crise de 2008, assombrando também o Brasil. Nas três primeiras semanas de maio, os investidores estrangeiros retiraram do País o equivalente a US$ 5,19 bilhões, volume semelhante ao repatriado em dezembro de 2008, no pico das turbulências pós-falência do banco americano Lehman Brothers. Diante das especulações sobre o futuro, coube à presidenta Dilma Rousseff lembrar que o País está cada vez mais resistente a turbulências externas. “Nós estamos 100% preparados, 200% preparados, 300% preparados para enfrentar a crise na Europa”, afirmou a presidenta, na segunda-feira 21, durante a inauguração das obras de uma ponte sobre a Lagoa do Imaruí, no sul de Santa Catarina. 

 

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Presidenta Dilma Rousseff: ”Estamos 300% preparados

para enfrentar a crise na Europa”.

 

Se houver uma piora do mercado externo, o País está muito mais forte hoje do que há quatro anos. “Vamos resistir à crise criando emprego, investindo em infraestrutura”, reforçou a presidenta, mostrando um arsenal anticrise que vai muito além das confortáveis reservas internacionais de US$ 370 bilhões à disposição da equipe econômica. E foi com essa premissa que o governo abriu a semana passada anunciando medidas fortes para blindar a atividade econômica. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, que trabalhava com a previsão de crescimento de 4,5% do PIB neste ano, quer garantir uma expansão de, ao menos, 4%, mantendo os bons indicadores que sustentaram o círculo virtuoso brasileiro: a taxa de desemprego, de 6%, em abril, é a menor desde 2002. 

 

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Generais em campo: os ministros Fernando Pimentel e Guido Mantega e o presidente

do BNDES, Luciano Coutinho.

 

A renda dos trabalhadores, por sua vez, teve uma leve retração de 0,4% no mês passado, mas ainda é 6,2% maior do que no mesmo mês de 2011, segundo dados divulgados pelo IBGE na quinta-feira 24. Para manter esse bom desempenho, que distingue o Brasil dos países em crise, o ministro costurou um acordo com industriais e banqueiros. Logo na segunda-feira 21, em São Paulo, Mantega reuniu representantes de montadoras e do setor bancário na sede do Banco do Brasil, onde costuma despachar. Com 365 mil carros parados nos pátios, o equivalente a 43 dias de estoque, o setor automotivo, que representa 23% do PIB industrial, ameaçava dar férias coletivas e reclamava da rigidez dos bancos na hora de conceder crédito, o que anulava o efeito da queda de juros capitaneada nos últimos meses pelo presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. 

 

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Cledorvino Belini, da Anfavea: “investimento das montadoras, de US$ 22 bilhões até 2015,

estão mantidos porque para o longo prazo, que é o que interessa, há boas perspectivas”.

 

Além do próprio Tombini, participaram do encontro os presidentes da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Cledorvino Belini; do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco; da Caixa, Jorge Hereda; e do BB, Aldemir Bendine. O ministro da Fazenda saiu de lá com medidas de impacto: redução do IPI para veículos até 31 de agosto, a liberação de R$ 18 bilhões de depósitos compulsórios dos bancos no BC para financiamentos e o compromisso das montadoras de manutenção de postos de trabalho e queda de preços nas tabelas das concessionárias. “Cada um dará sua contribuição para reduzir custos e facilitar os financiamentos”, disse Mantega. A fórmula escolhida é semelhante à que foi adotada no governo Lula, durante a crise de 2009. 

 

“É mais um caminho para garantir a continuação do crescimento, num momento de crise internacional”, afirmou. O efeito foi imediato. No dia seguinte ao anúncio, as montadoras correram para alterar suas tabelas. “Haverá uma grande reviravolta no mercado”, diz Waldyr Ferreira, diretor-comercial da Peugeot. Agressiva, a companhia baixou os preços além do acordado. Enquanto modelos de mil a duas mil cilindradas tiveram o IPI reduzido de 11% para 5,5%, a Peugeot simulou descontos como se o imposto tivesse sido zerado. Assim, modelos que teriam descontos de R$ 3 mil no preço final chegaram às lojas na quarta-feira 23 com abatimento de R$ 5,5 mil. “Estamos reduzindo a margem de lucro para aumentar o volume de vendas”, afirma Ferreira. 

 

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Obras no Comperj, no Rio: criação de empregos e investimento em infraestrutura

são antídotos do Brasil contra a crise.

 

As reduções de tributo anunciadas têm tudo para incentivar a competição, avalia Belini. “É uma redução significativa e é realmente para fazer as prestações caber no bolso do consumidor”, diz o executivo. A artilharia pesada não parou por aí. O governo garantiu juros menores de financiamento pelo BNDES para a compra de caminhões, máquinas e equipamentos. As taxas para bens de capital caíram de 7,7% para 5,5% ao ano, o que leva a um inédito juro real próximo a zero. A meta é clara: aumentar a taxa de investimento, estacionada em 19% do PIB nos últimos anos. Livaldo dos Santos, presidente da Indústrias Romi, líder no setor de máquinas-ferramentas, elogia a iniciativa, mas pondera que o efeito deve ser mais limitado do que em 2009. 

 

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Tombini, presidente do BC: “a economia vai ganhar velocidade ao longo de 2012

e nós já começamos a sentir esse processo”.

 

“Já houve um ciclo de renovação de equipamentos nas indústrias naquele ano”, diz Santos. “O empresário só vai comprar novas máquinas quando acreditar que a demanda vai superar sua capacidade de produção.” É nesse ponto que o governo acerta o alvo. Até março, a indústria registrava queda de 3% da atividade, em comparação com mesmo período de 2011. Por outro lado, o contexto atual, de juros baixos e níveis de confiança do consumidor elevados, é mais favorável à produção do que há três anos, principalmente quando há demanda reprimida por bens duráveis. Uma pesquisa do instituto Data Popular mostra, por exemplo, que 8,5 milhões de brasileiros pretendem adquirir um carro neste ano. Outros 32 milhões de pessoas planejam comprar um notebook, e 25 milhões fazem as contas para comprar um tablet. 

 

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Santos, da Indústrias Romi: ”juro real zero para máquinas é positivo.

Mas é preciso confiança para investir”.

 

Há, também, mais de oito milhões de famílias interessadas em trocar sua tevê neste ano, e outros cinco milhões pretendem adquirir novos fogões e geladeiras. No setor de crédito, também há muito espaço para crescer, aponta Oscar Rodriguez, vice-presidente de Risco do Santander. “Ainda há 50% das famílias sem nenhum tipo de financiamento”, diz Rodriguez. Ele prevê um crescimento de 15% a 17% nas linhas do banco, apesar da cautela com o endividamento do consumidor. “As medidas anunciadas ajudarão a reduzir a inadimplência.” O otimismo, neste momento, pode ser um divisor de águas no mercado brasileiro daqui em diante. “A economia vai ganhar velocidade ao longo de 2012 e nós já estamos começando a sentir esse processo”, lembrou Alexandre Tombini, em almoço com os empresários na semana passada. 

 

O norte da presidenta Dilma está definido desde os tempos de campanha eleitoral. Quer chegar a 2014 com um investimento de 24% do PIB. “Alcançar esse patamar é condição ‘sine qua non’ para adequar a indústria à competitividade”, diz o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel. Para incentivar o setor privado, o governo pretende ainda intensificar um pacote de desonerações que beneficie o setor, além de começar a trabalhar pela redução do custo Brasil. Um dos alvos principais é o preço da energia elétrica. O Ministério de Minas e Energia já tem estudos avançados sobre o assunto e pode vir a reduzir ou eliminar parte dos encargos incidentes nas tarifas (leia reportagem aqui). Outras políticas estão no forno, como a desoneração do IPI para o setor de motos, a isenção de PIS/Cofins para as empresas de saneamento básico e benefícios para o setor de material de construção. 

 

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Baumgart, da Vedacit: “Com juros baratos, consumidores ganham fôlego para comprar

materiais de construção. Se o financiamento melhorar, podemos crescer 15%”.

 

Diante da perspectiva, os empresários comemoram. “Se as condições de financiamento melhorarem, podemos crescer até 15%”, diz Rolf Baumgart, presidente do Grupo Vedacit, que produz impermeabilizantes. Para melhorar os níveis de inadimplência, o governo pretende incentivar a competição no setor bancário. Um dos instrumentos avaliados é a simplificação da portabilidade do crédito imobiliário de um banco para o outro. O governo tem planos, ainda, de ajudar consumidores endividados ao desonerar a reestruturação dos débitos. Na batalha do crescimento, o Brasil ainda dispõe de muita munição. “Poderemos graduar as medidas dependendo das necessidades, de modo que a economia brasileira acelere no segundo semestre, quando deve crescer entre 4,5% e 5%”, disse Mantega. Do lado do governo, os investimentos previstos até 2015 são de R$ 1,2 trilhão em infraestrutura, lembra o presidente do BC. “É um volume considerável”, diz Tombini. 

 

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Neste ano, os desembolsos para o programa Minha Casa Minha Vida, por exemplo, cresceram quase três vezes entre janeiro e abril, para R$ 7 bilhões. A diferença se explica pela transição entre a primeira e a segunda edição do Programa de Aceleração de Crescimento, anunciada em junho do ano passado, mas que concentrou desembolsos neste ano. O BNDES também já havia recebido um reforço extra, de R$ 45 bilhões, em abril, o que garante o suporte às empresas que ousarem ampliar o investimento agora para colher os frutos no médio prazo. A multinacional alemã Siemens, por exemplo, decidiu anunciar na quarta-feira 23 um investimento de US$ 1 bilhão até 2017, de olho na expansão do mercado brasileiro. Também as montadoras, que anunciaram um investimento de US$ 22 bilhões até 2015, mantêm seus planos. “Estão garantidos porque o longo prazo, que é o que interessa, tem boas perspectivas”, afirmou Belini. 

 

Mas, da mesma forma que a equipe econômica cobra ousadia do setor privado, os empresários também esperam o mesmo do governo. Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), lembra que políticas mais horizontais induzem a maior investimento. “Uma opção seria reduzir as alíquotas do PIS e da Cofins de forma linear, o que melhoraria as condições de competitividade para todos os setores, inclusive para aqueles que são alvo da atenção governamental”, diz Godoy. O economista Paulo Rabelo de Castro, que integra o Movimento Brasil Eficiente, concorda. “O momento merece uma política mais ousada para acelerar o processo de investimento, com a simplificação tributária que destrói a produtividade.” A presidenta Dilma é sensível à demanda e já mostrou capacidade de ganhar a guerra em batalhas espinhosas, como a dos juros e a do câmbio. 

 

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Colaboraram: Cristiano Zaia e Guilherme Barros