Se ainda havia alguma dúvida sobre a fragilidade fiscal brasileira, o balanço da Receita Federal de abril, divulgado na quinta-feira 21, liquidou a questão. A arrecadação caiu 4,6% em relação a abril do ano passado, o pior resultado em cinco anos. Diante de um cofre esvaziado, fruto de um PIB em retração, a equipe econômica recebeu o aval da presidente Dilma Rousseff para executar o corte no orçamento que, segunda ela, “não será nem tão grande que não seja necessário, nem tão pequeno que não seja efetivo”. Na tarde da sexta-feira 22, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, preparavam-se para anunciar a “tesourada”, estimada em R$ 69 bilhões.

Para conquistar o apoio popular e, principalmente, da rebelde base aliada no Congresso, o governo tenta passar a imagem de que está dando a sua cota de sacrifício. Porém, as primeiras medidas do pacote fiscal resultaram em perdas de benefícios trabalhistas e aumento de tributos. Somente na semana passada, houve elevação de impostos sobre produtos importados e aumento de 15% para 20% na alíquota da Contribuição Social sobre Lucro Líquido dos bancos – “o andar de cima”, como gostam de dizer os parlamentares petistas, que ironizavam o fato de o ministro Levy ter sido um executivo do Bradesco antes de assumir o cargo em Brasília e, agora, perderam o discurso. O aperto é para todos.

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Essas medidas recessivas ocorrem no momento em que diversos indicadores apontam para a deterioração da economia real, com alta do desemprego e queda do setor produtivo. “Não é possível reduzir a carga tributária agora”, afirmou o ministro Nelson Barbosa na sexta-feira de manhã, em São Paulo, antes de detalhar o pacote fiscal. Com o aval da presidente Dilma, a equipe econômica adotou como prioridade a reconquista da credibilidade fiscal perdida nos últimos anos, que levou as agências de classificação de risco a ameaçar o grau de investimento do Brasil – uma espécie de selo de bom pagador que o País recebeu durante a crise internacional.

“A questão mais relevante não é atingir ou não a meta de superávit primário de 1,2% do PIB, e sim mudar de atitude, e o mercado financeiro e as agências de rating vão olhar para isso”, afirma Octavio de Barros, diretor do departamento de economia do Bradesco. Porém, como a presidente Dilma não abre mão de governar com 39 ministérios, o empresariado fica com a sensação de que a conta maior do ajuste está nas costas do setor produtivo. E os trabalhadores reclamam da perda de direitos, em uma batalha que prossegue no Congresso Nacional.

ENGESSAMENTO FISCAL Premido pelo esvaziamento dos cofres públicos, o ministro Levy tem encontrado poucas alternativas para gerenciar a equação “receitas versos gastos”. Do lado das despesas, não conseguiu poupar os investimentos públicos, que seriam os gastos bons do governo, como obras de infraestrutura. E, de quebra, aumentou a carga tributária, que já é uma das maiores do mundo. O problema é que essa velha fórmula fiscal sufoca a competitividade nacional, o que tem levado um grupo cada vez maior de economistas a defender a necessidade de um debate sobre mudanças no regime fiscal do País, na estrutura de custos do Estado e na rigidez do Orçamento.

“Passou da hora de repensarmos o regime fiscal do Brasil”, afirma Francisco Lopreato, do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica, da Unicamp. Até o ministro Barbosa desabafou horas antes de anunciar os cortes. “Criou-se muita rigidez quanto ao orçamento público”, afirmou, em evento em São Paulo. A adoção de metas de superávit primário foi instituída no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e é a âncora para outras variáveis econômicas (câmbio, juros etc.). Ao definir a meta, o governo calcula parâmetros para a economia no ano seguinte, que definirão o volume de recursos disponíveis para cada área.

Aí começa o problema. Em geral, as projeções oficiais são mais otimistas do que a média do mercado, o que obriga a adoção frequente do instrumento do contingenciamento na boca do caixa do Tesouro, como no caso atual. A contenção de recursos atrapalha o planejamento dos Ministérios e a execução de projetos. Um caso real ajuda a explicar o problema: depois de enfrentar falta de verbas para banca de doutorados, universidades federais passaram a comprar passagens áreas antecipadamente, em dezembro, quando em geral a verba retida era liberada, mesmo sem saber as datas das bancas no ano seguinte.

O resultado era que boa parte dos bilhetes tinha de ser reajustada, implicando em gastos quase duas vezes maiores ou na perda dos recursos. A prática de contingenciamento pelo governo esbarra na qualidade do corte, quase sempre focado em recursos destinados para investimentos essenciais para elevar a produtividade e o potencial de crescimento no futuro. Isso acontece porque a maior parte do orçamento já está comprometida com despesas obrigatórias, como as destinadas para educação e saúde, além da seguridade social. A questão é que não se pode postergar gastos com investimento para sempre, nem elevar a carga tributária ao infinito.

Outro ponto importante é que a rigidez do orçamento, com as vinculações mínimas compulsórias, gera um caráter pró-cíclico nos gastos, obrigando o governo a gastar mais quando a arrecadação cresce e forçando a uma diminuição dos recursos nos momentos de aperto, quando o dedo do Estado seria importante para reanimar o PIB. Em recente artigo, o ex-ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto apresentou a tese de se adotar um Orçamento Base Zero, para evitar a inclusão de programas que passaram a constar na previsão de gastos apenas porque estavam presentes no ano anterior.

“Por que não começar do começo em 2017, enquanto pomos em ordem a economia em 2015 e 2016?”, indagou o ex-ministro. Há quem defenda mudanças na meta de superávit, para torná-la mais equilibrada. Em artigo publicado em 2012, o economista-chefe do Itaú, Ilan Goldfjan, já defendia a adoção de uma meta de superávit estrutural, cuja fórmula tenta relativizar mudanças abruptas no preço dos ativos (como as commodities) e as receitas não-recorrentes do governo. A conclusão era de que o mecanismo resultaria em mais eficiência na gestão pública e maior nível de poupança governamental, contribuindo para aumentar o crescimento sustentável do País.

Cálculos feitos pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, com base na metodologia apresentada pela Fazenda, mostram que caso o conceito fosse aplicado no primeiro bimestre, o superávit do governo central teria sido de 2,5% do PIB e não 0,4% como o registrado. “Eu acho que a melhor medida para olhar o fiscal seria o estrutural, porque a atividade econômica no Brasil é muito volátil”, diz Vilma Pinto, do Ibre. Outras alternativas sugeridas pelos economistas incluem ainda a adoção de bandas (intervalos para cima e para baixo) para o superávit, como as usadas hoje na meta de inflação. Em comum, os especialistas defendem que a sustentabilidade fiscal do País depende de uma relação direta entre o crescimento dos gastos públicos e o PIB. Se o primeiro cresce mais que o segundo, a conta jamais fechará.

Colaborou: Paula Bezerra

Fundo do poço?

Uma série de indicadores recentes constata a deterioração do lado real da economia brasileira. E os efeitos do ajuste fiscal ainda nem começaram a ser sentido

Por Luís Artur Nogueira

Em outubro do ano passado, no auge do Fla-Flu eleitoral em que se transformaram as eleições presidenciais, a DINHEIRO publicou uma reportagem de capa intitulada “Desemprego: o monstro acordou”. Na quinta-feira 21, o IBGE divulgou que a taxa de desemprego subiu para 6,4%, o maior nível desde março de 2011. Não é apenas o mercado de trabalho que sofre as consequências de um PIB em retração. “O lado real da economia ainda vai piorar antes de melhorar”, afirma Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP e sócio-diretor da ACLacerda Consultores Associados. “Isso coloca em risco o próprio ajuste fiscal, pois a arrecadação tende a cair.” Aprovar o pacote fiscal no Congresso é apenas a primeira missão do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. A segunda – e mais importante – é recolocar o País na rota do crescimento.