A Venezuela está entre os maiores produtores de petróleo do mundo. Suas reservas comprovadas em 2012 chegaram a 297,6 bilhões de barris. A abundância no setor petrolífero, porém, não se reflete no de alimentos. O retrato do desabastecimento interno se comprova nas imensas filas que se formam nos supermercados de todo o país. Consumidores disputam os últimos produtos das prateleiras. Falta de tudo: desde arroz até papel higiênico. Para combater a escassez, o governo do chavista Nicolás Maduro vai importar em novembro e dezembro 400 mil toneladas de alimentos, entre carnes e grãos, de países da América Latina. 

 

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De mãos atadas: Nicolás Maduro terá de liberar recursos

para o pagamento de empresas brasileiras  

 

Do Brasil serão 80 mil toneladas. Exportar para a República Bolivariana é um bom negócio para as empresas brasileiras, mas o risco de atraso no pagamento não pode ser desconsiderado. Mais de duas mil empresas brasileiras, como BRF, Globoaves, Bunge e Minerva Foods, vendem seus produtos para os venezuelanos. Todas possuem contratos de fornecimento acima de US$ 10 milhões. O governo federal não revela o tamanho da dívida em atraso, mas a balança comercial brasileira dá a dimensão do tamanho potencial da encrenca: o volume de exportações neste ano chegou a US$ 3,1 bilhões até setembro (leia quadro ao final da reportagem). 

 

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Patricia, da Coface: a Venezuela tem nota baixa

no quesito pagamento de dívidas

 

De acordo com Francisco Turra, presidente da União Brasileira de Avicultura, entidade que representa os produtores de frangos e derivados, os empresários do setor estão interessados em continuar a vender desde que o país vizinho honre suas dívidas. “É muito difícil que as empresas se aventurem a exportar sem ter a certeza de que vão receber seu dinheiro”, diz Turra. O pagamento não pinga no caixa das empresas há quatro meses. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne, a Venezuela é o quarto maior importador da carne bovina brasileira. As vendas para o país somaram US$ 522,1 milhões até setembro. 

 

No ano passado, as empresas ligadas à Abipecs, entidade dos produtores de carne suína, venderam 6,5 mil toneladas de um total de 580 mil toneladas. “Até agora oito empresas filiadas manifestaram interesse”, afirma Rui Eduardo Saldanha Vargas, presidente da Abipecs. Já o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, José Augusto de Castro, não vê essa exportação com grande entusiasmo. “A Venezuela não está nos fazendo um favor ao comprar nossos produtos”, diz Castro. “O favor é pagar.” A responsável pelo atraso é a Comissão de Administração de Divisas, órgão do governo venezuelano que controla o movimento de divisas. 

 

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Crise interna: consumidores fazem estoque de alimentos e papel higiênico

 

Para ter acesso à moeda americana, é preciso pedir a bênção das autoridades. Para evitar que empresas nacionais percam o interesse em realizar negócios com os venezuelanos, o governo brasileiro decidiu intervir. Na semana passada, membros do Ministério do Desenvolvimento estiveram em Caracas para discutir a questão com representantes do país. O Ministério não deu detalhes, mas informou que o governo está entrando em contato com entidades exportadoras para debater as oportunidades na Venezuela. Uma das medidas para solucionar o problema seria a entrada do Banco do Brasil, pelo Programa de Financiamento às Exportações, o Proex. O BB assumiria, assim, os riscos de calote. 

 

Para a economista Patricia Krause, da filial no Brasil da Coface, empresa que faz seguro de crédito para exportação, a Venezuela é um mercado de alto risco há muito tempo. A Coface avalia, a cada três meses, qual a possibilidade de um país não pagar suas dívidas. Na classificação da entidade, a Venezuela recebeu a nota C, o que significa alto risco em termos de calote. A instituição atribuiu a nota com base nos critérios “clima de negócios” e “risco país”. “Quanto maior o risco, mais caro fica o seguro”, diz Patricia. Como forma de garantir o pagamento, muitas empresas já colocam sobrepreço aos produtos exportados. O raciocínio é simples: mesmo que a Venezuela atrase a quitação da dívida, a lucratividade do negócio está garantida. 

 

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