06/11/2015 - 19:29
A economista Luciane Ribeiro, presidente da empresa de gestão de recursos ligada ao banco Santander Brasil, comanda 120 funcionários que têm uma missão espinhosa. Todos os dias, Luciane e sua equipe de economistas, analistas, gestores de risco e operadores precisam decidir quais as melhores alternativas de investimento para os R$ 168 bilhões dos clientes, que estão aplicados no Brasil e no exterior. A dificuldade dessa tarefa aumentou exponencialmente nos últimos dias. Além do cenário adverso para a economia brasileira e das incertezas do mercado internacional, a instabilidade dos preços deverá crescer com o início de um ciclo de alta de juros nos Estados Unidos. Escolher o que comprar e o que vender, e quando colocar essas decisões em prática, é a essência da tarefa dessa profissional de 52 anos. Casada, mãe de um filho de 14 anos, Luciane tem 32 anos de mercado, e é uma das pouquíssimas mulheres a comandar uma área estratégica de uma instituição financeira de grande porte no Brasil. Ela conversou com a DINHEIRO sobre as perspectivas para os investimentos e como ampliar a participação da mulher na cúpula das empresas brasileiras. A seguir, os principais trechos da entrevista:
DINHEIRO – A senhora é mulher e está no comando de uma grande gestora de recursos. Por que há poucas colegas mulheres? É mais difícil para elas?
LUCIANE RIBEIRO – É, sim. Tive de ter mais garra e mais determinação do que meus colegas homens. Eu comecei há 32 anos no BankBoston, depois fui para o Banco Safra, sempre trabalhando em mesa de operações. A maioria dos colegas era homem. Assim que eu cheguei, eu dava um pulinho na cadeira todas as vezes que ouvia um palavrão, e eram muitos por dia. Mas logo me acostumei.
DINHEIRO – Como foi essa adaptação?
LUCIANE – Em vários momentos eu me questionei se o sacrifício valia a pena. Mas eu me apaixonei pelo que eu fazia e aprendi que você não deve tentar ser um homem, mas tem de ter uma dinâmica compatível com a dos homens. Você participa da conversa, ignora os palavrões, e se esforça para mostrar que você não é diferente, tentando reproduzir o comportamento masculino sem ser, necessariamente, masculina. Além disso, eu sempre pude contribuir. Cansei de ouvir histórias de esposas e namoradas.
DINHEIRO – E quando a senhora passou a chefiar homens?
LUCIANE – Não tem jeito, você tem de trabalhar mais do que os homens. É um jogo desigual. Quando eu cheguei à diretoria do Banco Safra, eu participava de reuniões com a presidência e todos os outros diretores. Eram 19 pessoas na mesa, 18 homens e eu. No começo você procura ficar quietinha porque não tem representatividade. Mas depois você percebe que falar é importante. O problema é que as pessoas não me escutavam. Quando eu ia dar minha opinião, algum outro diretor começava a falar e me atropelava.
DINHEIRO – Qual foi a solução?
LUCIANE – Tem de ter jogo de cintura e saber lidar com as situações. Eu fazia parte do clube deles e usava meus caminhos para aparecer. Comecei a pensar em uma estratégia para poder expor o que eu pensava. E aí eu comecei a falar mais alto. Você aumenta o tom da voz para as pessoas perceberem que você tem conteúdo, e aí começou a dar resultado. Não dá para dizer que eu ganhei no grito, mas foi falando mais alto.
DINHEIRO – Como reduzir essas dificuldades?
LUCIANE – Não é fácil. Eu participo de iniciativas como a Mulheres do Brasil, capitaneada pela Luiza Trajano, e da Will, que é a Women in Leadership in Latin América. É uma ONG sem fins lucrativos, que tem trabalhado para criar um guia de boas prática de equidade de gênero, que vai funcionar da mesma forma de um guia de sustentabilidade. Também faço parte de um trabalho pioneiro que foi trazido ao Brasil pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, em parceria com o Woman Corporate Directors (WCD). É um grupo de empresas grandes que discutem políticas e práticas. A iniciativa mais recente é um programa de preparação para mulheres que chegaram à diretorias poderem assumir assentos nos conselhos de administração. Isso visa acabar com o dogma de que não existem mulheres preparadas para ser conselheiras.
DINHEIRO – O que é preciso mudar?
LUCIANE – Sem um líder na corporação que tenha essa visão não se consegue progredir. Mas há uma cultura que tem de mudar, e que está refletida até na legislação. A mulher tem licença-maternidade de seis meses, e o homem tem de uma semana. Isso é um pré-conceito de que só a mulher cuida do filho, o que não é verdade. Ou ainda o chefe que não escolhe a funcionária com um filho pequeno para uma viagem. Ele pensa estar protegendo, mas na verdade está tirando uma oportunidade profissional daquela pessoa.
DINHEIRO – O que as empresas podem fazer? Um ponto polêmico é a necessidade de se estabelecerem cotas para as mulheres.
LUCIANE – Eu sou a favor de cotas. Deve haver cotas para as mulheres, pelo menos no Conselho de Administração. Se deixarmos apenas por conta das iniciativas das empresas, vamos demorar 50, 70 anos para que haja mudanças. A Noruega, por exemplo, implantou cotas, em 2003, e mudou a situação muito rapidamente. Mas temos de tomar cuidado para que essas regras não sejam apenas uma coisa pró-forma. Alguns conselhos de empresas europeias têm apenas uma mulher, o que acaba limitando a diversidade. A questão não é a existência ou não de cotas, o percentual, mas sim o grau de contribuição que a mulher traz para o todo.
DINHEIRO – No que o olhar feminino pode ajudar?
LUCIANE – Se aliarmos a competência técnica à intuição feminina, podemos nos preparar melhor para os acontecimentos. Não é questão de adivinhar, é questão de uma percepção mais acurada. Você sabe que vai acontecer um problema. Não dá para evitar as crises, mas dá para se preparar melhor para elas.
DINHEIRO – O ano de 2015 foi ruim. O que o investidor deve esperar para 2016?
LUCIANE – Assim como a maioria dos profissionais de mercado, nós aqui no Santander estamos pessimistas para 2016. O desemprego está subindo e as expectativas para o crescimento da economia vêm piorando todas as semanas. Não descartamos a hipótese de um encolhimento de 3% no ano que vem. A inflação deve continuar elevada, mas, em vez dos 10% esperados para este ano, deveremos ver 7% a 8% em 2016. Isso abre espaço para o Banco Central reduzir os juros já a partir do segundo semestre.
DINHEIRO – E como o cenário político atrapalha?
LUCIANE – Já tivemos presidentes impopulares no passado, mas nunca um presidente com uma popularidade tão baixa. E 2016 será um ano com eleições municipais, o que não apenas eleva os gastos públicos como também agita o cenário político. O cenário externo também não vai dar folga. A economia da China está desacelerando e os preços das commodities devem continuar baixos. Como nossa pauta de exportação é muito baseada em commodities, isso vai continuar causando volatilidade tanto no câmbio quanto nos juros. A situação já era complicada, e piorou mais um pouco nos últimos dias.
DINHEIRO – O que mudou?
LUCIANE – A ata do Fed (Federal Reserve, o banco central americano) ampliou a convicção no mercado de que os juros nos Estados Unidos deverão começar a subir já em dezembro, e não mais em 2016, como se esperava até há poucos dias. Isso não é bom para países emergentes, que dependem de investimentos e de poupança externas.
DINHEIRO – Nesse cenário, quais suas recomendações para o investidor?
LUCIANE – Nossa recomendação é mais ou menos a mesma para 2015. A grande maioria dos investidores mostra estar confortável com produtos conservadores, que oferecem pouco risco. Como os juros estão altos, a rentabilidade é interessante e se evitam as turbulências, já que hoje a relação entre risco e retorno não é compatível. Então, é possível ganhar aplicando em produtos de curto prazo e baixo risco.
DINHEIRO –A recomendação é só a renda fixa? Ou dá para assegurar ganhos com a renda variável?
LUCIANE – Além dos produtos tradicionais da renda fixa, nós aqui estamos trabalhando para oferecer diversos produtos de capital protegido, em que o investidor pode tentar ganhar com a alta das ações, mas não perde o principal se algo sair errado. Nós percebemos que o mais incomoda o investidor individual é a perda do principal. Ele até concorda em ganhar pouco, mas se perder 10% ou 15% do capital inicial ele vai querer zerar seu investimento na hora. Por isso, o capital protegido é um produto interessante, especialmente para o segmento de investidores de renda mais alta.
DINHEIRO – A economia brasileira vai mal, mas a americana está recuperando seu dinamismo. Vale a pena investir no exterior? Seus clientes têm demandado essas aplicações?
LUCIANE – Nós temos notado que isso é mais uma alternativa procurada pelos gestores de fundos do que pelos investidores. Temos muitos fundos multimercados que investem no exterior, e que ganharam dinheiro em 2015 por causa do câmbio. O que eu acho mais interessante para o cliente neste momento é a capacidade que ele tem de diversificar suas aplicações. Quem diversificou no início do ano e colocou uma parte dos recursos em ativos vinculados ao dólar ganhou dinheiro. Ao diversificar, o investidor obtém a capacidade de ganhar em várias coisas, o que eleva o retorno médio. As pessoas têm de pensar cada vez mais na diversificação.