11/05/2011 - 21:00
O jornalista canadense Carl Honoré se tornou conhecido no começo dos anos 2000 por pregar uma ruptura com a velocidade imposta pela era da informação. Ele aderiu – e propagou em seu livro Devagar – ao movimento slow movement, para que as pessoas deixassem de ser escravas do relógio e passassem a fazer as tarefas cotidianas com mais calma. Anos antes, no final da década de 1980, os italianos já haviam difundido a cultura do slow food, para lembrar que degustar o prazer da boa mesa inclui também aprender a comer com tranquilidade.
Pois o ministro da Fazenda, Guido Mantega, está incumbido atualmente de criar no Brasil uma derivação desses dois movimentos, algo que poderia ser chamado de slow growth economy, ou um crescimento mais lento para a economia. Esse, porém, não é um movimento facultativo. É uma necessidade e faz parte do pacote das dores do crescimento do Brasil atual. Para atenuar o ritmo da atividade econômica, o governo precisou implementar regras para o sistema financeiro no final de 2010 – as chamadas medidas macroprudenciais –, a fim de refrear o crédito.
Menos crédito, menos consumidores: o varejo já começa a sentir o impacto das medidas macroprudenciais anunciadas pelo governo
Assim, em novembro do ano passado, o governo aumentou o depósito compulsório dos bancos e reduziu o prazo de financiamento ao consumo. Anunciou, ainda, no início do mês passado, o aumento de 1,5% para 3% do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para empréstimos a pessoas físicas. A Pesquisa Industrial Mensal, divulgada na terça-feira 3, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que até para desacelerar é preciso ter paciência.
No início do ano, o País ainda manteve a inércia do robusto crescimento de 7,5% do PIB de 2010. Entre janeiro e março, o País cresceu 2,3%, e avançou 6,8% no acumulado em 12 meses. Mas, em abril, alguns segmentos, como o comércio de veículos, já começaram a sentir os efeitos da prudência do governo. A Fenabrave, que representa as concessionárias, registrou queda de 5,4% nas vendas sobre março. Segundo o presidente da entidade, Sergio Reze, a restrição de crédito e o aumento do IOF explicam esse recuo.
O varejo, de um modo geral, já vinha detectando sinais de recuo no ímpeto consumista, principalmente de bens duráveis, como eletrodomésticos. O índice de Intenção de Consumo das Famílias (ICF), da Confederação Nacional do Comércio, por exemplo, regrediu pelo quarto mês consecutivo em abril. “A restrição ao crédito e os preços mais altos fizeram o consumidor perder uma parte do ganho de renda”, diz Carlos Thadeu de Freitas, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC). A entidade projeta um crescimento de vendas de 7% em 2011, contra 10,8% do ano passado.
Em São Paulo, a Federação do Comércio (Fecomercio-SP) também vislumbra uma desaceleração nos próximos meses. “Não foi pouco o que o governo fez e uma hora esse efeito vai ficar mais nítido”, diz Fabio Pina, economista da Fecomercio. Pina avalia que essa manobra do governo afetará principalmente os bens de maior valor, como imóveis e o comércio de bens duráveis. Por outro lado, pode privilegiar a venda de bens de consumo perecíveis, como alimentos. “Os supermercados vão roubar a maior fatia do dinheiro que era destinado a esses itens mais caros”, afirma.
No Pão de Açúcar, a maior rede varejista do País, essa tendência é confirmada. “Quem deixa de comprar um produto mais caro, como uma tevê, fica com mais dinheiro para comprar melhores alimentos”, diz Hugo Bethlem, vice-presidente do Pão de Açúcar. Não por acaso, o mês de abril foi o melhor da história da cadeia de supermercados para a venda de alimentos importados. Bethlem lembra ainda que a alta dos alimentos foi menor que a de outros itens, o que não afastou os clientes – o IPCA subiu 6,3% em 12 meses e os alimentos, 5,5%.
A percepção de alta de preços, contudo, já se generalizou, o que mantém o consumidor em alerta. Uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), divulgada na semana passada, mostrou que 70% dos entrevistados acreditam que a inflação vai subir. Mais um dado que recomenda a cautela para o consumo nos próximos meses.
Colaborou Hugo Cilo