28/08/2015 - 20:00
Qual imagem melhor representa São Paulo: o vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp), na Avenida Paulista, ou suas avenidas entulhadas de carros? Para a maioria das pessoas, os gigantescos congestionamentos são o melhor retrato da capital paulista. Pode-se, com certeza, afirmar que São Paulo ama os carros. Por dia, são mais de 500 automóveis novos que se juntam a uma frota que já soma 5,6 milhões de carros. Se colocados frente a frente, eles formariam uma fila equivalente a meia volta na Terra. Avenidas congestionadas são como veias entupidas. Se não cuidarmos, elas nos levam à morte. E São Paulo lentamente padece, em uma política que sempre privilegiou os automóveis, alargando freneticamente ruas e construindo viadutos bilionários.
Nada representa melhor essa obsessão do paulistano por carros do que o famigerado Minhocão, uma pista expressa elevada que liga a zona oeste ao centro de São Paulo. Tributo ao mau gosto arquitetônico, a polêmica obra de Paulo Maluf, inaugurada no começo de 1971, degradou todo o entorno da região pela sua proximidade com os prédios. De tempos em tempos, surgem acaloradas discussões entre os que defendem que ele venha abaixo e aqueles que o consideram vital para o tráfego. Como o elevado permanece “de pé”, pode-se concluir quem está vencendo o debate. Pelo menos, por enquanto.
Digo por enquanto, porque os carros estão perdendo espaço. São, não há dúvida, ainda os donos do pedaço, mas passaram a se deparar com bicicletas em suas indefectíveis ciclofaixas. Não bastasse isso, os automóveis começam a desacelerar. As marginais dos rios Tietê e Pinheiros, as duas principais vias expressas da capital paulista, tiveram suas velocidades máximas reduzidas de 70 para 50 quilômetros por hora nas pistas locais. A medida deverá ser estendida a outras avenidas. Para uma cidade que não pode parar, ela terá, pelo menos, de aprender a ir mais devagar.
O problema é que essas medidas estão causando enormes celeumas entre os paulistanos, que parecem sofrer de uma espécie de crise de abstinência por não poder acelerar seus carros à vontade. Como se isso já não ocorresse. Minha velocidade média, em São Paulo, raramente ultrapassa os 20 quilômetros por hora. Seria ótimo se conseguisse, ao menos, chegar aos “ultrarrápidos” 50 quilômetros por hora da marginal. Se a pista estivesse vazia, demoraria alguns minutos a mais para chegar ao meu destino. Qual o problema? Estudos indicam ainda que, quanto mais devagar, melhor é o fluxo dos automóveis. Logo, há menos congestionamentos. E, principalmente, a chance de ocorrer acidentes fatais diminui. No primeiro mês da medida, o número de acidentes caiu 30%. É cedo para acreditar que se trata de uma tendência. Mas, se ao menos uma única pessoa for salva, já terá valido a pena. No Brasil, os acidentes de trânsito fazem mais vítimas do que muitos países em guerra. No ano passado, foram 52,2 mil mortes, segundo dados da Líder, responsável pelo seguro obrigatório, o DPVAT.
Aos que argumentam que a redução da velocidade média tem como principal inspiração a intenção alimentar a indústria da multa, vale prestar atenção nesta estatística. Uma multa é emitida a cada 4,5 mil infrações de trânsito cometidas. Isso mesmo: apenas 0,02% dos erros ao volante são punidos. Um estudo realizado pelo engenheiro Horácio Augusto Figueira, a pedido da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, traz dados alarmantes que merecem a reflexão. Segundo o levantamento realizado nas ruas da capital paulista, um motorista atingiria o limite de 20 pontos estabelecido no Código de Trânsito Brasileiro e perderia, portanto, sua habilitação em apenas oito minutos. Isso mesmo, você não leu errado. Esquecer de usar a seta, dirigir com o braço para fora e falar ao celular são as infrações mais comuns.