Os espiões cubanos Gerardo Hernandéz, Ramón Labañino e Antonio Guerrero, mantidos prisioneiros pelos EUA, deverão entrar para história de seu país como heróis, da mesma forma que Alan Gross, o técnico de comércio detido em Cuba desde 2009, talvez seja citado para sempre nos livros americanos. No mundo inteiro, porém, todos se lembrarão da quarta-feira 17, dia em que os quatro presos ganharam liberdade, ato que simbolizou a retomada das relações entre os dois países, após mais de 50 anos
de distanciamento.

Os discursos quase simultâneos dos presidentes Barack Obama e Raúl Castro na data resumiram 18 meses de negociações, com participações decisivas da diplomacia canadense e do papa Francisco. O momento histórico é considerado o “começo do fim” do embargo econômico imposto pelos EUA, uma política que custou a Cuba mais de US$ 100 bilhões, e cujo afrouxamento deve inaugurar uma nova fase no regime, com efeitos para as mais de 300 empresas brasileiras que fazem negócios no mercado cubano e a outras interessadas. O fim do embargo depende de uma aprovação do Congresso americano, onde os republicanos detêm maioria e devem oferecer resistência.

Por isso, o anúncio de Obama se restringiu a mudanças pontuais. Haverá elevação no valor que os cubanos nos EUA podem remeter à ilha e nos produtos que podem ser negociados entre as partes, além da reabertura da embaixada em Havana. “Vamos deixar para trás os legados do colonialismo e do comunismo”, disse Obama no discurso, ao admitir que o embargo falhou. “O bloqueio econômico, comercial e financeiro que provoca prejuízos humanos e econômicos enormes a nosso país precisa acabar”, reforçou Raúl Castro, que assumiu em 2006, após a piora na saúde do irmão Fidel Castro.

Desde sua chegada ao poder, Raúl vem promovendo uma série de reformas para modernizar a economia, tais como a liberação da compra e venda de veículos – é comum ver sucatas de quatro rodas circulando por Havana. Ainda assim, o anúncio de reaproximação foi uma surpresa até para quem trabalhava com a possibilidade de um fim iminente do embargo. Técnicos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) já haviam identificado, a partir de análises de pesquisas de opinião nos EUA, que o tema ganharia força. “Tanto na África quanto em Cuba, o Brasil goza de um enorme ‘soft power’”, afirma Thomaz Zanotto, do departamento de relações internacionais e comércio exterior da Fiesp.

“Temos de capitalizar isso, pois Cuba vai virar um lugar atrativo para investimento.” Além do mercado interno, o país é cobiçado como plataforma para as exportações aos EUA. Paulo Skaf, presidente da entidade, vai na mesma direção. “Com o fim do embargo, o aumento do PIB per capita cubano poderá duplicar nos próximos dez anos”. As relações comerciais do Brasil com o regime de Fidel Castro são históricas. Em 1996, a Souza Cruz justificou a escolha de Cuba como destino da primeira fábrica no exterior citando a “proximidade diplomática”. Com a chegada de Lula à Presidência, o vínculo foi se aprofundando, com visitas frequentes.

As exportações brasileiras saltaram de US$ 78 milhões, em 2003, para US$ 520 milhões no ano passado, com uma lista de 324 companhias. O Brasil é hoje o sexto maior parceiro comercial dos cubanos. Em 2008, a Apex, a agência de fomento brasileira, instalou um escritório em Havana. O governo também passou a financiar projetos na ilha com o apoio do BNDES. A reforma do porto de Mariel, finalizada neste ano pela Odebrecht, contou com US$ 700 milhões do banco, razão pela qual passou a ser alvo da oposição. “Caso o fim do embargo seja decretado, entrarão mais dólares no país, o que fará a economia crescer”, afirma Sophia Costa, gerente da Apex.

“A reconciliação sinaliza que nossa estratégia estava certa.” Nem todos os especialistas concordam. “Se a reconciliação vier acompanhada do fim do embargo, o natural é que Cuba seja reinserida no seio dos americanos”, diz Marcos Troyjo, diplomata que trabalhou em Cuba nos anos 1990. Com 11 milhões de habitantes e um PIB equivalente a 2% do brasileiro, a ilha está longe de ser uma salvação comercial. Pode ser, contudo, um bônus bem-vindo para as empresas brasileiras que hoje sofrem para competir no exterior. Tudo dependerá de como o País aproveitará a trajetória de décadas de parceria quando o embargo cair de fato.