O show de abertura da conferência anual da fabricante de computadores Dell, realizada em dezembro do ano passado em Austin, capital do Texas, pode ser considerado uma volta ao passado. A plateia, composta por pessoas acima dos 30 anos, foi embalada pelos covers da banda americana Camp Freddy, formada por ex-integrantes de grupos de rock consagrados, como Dave Navarro, guitarrista do Red Hot Chili Peppers, e Matt Sorum, baterista do Guns N’ Roses. A banda ainda levou convidados de peso ao palco, como o guitarrista Slash, a banda ZZ Top e o roqueiro Billy Idol. 

 

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Michael Dell, CEO: “Não ter de dar explicações sobre cada decisão que você

toma é muito gratificante. Não sei como aguentei isso por tanto tempo” 

 

O ponto alto da noite foi quando o vovô Idol, na plenitude dos seus 57 anos, tirou a camisa antes de cantar um dos seus maiores sucessos: Dancing with myself, de 1980. Nada mais apropriado para ilustrar o atual momento da Dell. A empresa, cujo faturamento global está na casa dos US$ 60 bilhões, atua em um mercado em constante atualização. Seu modelo de negócios, no entanto, parece estar congelado na década de 1990. Quando criou a companhia, em 1984, o atual CEO, Michael Dell, revolucionou o setor ao oferecer computadores acessíveis e adotar um eficiente sistema de vendas diretas. Com o surgimento dos tablets e smartphones, no entanto, o mercado mudou. 

 

Os computadores parecem estar destinados a se transformarem em peças de museu, a exemplo de velharias como as máquinas de datilografia e os aparelhos de fax, com vendas em queda livre (confira o gráfico ao final da reportagem). Trinta anos depois de sua criação, a Dell envelheceu, ficando para trás no competitivo mercado de tecnologia. O lucro da companhia caiu 72% no segundo trimestre do ano fiscal encerrado em agosto de 2013, o último dado disponível. “Precisamos ser mais criativos e entrar em novos mercados”, afirmou Dell à DINHEIRO (leia entrevista ao “É preciso assumir riscos”, ao final da reportagem). 

 

“Hoje temos de atuar em várias frentes, não apenas vendendo computadores.” A saída para tentar voltar seu foco para o futuro foi fechar o capital, em setembro do ano passado, depois de 25 anos, em uma transação que movimentou cerca de US$ 25 bilhões. Dessa forma, a fabricante de computadores ganha uma nova chance de recuperar o terreno perdido para empresas como a americana Apple e a coreana Samsung. “Os tablets estão dominando o mercado de PCs”, afirma Bruno Freitas, analista da IDC. “O que a Dell precisa fazer é entrar com força nesse setor.” A empresa de Austin já começou a se movimentar. 

 

Neste ano, lançou um tablet dotado do sistema operacional Android, do Google, que deve ser vendido a cerca de US$ 150. Um iPad, da Apple, não sai por menos de US$ 299. Outra novidade é um notebook de baixo custo que utiliza o navegador de internet Chrome, também do Google, como sistema operacional. Sua principal função é acessar a internet. Dell também aposta no mercado corporativo, setor em que a companhia mantém um bom desempenho. No segundo trimestre, a receita desse segmento cresceu 8%, para US$ 3,3 bilhões. 

 

Apesar do momento difícil, Dell aparenta tranquilidade. Quem conversa com o empresário nota um ar sereno, bom humor e segurança. Seus funcionários estão percebendo isso. “Era notório, antes do fechamento de capital, que Michael nunca falava o que realmente gostaria”, afirma um alto executivo da subsidiária brasileira. O empresário atribui essa aparente tranquilidade também ao fato de ter encerrado o processo de recompra da empresa. “Não ter de dar explicações sobre cada decisão que você toma é muito gratificante”, diz Dell. “Não sei como aguentei fazer isso por tanto tempo.” 

 

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“É preciso assumir riscos” 

 

Michael Dell fala com exclusividade à dinheiro:


Com o fechamento do capital da Dell, o sr. diz que terá liberdade para inovar. Muitos dos seus funcionários, no entanto, trabalham há mais de uma década na companhia. Como fazer essas pessoas pensarem de forma diferente?

A questão é simples: é preciso assumir riscos. Sem precisar prestar contas para os investidores, fica mais fácil. Temos de ser criativos para entrar em outros mercados. Hoje, não é possível ficar apenas na área de PCs. Agora, em uma empresa do tamanho da Dell, nem todo mundo pode assumir riscos. Existem algumas áreas que precisam trabalhar de forma mais conservadora. 

 

Nessa diversificação para outros setores, a Dell pensa em entrar no segmento de smartphones?

Não vamos entrar no mercado de smartphones. 

 

Muitos funcionários da Dell dizem que, desde o fechamento de capital, o sr. está mais relaxado. Há um motivo em especial?

Em grande parte isso se deve ao fim do processo de recompra da empresa. Além disso, o caminho que temos de percorrer daqui para a frente está muito mais claro. Agora, só precisamos trabalhar para as coisas acontecerem. E não preciso dar muitas explicações. 

 

Diretamente de Austin (EUA)