Quando a presidenta Dilma Rousseff assumiu o governo, em 2011, contava com uma expectativa alta do empresariado, que viu nela uma postura de mulher de negócios, importante para o que o País precisava. Diante de tantas correções de rota necessárias para aumentar os investimentos do setor privado, Dilma parecia a pessoa certa para tomar as decisões adequadas. Passados mais de dois anos, seu esforço é reconhecido, mas o setor privado ainda não alterou significativamente o nível das apostas dos donos do capital, a ponto de mudar o ritmo de crescimento da economia, que deve manter o tradicional status do voo de galinha. Uma prova dessa falta de entusiasmo do empresariado é a oscilação do indicador de confiança da Confederação Nacional da Indústria (CNI), divulgado na semana passada. De 57,1 pontos em março (de um máximo de 100), o índice caiu para 55,4 pontos em abril, o menor resultado desde agosto de 2012. Os ânimos devem se retrair um pouco mais depois da alta dos juros, promovida pelo Banco Central, na quarta-feira 17 (leia reportagem aqui).

 

122.jpg

Enigma do capital: o que espera George Washington, o símbolo da moeda americana,

para aumentar investimentos na economia brasileira?

 

Dois dias antes, o resultado do primeiro trimestre, divulgado pelo BNDES, revelava que até mesmo a área mais estratégica para o governo, a infraestrutura, teve uma queda de 7% nos desembolsos neste ano, fechando em R$ 9,26 bilhões. Mas, se o governo já estabeleceu uma agenda de concessões para o setor privado, e as vendas do mercado interno continuam aquecidas, por que a oferta de recursos não encontra demanda? Esse é o enigma de bilhões de reais que o governo Dilma precisa decifrar. DINHEIRO ouviu representantes da iniciativa privada e diversos gestores de fundos, para tentar entender as razões da falta de ousadia dos investidores. 

 

123.jpg

Marcelo Odebrecht, do Grupo Odebrecht: “Quem define a taxa de retorno

das concessões público-privadas é o mercado”

 

Um dos argumentos é de que o governo ainda não encontrou a modelagem financeira ideal para convencer o setor privado de que vale a pena investir em obras de grande porte. Os poucos leilões realizados neste ano tiveram baixa procura, e uma das razões é a taxa de retorno aquém do esperado. “Quem define taxa de retorno é o mercado”, diz Marcelo Odebrecht, presidente do grupo Odebrecht, cuja construtora atua em diversas obras prioritárias para o governo, como os estádios para a Copa do Mundo, hidrelétricas e rodovias. Com um plano ambicioso de investir ao menos R$ 500 bilhões em logística, o governo não conseguiu, ainda, formatar um sistema de financiamento que garanta a execução das obras necessárias. 

 

124.jpg

Márcio Holland, do Ministério da Fazenda: ”debêntures incentivadas

já movimentam R$ 85 bilhões”

 

Odebrecht observa que até mesmo os bancos públicos temem o “risco governo” em obras de infraestrutura. Mas ele reconhece que não se trata de uma transição simples, uma vez que a cultura preponderante no sistema financeiro nacional, até agora, era a de perseguir remuneração fácil com juros altos e risco nulo. “Percebo claramente que muita coisa está sendo feita”, diz. De fato, vários instrumentos financeiros estão sendo incentivados, como é o caso das debêntures. “Desde que aprovamos a lei de debêntures para infraestrutura, em agosto do ano passado, já foram emitidos R$ 85 bilhões em papéis desse tipo”, afirma Márcio Holland, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

 

Segundo o presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), Bernardo Figueiredo, está em estudo, ainda, a criação de outros instrumentos que garantam o acesso da iniciativa privada aos projetos de infraestrutura. “Está sendo avaliada a criação de Fundos de Investimentos e Participações (Fips), que podem atrair a indústria de private equity”, diz Figueiredo. As taxas de retorno das concessões também estão sendo reavaliadas. No caso de rodovias, por exemplo, uma das possibilidades aventadas é aumentá-las de 5,5%, como havia sido proposto pelo governo inicialmente, para 8%. Holland admite que o tema está em discussão, mas não confirma esse novo patamar. 

 

125.jpg

Littlejohn, da Paul Capital: ”é preciso sinalizar uma política econômica

coerente para dar tranquilidade a quem investe”,

 

Já em relação às ferrovias, Figueiredo afirma que estão previstos também ajustes no sistema de concessões “Em áreas em que o mercado percebeu maiores riscos, as taxas estão sendo revistas”, diz Figueiredo. Os editais serão conhecidos a partir de julho. Mas a presidenta Dilma tem pela frente a missão de quebrar, ainda, a resistência dos donos do dinheiro aos setores regulados pelo governo.Impera no mercado um residual negativo de mau humor por conta das mudanças no setor elétrico no ano passado, que geraram perdas bilionárias para algumas empresas. “As alterações dos contratos das elétricas deixaram o setor privado assustado, e mantêm os investimentos em infraestrutura retraídos”, diz Luiz Eugenio Figueiredo, sócio-diretor da Rio Bravo Investimentos. 

 

O governo argumenta que as revisões estavam previstas em contrato, mas os investidores se atêm ao lado negativo (leia quadro “Bateu no teto?”). Mais do que isso, os seguidos anúncios do governo, mesmo quando bem-intencionados, como a desoneração para diversos setores ou as variações do Imposto sobre Operações Financeiras, deixam a impressão de que a estratégia adotada é a do “tudo ao mesmo tempo agora”, sem planejamento definido. “A gente fica pensando: em qual momento o setor em que atuo terá alguma mudança?”, diz R. Duncan Littlejohn, diretor do Paul Capital, um fundo secundário de private equity, que administra ativos no valor de US$ 4 bilhões no mundo. 

 

127.jpg

 

 

No Brasil, a Paul Capital tem US$ 70 milhões aplicados em dois fundos que investem em empresas de tecnologia. Littlejohn acredita que o governo Dilma não tem sido hábil em sinalizar uma política econômica coerente, o que traz intranquilidade para quem investe e se traduz, muitas vezes, em prejuízos. “Vendi uma participação nos fundos no mês passado quando o dólar estava a R$ 1,97. Duas semanas depois o câmbio estava a R$ 2,01, uma diferença que precisa ser coberta”, afirma. “Precisamos de previsibilidade.” O zelo pelo conservadorismo das regras faz parte da cultura dos investidores, que seguem a máxima de que dinheiro não gosta de levar desaforo. Felizmente, nem todo capital é avesso ao risco. 

 

126.jpg

Alguém tem que ceder: concessões de ferrovias terão as taxas de retorno revistas

para cima para compensar os riscos dos investidores

 

A indústria de private equity tem aumentado seu portfólio de negócios no Brasil. Segundo a Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap), o setor teve R$ 83 bilhões comprometidos em negócios no País, no ano passado, 31% a mais do que em 2011. Para este ano, a expectativa é repetir esse crescimento, investindo em setores que acompanham a expansão da nova classe média, como educação, tecnologia e varejo. “Este é o ano de fazer negócios”, acredita Carlos Eduardo Guillaume, presidente do fundo mineiro Confrapar. Para ele, a redução da expectativa em relação ao Brasil, depois da euforia que durou até o ano passado, acaba se tornando benéfica. “A avaliação de preço das empresas está mais adequada agora. 

 

A verdade é que, reclamações, cara feia e chororô à parte, o Brasil continua sendo um mercado atraente, até mais do que a maioria dos demais emergentes. “O Brasil tem dado resultados mais rápidos que a China”, afirma Drew Guff, sócio-fundador da Siguler Guff, especialista em mercados emergentes, que tem mais de US$ 10 bilhões em ativos no mundo e montou escritório no Brasil em 2011. “Por sete anos, a China liderou o resultado, mas acredito que a tendência atual de liderança do Brasil deve se manter por conta das características do mercado brasileiro, inclusive no aspecto legal.” Em outras palavras: só falta mesmo o governo acertar os ponteiros e desvendar o que está sendo escondido pela esfinge, para deslanchar de vez o setor de infraestrutura. 

 

128.jpg

 


Colaboraram: Denize Bacoccina e Paulo Justus