19/08/2022 - 5:30
Imagine chegar em casa, ligar a televisão e encontrar na tela um episódio inédito de Os Trapalhões, na Globo, um programa ao vivo do Bozo (o palhaço camarada), no SBT, ou o ratinho Topo Gigio, na Rede Bandeirantes. A viagem no tempo, de volta aos anos de 1980, é improvável na vida real, mas ilustra com precisão o atual nefasto momento da economia brasileira. Repare nos números. Conhecido como década perdida, aquele período registrou um pífio crescimento de 1,57% no PIB, entre 1981 e 1990. Perdida? Sob esse prisma, o País conseguiu piorar o que já estava ruim desde então. Entre 2011 e 2020, a média de expansão do PIB foi de 0,27% por ano. E se as previsões do mercado estiverem certas, 2021 e 2022 devem crescer 4,6% e 1,8%, respectivamente, depois de um tombo violento com a pandemia. Em 2019 cresceu apenas 1,1%. Em 2020, despencou 4,1%. Assim, o PIB estimado pelo IBGE em R$ 9,7 trilhões para este ano estará no mesmo patamar de 2013, descontada a inflação.
Na base de comparação, na década perdida lá de trás, nos tempos em que José Sarney cortava zeros da moeda nos intervalos do Porta da Esperança, de Silvio Santos, registrou uma queda de 0,4% no PIB per capita. De 2011 a 2020, a retração anual atingiu 0,56%. O PIB per capita ficou 10,8% menor. “Estamos, em resumo, mais pobres”, disse o sociólogo Edemilson Paraná, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC). “Os últimos dez anos podem inequivocamente ser compreendidos como mais uma década perdida no País. Mais do que isso: os dados apontam para a pior década em 120 anos.”
Como águas passadas não movem moinhos e nem restauram o PIB, as atenções se voltam para a década em curso. De 2021 a 2030, não haverá crescimento sem o restabelecimento dos compromissos fiscais, retomada dos planos de reforma tributária e administrativa, além da volta de um plano de estímulo aos investimentos em infraestrutura, saneamento e habitação, segundo o economista Rodrigo Leite, professor de Finanças e Controle Gerencial da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Para evitar mais dez anos de estagnação, a política econômica precisa priorizar o compromisso fiscal, o superávit primário e a volta dos investimentos”, afirmou Leite. “As reformas precisam desburocratizar para aumentar a arrecadação e, ao mesmo tempo, desonerar o trabalhador.”
Se o País insistir no caminho do aumento dos gastos sem ampliação equivalente da arrecadação, continuar com manobras políticas para driblar o teto de gastos e afrouxar a disciplina fiscal, 2021 a 2030 será um déjà vu das décadas de 1981 a 1990 e de 2011 a 2020, na avaliação do economista Davi Lelis, sócio da Valor Investimentos. “O Brasil não pode continuar repetindo os mesmos erros das décadas passadas, com crise de dívida pública, piora da condição fiscal, juros altos e com inflação”, disse Lelis.
Para muitos, o primeiro passo para recuperar a economia e salvar esta década é a reindustrialização. A participação da indústria de transformação na economia, que em 2021 chegou a 10,3% do PIB, é a menor da série histórica, que começa em 1947. Naquela época, estava em 19,9%, o dobro da participação atual. Em 1985, a participação desse setor chegava a quase 36% do PIB. A fatia do PIB relativa à indústria está no mais baixo degrau desde o fim da década de 1940.
PROBLEMA FUTURO O próximo governo, seja qual for, também precisará encarar a desigualdade para achar saídas, segundo João Becker, economista e sócio da BRA. “O sistema tributário olha para o que é consumido e não para quem consome”, afirmou. “Precisamos, nos setores público e privado, articular questões como descarbonização, economia circular, diversidade, inclusão e ética na gestão.” Já o economista Vladimir Maciel, coordenador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica, acredita que a restauração da normalidade institucional é o alicerce para tirar o País do limbo da estagnação até 2030. Para não ter mais uma década perdida, ele defende a estabilidade, a previsibilidade e a inclusão produtiva e social. “Planos mirabolantes e grandes estratégias acabam resultando em recessão, inflação e voos de galinha”, afirmou. “O governo não precisa inventar moda. Fazer o básico bem feito seria um grande avanço. Chega de sobressaltos.”