16/12/2022 - 4:10
Quando a esmola é demais, o santo desconfia. Numa nova versão, quando os juros são altos demais, os investidores desconfiam. Esse bem pode ser o ditado para tentar explicar apenas um dos motivos para os saques em fundos em novembro. De acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), desde setembro há resgates seguidos por parte de investidores de previdência, empresas e de pessoas físicas do varejo tradicional. Entre janeiro e novembro, os cotistas já retiraram R$ 25,7 bilhões das carteiras. Em 2021, nessa mesma época, os fundos apresentavam captação líquida de R$ 463,1 bilhões.
No ano há debandada de fundos de ações (-R$ 66,1 bilhões) e multimercados (-R$ 83,7 bilhões), resultado da realocação de recursos para a renda fixa, que estão pagando juros altos no momento. A taxa básica de juros (Selic) está em 13,75% ao ano e serve de referência para o retorno em fundos DI, de renda fixa pós-fixada, os mais conservadores e seguros do mercado. Nesse segmento, a rentabilidade nominal ficou entre 11,27% e 13,23% nos últimos 12 meses.
Para Mariana Barros da Rocha, gestora de fundos da Órama Gestão de Recursos, a eleição deixou pessoas inseguras, num movimento de aversão ao risco e incertezas sobre o ambiente doméstico e externo. “Os clientes ficaram mais receosos. Vemos resgates quase todas as classes de ativos”, disse. A observação dela é confirmada pelos dados da Anbima, os fundos de renda fixa completaram três meses com retirada líquida de recursos, sendo R$ 16 bilhões de saída em novembro. No ano, a classe ainda acumula R$ 74,5 bilhões em captação líquida. A gestora explicou que a maior parte da retirada de recursos da renda fixa no ano está sendo feita por investidores institucionais de previdência, os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), que sacaram o montante de R$ 17 bilhões, além de seguradoras (-R$ 2,8 bilhões) e empresas (-R$ 15,6 bilhões). “Há muitos compromissos de institucionais no final do ano. Mas há também resgates de pessoas físicas do varejo tradicional (-R$ 20,3 bilhões)”, afirmou.

“Há resgates sazonais em novembro, dezembro e janeiro, quando também é mais puxado em impostos como IPTU e IPVA” Rodrigo Caetano analista da Toro.
Os compromissos dos RPPS são relativos ao pagamento do 13o salário para aposentados e pensionistas. A situação é similar à de empresas que desembolsam recursos de reservas financeiras depositadas em fundos de renda fixa de curto prazo de liquidez diária para pagar funcionários em novembro e dezembro. Entre as diversas subcategorias dessas aplicações, R$ 12,36 bilhões saíram de fundos de curto prazo.
PESSOAS FÍSICAS Para Rodrigo Caetano, analista da Toro Investimentos, pessoas físicas acabam utilizando suas reservas para compras de Natal e viagens de final de ano. “Há resgates sazonais em novembro, dezembro e em janeiro, quando também é mais puxado em impostos como IPTU e IPVA”, disse.
Essa retirada líquida geral não foi maior no ano por causa de outros tipos de investidores que aparecem com aportes: fundos de pensão de empresas públicas (+R$ 4 bilhões), planos de previdência privada (+R$ 2,2 bilhões) e planos de capitalização (+R$ 4,6 bilhões). O varejo alta renda também está poupando na renda fixa (+R$ 11,3 bilhões) e investidores milionários do segmento private (+R$ 6 bilhões). Questionado sobre a volta da captação em 2023, Caetano aponta para uma retomada nos aportes para depois do Carnaval, em 21 de fevereiro próximo. “Saindo desse período, vamos ver uma retomada”, afirmou.
Numa visão diferente sobre o ambiente atual, o CIO da Suno Asset, Vitor Duarte, percebeu casos isolados de retiradas para compra de dólar. “O que percebi de agentes de investimentos na região Sul, e de mais de um agente, foram conversas de pessoas retirando dinheiro para remessas para o exterior”, afirmou. Questionado sobre exemplos, Duarte contou que o caso de um agente que realizou uma operação de câmbio de R$ 10 milhões. “Existe uma pequena parcela da população que só se informa pelo WhatsApp. Para eles, o mundo vai acabar depois da vitória do Lula, são essas pessoas que estão transferindo dinheiro para aplicar fora do País”, disse.
Duarte disse que essas pessoas estão com medo da inflação. “O tempo vai dizer se elas estão erradas ou não. O dólar pode ir para R$ 7 ou R$ 8 em seis meses, mesmo com o nível elevado de reservas cambiais. Quando Bolsonaro fez o primeiro furo no teto de gastos, o dólar pulou de R$ 4 para R$ 5 rapidamente e não voltou mais”, afirmou. “Entre juros de 13,75% em reais, e juros de 4% em dólar (nos EUA), a taxa americana não está ruim.” O alerta dele contraria previsões da maioria dos analistas. Segundo a última Pesquisa Focus do Banco Central, divulgada na segunda-feira (12), a estimativa aponta o dólar em R$ 5,25 no final de 2023.