A tempestade veio com tudo. Primeiro, com a enxurrada de fabricantes de iates estrangeiros, que aportaram no País como alternativa à crise econômica mundial. Era final de 2008, os clientes nos Estados Unidos e na Europa haviam desaparecido, enquanto no Brasil ainda se via pujança. Os estaleiros nacionais sentiram o baque. A Intermarine, líder absoluta no segmento de iates, com 80% de participação, viu-se obrigada a disputar espaço com marcas como a americana Brunswick e a italiana Azimut. O pior, porém, ainda estava por vir.

Em janeiro de 2009, o helicóptero que transportava o dono da Intermarine, o empresário Gilberto Ramalho, caiu de uma altura de 20 metros quando se preparava para pousar, em Itupeva, a 70 km da capital paulista. Das cinco pessoas a bordo, todas sobreviveram, exceto o empresário de 66 anos. Além do impacto emocional, o acidente deixou também feridas na Intermarine. “Ele era a cara da empresa, uma referência. Os clientes ficaram inseguros, não sabiam se o estaleiro iria sobreviver sem ele”, conta uma fonte do setor.

De fato, as encomendas caíram de 100 embarcações por ano para não mais do que 20. Dos 1.200 funcionários, metade foi demitida. Mas, ao contrário das previsões, a empresa não naufragou. “Sempre esteve nos meus planos e nos do meu pai que eu trabalharia aqui. Cresci aqui dentro do estaleiro. Infelizmente, não deu tempo de trabalharmos juntos”, conta Roberta Ramalho, 22 anos, presidente da Intermarine. A herdeira (que estava no helicóptero com o pai e sobreviveu ao acidente) acabou assumindo a tarefa de forma precoce.

Enquanto seus colegas na faculdade de economia da PUC-Campinas tinham tempo para confraternizar ao final das aulas, Roberta, então com 19 anos, corria para seu “estágio” na Intermarine, em Osasco, São Paulo. Uma consultoria foi contratada para administrar a empresa e, durante um ano, a jovem passou por um treinamento intensivo, frequentando o estaleiro diariamente. “Passei por todos os departamentos, conversei com clientes. Muitos já me conheciam, frequentavam minha casa desde que eu era criança”, conta a empresária, que assumiu formalmente a Intermarine em 2014. “O mais difícil foi convencer os funcionários a vestir a camisa. Mas nada melhor que mostrar capacidade para criar confiança nas pessoas”.

Aos poucos, a herdeira vem imprimindo sua própria marca na gestão. A principal delas tem 29 metros de comprimento, 340 m2 de área e assinatura do designer Luiz de Bastos. Trata-se da Intermarine 95, superiate apresentado ao mercado em 2014 e já conta com uma encomenda, prevista para ser entregue no final do ano. A empresa não divulga preços, mas no mercado estima-se que a embarcação possa custar entre R$ 25 milhões e R$ 30 milhões. Outro lançamento recente é a Intermarine 48, uma offshore capaz de atingir 98 km/h e que marca a reestreia da Intermarine no segmento de alta velocidade.

“Sempre fui apaixonada por velocidade, era um sonho meu relançar uma offshore”, conta Roberta, que divide o tempo livre entre os passeios no mar e a montaria, seu grande hobby. Questionada se a comparação com o pai a incomoda, ela abre um sorriso. “Não, ao contrário. É uma sombra da qual me orgulho bastante”. O pai sempre foi um aficcionado por barcos. Era cliente da Intermarine, até então um pequeno estaleiro, fundado por um conhecido na década de 70. Os negócios, porém, não iam bem e, antes que o estaleiro fechasse as portas, Gilberto Ramalho decidiu comprá-lo do amigo, em 1982. “Se a empresa chegou onde chegou, foi mérito dele”, diz Roberta.

Segundo ela, este ano a Intermarine deve manter o mesmo desempenho do ano passado, quando a empresa entregou 42 embarcações. O número é pequeno se comparado aos tempos áureos do estaleiro, mas uma forte retomada perto das dificuldades enfrentadas após a morte de Ramalho. A Intermarine não revela o faturamento, mas segundo empresários do setor ouvidos pela DINHEIRO, o valor gira em torno de R$ 200 milhões por ano. Roberta acredita que, apesar da crise, este ano será possível manter o mesmo patamar de resultados de 2015. Isso porque, segundo ela, no segmento de superiates a clientela é mais blindada a turbulências financeiras. “Sentimos o impacto nos barcos menores”, diz a empresária.

Outros grandes estaleiros que atuam no País, como a Schaefer, de Santa Catarina, e a Azimut (que apesar de italiana tem fábrica local, também em Santa Catarina), vêm conseguindo manter as vendas, mesmo com a crise, mas nem todos têm tido a mesma sorte. O braço brasileiro da italiana Ferretti, por exemplo, fechou o escritório no País e procura um comprador para seu estaleiro. “O setor está, sim, sentindo o impacto da crise, como diversos outros segmentos”, diz o empresário Ernani Paciornik, organizador do Boat Show. “Estaleiros menores talvez fiquem pelo meio do caminho, mas as empresas mais bem estabelecidas, bem geridas, estão mais imunes”.