Motos, charutos, culinária e livros. Essas eram as ocupações que Luís Carlos Cornetta queria para sua vida quando se aposentou em 2010, aos 55 anos. Ele se considerava realizado profissionalmente. Afinal, eram mais de 30 anos de uma carreira que incluía a presidência da subsidiária brasileira da Motorola, que foi uma das maiores fabricantes mundiais de celulares. “Queria um período para descansar, me dedicar aos meus interesses e cuidar dos meus filhos”, diz Corneta. “Não conhecia direito nem os professores deles.” Foram dez meses de descanso, até que recebeu um telefonema da Bematech, de Curitiba, maior empresa nacional de automação comercial. “Eles me perguntaram o que eu estava fazendo”, diz Cornetta. “Uma macarronada para os meus filhos, respondi na hora.” 

 

 

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Adeus para a bermuda: o ex-presidente da Motorola, Luís Carlos Cornetta,

reduziu sua sonhada aposentadoria para dez meses ao aceitar

um posto na diretoria da Bematech.

 

Poucos minutos depois ele já dava o sim ao convite para assumir o cargo de diretor de vendas da Bematech. A história de Cornetta é o reflexo de uma situação cada vez mais comum no mundo corporativo brasileiro: o retorno de profissionais aposentados ao mercado de trabalho. A exigência de profissionais mais tarimbados para enfrentar a turbulência trazida pela crise mundial e a falta de mão de obra qualificada estão turbinando essa tendência. Uma pesquisa feita pela consultoria britânica Hays, especializada no recrutamento de executivos, mostra que uma em cada cinco companhias contratou profissionais com esse perfil ao longo dos últimos 12 meses. “Consideramos esse número bem alto”, diz André Magro, responsável pelo levantamento. “Ele reflete uma tendência que começou há alguns anos e está ganhando força.” Na consultoria britânica Michael Page, por exemplo, a procura das empresas por profissionais acima dos 50 anos de idade cresceu mais de 50% no ano passado. 

 

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Saudade da selva de pedra: Calmazini, ex-diretor da Parmalat, deixou

o litoral para trás ao aceitar seu novo desafio na Gonow.

 

O grande destaque é a área de engenharia, que sozinha foi responsável por mais contratações do que os setores segundo e terceiro colocados juntos – finanças e vendas, respectivamente – ao longo dos últimos dois anos. “Existe uma tendência clara de se alongar a carreira dos executivos”, diz Augusto Puliti, diretor da Michael Page. “Antes a aposentadoria era uma meta dos 50 anos, hoje ela é dos 60 e amanhã será dos 70 anos.” A tendência de recolocação de profissionais com mais de 50 anos começou pelos cargos técnicos ­— principalmente no setor de engenharia, que passa por um “apagão de mão de obra”. Na pesquisa da Hays, os postos operacionais respondem por 72% das contratações. Mas a procura por executivos de alto escalão também é alta. “O mercado está valorizando demais esses profissionais, que matavam 25 leões por dia nas décadas de 1980 e 1990”, diz Fernando Marucci, sócio da consultoria Asap. 

 

Foi justamente a experiência que levou a fabricante brasileira de softwares Gonow a interromper a aposentadoria de Milton Calmazini, ex-diretor de informática da Parmalat, no fim do ano passado. “A maturidade pesou na escolha pelo meu nome”, diz Calmazini. “A empresa precisava de alguém com mais vivência, pois a maioria dos profissionais é mais jovem.” Maturidade e experiência não faltavam: aos 56 anos, o executivo incluía passagens pelo grupo Matarazzo e por companhias como Philip Morris, Cacique e Maguary. Não foi fácil para Calmazini deixar para trás a vida de aposentado. Durante quase um ano, ele e a mulher tiveram como principal ocupação explorar de moto a região entre Cananeia e Praia Grande, no litoral sul paulista. 

 

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A força da experiência: aos 61 anos, Donadio, ex-NET, diz sentir mais segurança

e produtividade na segunda fase da carreira.

 

O que o fez aceitar trocar as areias da praia pelas ruas de São Paulo? “Senti falta de fazer algo inovador, uma nova realização”, afirma Calmazini. Hoje, ele se diz mais completo pela função de dirigir uma equipe sem tanta experiência. “Virei o vovozão da turma”, diz. Segundo Magro, da Hays, é justamente a agitação a grande impulsionadora de quem decide voltar ao batente. “Muitos profissionais com mais de 60 anos de idade têm mais disposição do que jovens na faixa dos 20”, diz Magro. Essa disposição foi o fator que levou Rocco Donadio, 61 anos, de volta ao batente. Após uma longa carreira em empresas do Rio Grande do Sul, se aposentou em 2007 na direção das operações gaúchas da operadora de tevê a cabo NET. 

 

Seu objetivo era se dedicar a projetos sociais voluntários. Em seu período afastado dos negócios, criou a Domus, uma associação voltada para o atendimento de crianças com câncer na região serrana do Estado. Logo percebeu, no entanto, que tinha energia de sobra para conciliar o cargo de direção na Domus com a vida profissional. “Estava me sentindo extremamente jovem”, diz Donadio. “Percebi que podia dar muito mais.” Hoje, ele é diretor da consultoria Ferrari, de Caxias do Sul (RS), que atua na área de avaliações, fusões e aquisições. Ele passa por constantes descobertas na nova fase. “Estou muito mais seguro e produtivo”, afirma. Planos para uma nova aposentadoria? “Meu pai trabalhou empurrando uma carrocinha de algodão-doce até os 80 anos”, diz. “Eu espero chegar em forma até lá.”

 

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