As caixas de correios dos metalúrgicos Anderson, 42 anos, Floricel, 37 anos, e Carlos, 46 anos, estavam cheias no fim do ano. Moradores do ABC paulista, os três funcionários da fábrica Anchieta da Volkswagen, em São Bernardo do Campo, receberam diversas contas, como luz, gás e telefonia, que vencem na primeira quinzena de janeiro, além de poucos – cada vez mais raros – cartões de Natal de amigos e parentes. No meio da papelada, havia um telegrama curto, em torno de 20 linhas, enviado pelo departamento de recursos humanos da montadora.

Na segunda-feira 5, quando retornaram das férias, eles e outros funcionários, num total de 800, foram convidados a assinar uma licença remunerada de 30 dias, com desligamento definitivo em fevereiro. “Ao tentar entrar na fábrica e ver que meu crachá não passava na catraca, me senti frustrado e sem serventia alguma para a companhia”, diz Floricel. Frustração que predomina do chão da fábrica até a direção das principais montadoras, que tiveram um ano ruim e estão sem perspectivas. O caso da Volkswagen não é isolado – na semana passada, a Mercedes-Benz desligou 244 trabalhadores que estavam em layoff (suspensão temporária de trabalho), resultando em greve nas duas montadoras.

Na verdade, o enxugamento do quadro de funcionários na indústria automotiva vem ocorrendo mês a mês em todo o País, desde novembro de 2013. A partir daí foram fechados 15 mil postos de trabalho, num movimento que busca adequar o volume de produção à queda nas vendas. Apesar da redução do IPI, que barateou os carros, o mercado interno encolheu 7,1% no ano passado. Para complicar, as exportações despencaram 40%, por conta da crise argentina. “Foi um ano péssimo em rentabilidade para as montadoras e principalmente para as redes de concessionárias”, diz o consultor Orlando Merluzzi, que atua no setor há mais de 30 anos.

O cenário para 2015 é recheado de desafios diante do ajuste econômico que está sendo promovido pelo governo federal. “É um mercado sem renda, sem emprego, sem crédito e com juros mais altos”, diz Tereza Fernandes, diretora da consultoria paulista MB Associados. A Fenabrave, entidade que representa as concessionárias de veículos, prevê queda de 0,53% nas vendas em 2015. “O crescimento do PIB previsto é pífio”, diz Alarico Assumpção Jr., presidente da Fenabrave. “O crédito ainda está bastante limitado.”

É justamente na retomada dos financiamentos que reside a aposta da Anfavea, entidade que representa as montadoras, para pelo menos estabilizar o mercado neste ano. “A nova lei que facilita a retomada dos carros dos consumidores inadimplentes vai diminuir a cautela dos bancos”, diz Luiz Moan, presidente da Anfavea. Outra carta na manga dos fabricantes é fisgar uma fatia de mercado dos carros importados, que estão mais caros devido à alta do dólar. Mesmo que não cresça neste ano, o mercado automotivo brasileiro continuará sendo extremamente relevante. 

Deverão ser licenciados 3,5 milhões de veículos novos, o quinto maior volume do mundo. “Estou decepcionado com o nível do mercado em 2014, mas continuamos investindo”, afirma o brasileiro Carlos Ghosn, CEO mundial da Renault-Nissan (leia entrevista aqui). Com a inauguração de novas fábricas, como a da Honda, em Itirapina (SP), e a da Fiat, em Goiana (PE), a briga tende a ser ainda mais acirrada. “Tudo bem se o mercado não crescer, desde que eu ganhe uma fatia do meu concorrente”, diz um executivo de uma grande montadora, que usa como exemplo a velha brincadeira com cartas de baralho chamada de “rouba monte”, em que os jogadores “roubam” as cartas dos adversários.

O primeiro lance dessa disputa será o tamanho do reajuste da tabela de preços nas próximas semanas, quando se esgotará o estoque de veículos já faturados com o IPI reduzido – as alíquotas voltaram ao patamar normal na virada do ano. Quem exagerar na dose pode perder clientes. Em Brasília, assessores econômicos não têm se sensibilizado com a onda de demissões e descartam qualquer benefício fiscal. Em tempos de vacas magras, o lançamento de novos modelos é uma questão de sobrevivência, já que os consumidores são ávidos por novidades. O Novo Corolla 2015, por exemplo, foi fundamental para que a Toyota registrasse um crescimento de 11% nas vendas totais no ano passado, alcançado o recorde de 195,4 mil veículos vendidos no País.

A sul-coreana Hyundai também ganhou mercado, enquanto a japonesa Honda ficou no zero a zero. Por outro lado, as quatro marcas mais tradicionais no País, GM, Ford, Volkswagen e Fiat, registraram queda nas vendas. “Há espaço para todos, mas a briga vai ser épica”, diz Merluzzi, que considera otimista a previsão de crescimento nulo do setor neste ano. Por enquanto, o clima nas fábricas é de medo e desolação. “A empresa já passou por momentos piores, mas, pessoalmente, este foi o mais doloroso, porque desta vez eu fui demitido”, lamenta o Anderson, da Volks, de mãos atadas.

Colaborou: Paula Bezerra