07/11/2014 - 20:00
Nos Estados Unidos, quando um presidente fica sem a maioria no Congresso, costuma-se dizer que ele vira um pato manco (lame duck). Foi o que aconteceu, na semana passada, com Barack Obama, que viu os democratas perderem a supremacia no Senado – a Câmara já era republicana. No Brasil, embora a presidenta Dilma Rousseff ainda tenha uma ampla base de apoio no Congresso, sua reeleição por uma margem apertada de votos fortaleceu a oposição. Os dois mandatários, portanto, precisarão de muito jogo de cintura para conquistar os parlamentares de seus países.
Essa habilidade em negociar também será necessária na retomada das relações bilaterais, congeladas desde o cancelamento da visita de Dilma a Washington, em setembro do ano passado, com a descoberta da invasão de sua conta na internet pela NSA, uma das agências de espionagem do governo americano. É uma dança que, se bem executada, pode ser benéfica para a balança comercial brasileira. Obama já deu o primeiro passo. No dia 28 de outubro, dois dias após a confirmação de que Dilma passará mais quatro anos despachando no Palácio do Planalto, o presidente americano telefonou para cumprimentá-la.
Ele elogiou a “solidez da democracia brasileira” e enfatizou o “valor estratégico da parceria bilateral”, além de reiterar o compromisso de aprofundar a relação em áreas como comércio, energia e outros assuntos prioritários. Dilma agradeceu e disse que, também para o Brasil, o fortalecimento dos vínculos é uma prioridade. Obama sugeriu, ainda, uma conversa “tête-à-tête” no próximo fim de semana, nos dias 15 e 16, quando ambos participarão da 9ª reunião de cúpula do G20 em Brisbane, na Austrália. Formado pelas 20 maiores economias do mundo, o grupo foi criado em 2008 para coordenar uma ação conjunta das nações avançadas e em desenvolvimento para combater a crise e redesenhar o sistema financeiro internacional.
Desde então, o PIB dos 20 países aumentou de US$ 54 trilhões em 2008 para US$ 63,1 trilhões no ano passado, mas a participação deles na economia mundial caiu de 87,5% para 85,9%. O convite foi reafirmado, na quinta feira, pelo vice de Obama, Joe Biden. Além do encontro, diplomatas dos dois lados começaram a tratar também da visita de Dilma a Washington. O Itamaraty trabalha com a possibilidade de que aconteça em março. O que ainda não se sabe é o que, exatamente, os dois líderes vão discutir. Desde o cancelamento da viagem de 2014, as conversas entre as equipes adquiriram um ritmo burocrático.
O Congresso de maioria republicana dificulta a vida de Obama em muitos aspectos, mas a maior abertura do partido em temas comerciais pode facilitar os acordos. O problema é que, no Brasil, ainda não há consenso dentro do governo sobre o estreitamento das relações. “Até agora, a presidenta vem tomando decisões ambivalentes quando o assunto é comércio internacional”, diz Irene Mia, diretora da The Economist Intelligence Unit na América Latina e Caribe. “Ela se esforça para manter um acordo comercial com a Argentina, por exemplo, e abre mão de outros parceiros, quando nossos vizinhos estão ampliando as relações com diversos países, como prova a Aliança do Pacífico.”
A falta de prioridade, na prática, também é percebida do lado americano. “As relações estão frias, distantes, e não acredito que os Estados Unidos vejam o Brasil como um aliado próximo”, diz Peter Hakim, presidente emérito do Diálogo Interamericano, centro de estudos de Washington que acompanha as relações entre os países do hemisfério americano. Hakim vê o desgaste pelas denúncias de espionagem como um empecilho para a normalização das relações, caso não haja o pedido de desculpas exigido pelo lado brasileiro. Além disso, a deterioração da imagem do Brasil como um destino amigável ao investimento reduziu a pressão entre as empresas americanas por acordos de facilitação de comércio.
Apesar do pouco empenho, o aquecimento das relações bilaterais seria muito útil neste momento, em que a balança comercial ameaça fechar o ano no vermelho pela primeira vez em 14 anos. No acumulado até outubro, o saldo das trocas com o exterior está negativo em US$ 1,87 bilhão. O secretário de Comércio Exterior do Ministério de Desenvolvimento, Daniel Godinho, diz que ainda é possível virar o jogo, pois “dezembro costuma ser tradicionalmente superavitário”. O problema é que a Argentina, terceiro maior destino das exportações, está em crise, enquanto o preço das commodities está em queda por conta da desaceleração chinesa.
O intercâmbio comercial com os Estados Unidos é especialmente importante para a indústria, por causa das exportações de manufaturados. Entre janeiro e setembro deste ano, os embarques para o mercado americano somaram US$ 20 bilhões, dos quais US$ 14 bilhões são de produtos industrializados. “A economia dos Estados Unidos está voltando a crescer e eles estão comprando mais de outros países do que do Brasil”, diz o consultor Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério de Desenvolvimento no governo Lula. O aperto monetário esperado para os próximos meses, a partir da recuperação da economia dos Estados Unidos, pode beneficiar os exportadores brasileiros.
“A alta nos juros em 2015 pode ser uma oportunidade para as exportações do Brasil, pois vai desvalorizar o câmbio”, afirma o economista Barry Naughton, professor da Universidade da Califórnia, em San Diego. Esse potencial é percebido pelos empresários. “O setor privado é muito dinâmico, dos dois lados, mas precisamos de mais acordos comerciais”, diz Gabriel Rico, CEO da Câmara Americana de Comércio (Amcham), que reúne companhias brasileiras e americanas. Além das grandes empresas, que já fazem negócios com os Estados Unidos, como Braskem, Odebrecht, JBS e Gerdau, Rico notou nos últimos meses um maior interesse de grupos menores, atraídos pelo tamanho do mercado.
É o caso da Líquido, fundada há dez anos pelo empresário Naim Marof Hasan para produzir biquínis e roupas de ginástica. Ao montar um site para vendas online na Austrália, há dois anos, ele percebeu que 70% dos pedidos eram provenientes de americanos, especialmente da Califórnia, e decidiu investir naquele mercado, inicialmente também com vendas pela internet. “O colorido da moda brasileira tem atraído o consumidor americano, especialmente para moda fitness”, afirma Hasan, que exporta 15% da produção mensal de 200 mil peças por mês e planeja a abertura de lojas nos Estados da Carolina do Norte e da Flórida.
O gigantismo do mercado de vinhos americano, 11 vezes maior do que o brasileiro, motivou a Vinícola Perini, do Rio Grande do Sul, a desenvolver uma linha específica para o país. Os primeiros lotes do produto, que leva uma arara no rótulo, já começaram a ser vendidos e devem render US$ 500 mil no próximo ano. “Em dez anos, queremos ter pelo menos 20% dos negócios nos Estados Unidos”, diz Franco Perini, diretor da Vinícola Perini. Mas nem todos os mercados são abertos a produtos estrangeiros. Daí a importância dos acordos para redução das barreiras tarifárias e não tarifárias.
“Essa é uma agenda de dez anos atrás, que perdeu prioridade, e tenho dúvidas se será retomada”, diz Marcos Jank, diretor de Negócios Globais da BRF. Além de manter o mercado fechado, Jank diz que os americanos estão negociando acordos com países que importam do Brasil, como Europa e Ásia, reduzindo a competitividade das empresas brasileiras. “Brasil e EUA são dois grandes players globais na área de agricultura e alimentos, mas não trabalham em conjunto para a abertura dos mercados globais”, afirma o executivo. Neste cenário, dançar de mãos dadas com o pato manco pode permitir mais oportunidades para as empresas brasileiras na maior economia do mundo.
Colaborou: Paula Bezerra