24/11/2010 - 21:00
De tempos em tempos, os mercados financeiros elegem um país para pagar a conta dos desequilíbrios da economia global. Estados Unidos e China, as estrelas da guerra cambial que ganhou as manchetes de jornais mundo afora nos últimos meses, viraram notícia velha na semana passada e os operadores dos bancos e fundos de investimento focaram suas atenções na Irlanda.
A ilha europeia, com apenas 4,5 milhões de habitantes, crescia robustos 6% ao ano até a crise de 2008, a ponto de ser comparada aos países asiáticos e ganhar o apelido de “tigre celta”. De repente, não mais que de repente, virou uma espécie de novo mico da União Europeia.
Em poucos dias, investidores e especuladores voltaram a questionar a solvência do país e passaram a vender títulos de dívida e ações de empresas irlandesas, provocando uma forte depreciação de ativos, com repercussões negativas em várias bolsas, inclusive no Brasil.
Protestos da crise: comerciantes denunciam aluguéis caros como responsáveis pelo
desemprego que afeta o país antes considerado um “tigre celta” por causa do alto crescimento
Ao contrário da Grécia, que reacendeu o nervosismo global em abril deste ano depois de pedir ajuda à União Europeia e ao Fundo Monetário Internacional, a Irlanda passou a ser condenada exatamente por recusar-se a aceitar um pacote de socorro de até E 100 bilhões dessas mesmas instituições.
Não houve nenhuma quebra de banco, nem de empresa, nem calote da dívida oficial que justificassem a nova onda de pessimismo com relação à terra do romancista James Joyce e da cerveja Guinness. O governo irlandês garantiu que tem dinheiro para tocar o barco das finanças públicas até meados de 2011 e não precisa de ajuda iminente, mas os mercados foram implacáveis mesmo assim. Faz sentido?
Não é surpresa para ninguém que a situação da Irlanda é das mais difíceis. O país já era parte do grupo pejorativamente chamado de Piigs, sigla que lembra a palavra porcos, em inglês, e inclui Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha. São economias frágeis e consideradas fadadas a quebrar, mais cedo ou mais tarde.
O polêmico economista Nouriel Roubini, em artigo publicado no jornal britânico Financial Times na segunda-feira 15, vai direto ao ponto: “Os irlandeses, como os gregos, estão num caminho de insolvência próxima ou completa.” O déficit fiscal da Irlanda, segundo ele, deve alcançar 30% do PIB neste fim de ano.
A dívida pública, que se aproxima de 100% do PIB, pode alcançar 120% em dois anos. Há um forte cheiro de calote no ar. “Logo haverá necessidade de reestruturar a dívida pública, não importam quais sejam os termos de qualquer pacote de socorro temporário”, diz Roubini, com seu habitual pessimismo.
Expectativa: numa calçada de Dublin, irlandês simboliza crise bancária do país
Como o dinheiro é covarde por natureza, sempre que há rumores de inadimplência ocorrem fugas especulativas de investidores. Desta vez, não haveria motivo para ser diferente. No fundo, ainda sobra capital financeiro no mundo e os gestores pulam de galho em galho para tentar ganhar o máximo antes de a crise estourar e sair na hora certa para mercados mais seguros ou rentáveis.
O Brasil, que tem bons fundamentos macroeconômicos e juros mais altos, é um dos que atraem o capital fujão e não deve sofrer grandes consequências da ressaca irlandesa. A fragilidade econômica da Europa, que ainda patina, e dos Estados Unidos, que demoram para retomar a atividade, ainda fala mais alto nessa movimentação.
“As crises são uma consequência natural dos desequilíbrios que ocorrem entre os países e envolvem questões de comércio internacional, serviços e mobilidade do capital”, explica Otto Nogami, professor de ambiente econômico global do Insper.
No caso da Irlanda, as apostas consideram duas variáveis importantes: se vai haver pacote de socorro e qual será o tamanho da ajuda.
Dinheiro não será problema para cobrir o rombo dos bancos locais que enfrentam dificuldades desde 2008, garante o ministro das finanças, Brian Lenihan. A União Europeia, que no primeiro semestre aprovou um pacote de E 750 bilhões para ajudar países em crise, certamente colocará o dinheiro na mesa da Irlanda, se necessário. Fala-se em um pacote emergencial de E 50 bilhões a E 100 bilhões. “Se os problemas bancários forem grandes demais para este pequeno país, a Europa deixou claro que irá ajudar”, disse Lenihan na quarta-feira.
No dia seguinte, funcionários do FMI e da União Europeia começariam a estudar os livros de grandes bancos, como o Anglo Irish Bank (nacionalizado em 2009), o Allied Irish Bank (em processo de seminacionalização) e o Bank of Ireland. Os bancos do país têm sido financiados pelo Banco Central Europeu, que emprestou E 130 bilhões em outubro, alta de 7,3% sobre o mês anterior.
A grande questão é se os credores privados devem ser salvos pelo dinheiro público, como defendem os irlandeses, ou se devem perder dinheiro e amargar o custo da reestruturação, com querem os alemães. Nas duas hipóteses, a solução será dolorida e custosa. A pergunta é inevitável: dá para tomar uma Guinness antes?