21/11/2012 - 21:00
A guerra pela redução do custo Brasil ficou mais acirrada na semana passada. De um lado, o projeto do governo federal de reduzir em 20%, a partir de fevereiro, o custo de energia brasileira, uma das mais altas do mundo, que rouba a competitividade do setor privado. De outro, algumas empresas de geração e transmissão de energia, que reclamam das mudanças no valor da tarifa, propostas pela União, e que inviabilizaria a sustentabilidade das concessões e a realização de novos investimentos. Há 123 usinas com concessão vencendo entre 2015 e 2017, que representam um quarto da capacidade de geração no Brasil.
Aécio Neves, Senador PSDB-MG: “A Cemig já perdeu R$ 11 bilhões no seu valor de mercado,
o que significa que ela perde capacidade de investimento”
O governo ofereceu a elas a possibilidade de renovar o contrato por mais 30 anos, com uma condição: que aceitem uma redução, já a partir do próximo ano, da remuneração que recebem pela energia. O valor do MW/h vai cair de uma média de R$ 90 para R$ 27. Pelos cálculos da Confederação Nacional da Indústria, o custo das empresas pode cair entre 2% e 4% com as mudanças. O problema é que empresas como Cemig, Cteep e Cesp consideram baixo o novo preço da energia. Mas o que elas reclamam mesmo é do valor calculado pelo governo para as indenizações sobre os ativos ainda não totalmente amortizados. O governo, por enquanto, mantém a linha dura nessa negociação.
“Os novos contratos não embutirão mais a amortização dos investimentos feitos pelas empresas, pois já foram pagos pelos consumidores, ou serão indenizados pelo governo”, disse a presidenta Dilma Rousseff na terça 13. O princípio, na verdade, não é contestado pelas empresas. Elas reclamam é do valor oferecido pelo governo, de R$ 20 bilhões. Só a Eletrobras, por exemplo, esperava receber cerca de R$ 30 bilhões pelos investimentos não amortizados, mas terá direito a apenas R$ 14 bilhões. Além da pressão do governo para reduzir sua rentabilidade, a concessionária recebeu um ultimato dos acionistas.
Dilma Rousseff, Presidenta da República: “Os novos contratos não embutirão
a amortização dos investimentos feitos pelas empresas”
O fundo norueguês Skagen, com 17,5% das ações preferenciais da Eletrobras, enviou uma carta ao conselho de administração da geradora, recomendando que as concessões não sejam renovadas. Uma saia justa para a estatal. Controlada pela União e com ações na BM&F Bovespa e na Bolsa de Nova York, a Eletrobras se vê entre dois acionistas com interesses divergentes. Ao receber metade da indenização esperada, a empresa seria obrigada a aceitar um prejuízo. O presidente da Eletrobras, José da Costa Carvalho Neto, disse que não pretende recorrer à Justiça, mas tenta negociar. “Se houver espaço para discutir e entender a composição dos valores, não vamos abrir mão desse direito”, afirmou.
No caso da companhia estadual Cemig, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) entrou na briga e disse que o governo mineiro vai entrar na Justiça reivindicando o valor que considera justo pelos ativos da companhia. “A Cemig já perdeu R$ 11 bilhões no seu valor de mercado”, diz Neves. “Isso significa que ela perde capacidade de investimentos.” A primeira manifestação das concessionárias sobre o acordo foi feita no dia 15 do mês passado. Das 123 usinas, apenas 17 não aceitaram negociar. Mas naquele momento, faltavam detalhes mais claros sobre as tarifas que o governo pretendia adotar e as indenizações em jogo. Agora, com os números em mãos, elas têm até o dia 4 de dezembro para decidir se aceitam o novo contrato.
Pelo menos uma delas, a Companhia de Transmissão Paulista (Cteep), controlada pelo grupo colombiano ISA, já anunciou que prefere deixar a operação no vencimento do contrato, em julho de 2015. O governo propôs uma indenização de R$ 2,9 bilhões por investimentos não amortizados e a redução da receita anual da empresa dos atuais R$ 2 bilhões para R$ 515 milhões. A decisão de aceitar as novas regras ou abrir mão da operação ainda está sendo analisada pela maioria das empresas, mas outras concessionárias podem seguir o exemplo da Cteep. Usinas e linhas de transmissão de empresas que não quiserem renovar o contrato voltam para a União e serão relicitadas.
Márcio Zimmermann, secretário-executivo do Ministério de Minas
e Energia: “O País recebe muitos investimentos externos.
Temos muitos interessados”
O cálculo do governo é o seguinte: como o investimento já foi pago, é possível remunerar a concessionária apenas pela operação, por um valor muito mais baixo. A Cesp, controlada pelo governo do Estado de São Paulo, ainda não decidiu pela renovação. “É muito difícil”, diz o secretário de Energia de São Paulo, José Aníbal. O governo paulista, por exemplo, esperava uma indenização de R$ 7,8 bilhões, mas vai receber apenas R$ 1 bilhão pelas usinas de Ilha Solteira, Três Irmãos e Jupiá. As três, que vencem em 2015, respondem por dois terços da energia gerada pela Cesp. A Cemig já declarou que não pretende renovar as concessões de três usinas – São Simão, Jaguará e Miranda – e quer negociar com a União a indenização das demais.
“Torço para que elas pleiteiem a renovação”, limitou-se a dizer o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, confirmou a falta de disposição do governo em negociar. “Vamos cumprir à risca o que estabelecemos”, afirmou no início da semana. Numa audiência pública no Senado, na terça-feira 13, em que os governadores debateram a Medida Provisória 579, que altera os contratos, representantes dos governos estaduais reclamaram também da perda de ICMS com a redução das contas de energia.
José Carvalho Neto, Presidente da Eletrobras: ”Se houver espaço
para discutir a composição de valores, não vamos abrir mão desse direito”
“Vamos perder R$ 5,5 bilhões”, diz José Aníbal. (leia reportagem aqui) “Enquanto isso, o governo federal apenas abriu mão de dois fundos que não tinham mesmo razão de existir”, reclamou, referindo-se ao RGR, um fundo para pagar as amortizações dos investimentos, e o CCC, uma conta que custeia as usinas termoelétricas na Amazônia, mais caras. “Todos somos favoráveis à redução da tarifa, mas é preciso levar em conta as perdas”, diz o governador mineiro, Antonio Anastasia. Se a redução das tarifas é boa para a economia, o aperto nas concessionárias traz um risco: o de que elas percam capacidade de investimento futuro.
Mesmo que a parte estrutural das usinas já tenha sido paga, elas ainda demandam atualização de equipamentos. “Qualquer investimento adicional pode ser autorizado por nós e incluído na revisão da tarifa”, diz o presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Nelson Hubner. Zimmermann não teme falta de interesse dos empresários. “O País recebe muitos investimentos externos. Temos muitos interessados”, diz ele. Novos investimentos até podem estar fazendo fila para entrar no Brasil, como afirma Zimmermann, mas por enquanto as empresas estão pagando o preço da mudança das regras.
Elas vêm acumulando perdas desde que o governo anunciou as mudanças, em setembro – o que abre oportunidades de investimento nessas companhias (leia reportagem aqui) O prazo inferior a um mês para tomar as decisões também dificulta a vida das empresas de capital aberto. “O governo teve anos para promover essa mudança e resolveu fazer tudo em dois meses”, diz Ricardo Assaf, sócio do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados. “Isso cria uma instabilidade que acabou se refletindo no mercado de capitais.” Instabilidade que ainda pode durar até o dia 4 de dezembro, quando as concessionárias terão que decidir se agradam ao governo ou aos acionistas.
Colaborou: Luís Artur Nogueira